Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ao reclamar de credencial para esposa, Medina mostra não entender Olimpíada
Gabriel Medina, aparentemente, não entendeu que a Olimpíada não é o circuito mundial de surfe. Por mais que ele seja uma estrela do seu esporte, garoto-propaganda de diversas marcas, isso não dá a ele privilégio. Ao aceitar participar do movimento olímpico, o que fez voluntariamente, também aceitou seguir essas regras, que agora finge desconhecer.
Em entrevista à CNN Brasil, Medina reclamou que o Comitê Olímpico do Brasil (COB) se negou dar um "jeitinho" e credenciar sua esposa, a modelo Yasmin Brunet, como "oficial técnico". Alegou que outros atletas tiveram seus pedidos atendidos. Citou que Ítalo vai levar a Tóquio um "amigo" (na verdade, um profissional que trabalha com ele), e que Tatiana Weston-Webb será acompanhada do marido, que também é surfista profissional. Sem credencial, Yasmin não pode viajar ao Japão nem para torcer.
O surfe tem uma cultura diferente do restante do movimento olímpico, que passa pelo profissionalismo. Medina viaja o mundo no circuito mundial de forma independente. Como os demais surfistas, paga do bolso a viagem de seus acompanhantes e cabe a ele decidir se são técnicos, profissionais de saúde como médico ou fisioterapeuta ou simplesmente amigos e familiares. Ninguém tem nada a ver com a forma como ele gasta o (muito) dinheiro que ganha.
Na Olimpíada, quem determina quem faz parte da competição é o Comitê Olímpico Internacional (COI) e quem credencia os brasileiros é o Comitê Olímpico do Brasil (COB). Em outras situações, dando um jeitinho, talvez até sobrasse uma credencial para Yasmin, mas estamos em uma pandemia e a Olimpíada de Tóquio será tão enxuta quanto for possível.
Essa é uma diretriz que fez, por exemplo, o COB decidir que só vai levar dois cartolas para Tóquio. Se fossem outros tempos, iriam todos os diretores, todos os presidentes de confederação e respectivos acompanhantes. No fim, só vão Paulo Wanderley, presidente do COB, e Rogério Sampaio, CEO, além dos que vão colocar a mão na massa na missão. Se até a "família olímpica" (é esse o termo usado pelo COI) foi cortada pela raiz, imagine a família dos atletas.
Ninguém vai levar esposa. A exceção é Bruno Fratus. Mas porque, em uma delegação de 26 nadadores, os quatro de melhor índice técnico vão poder levar seus treinadores. Desde 2017, Fratus é treinado por Michele Lenhardt, sua esposa. Se Fratus é cotado a medalha, muito é porque Michele, também atleta olímpica, o ajuda tecnicamente.
O mesmo vale para Tatiana Weston-Webb, que é orientada pelo marido, o também brasileiro Jessé Mendes, que disputa o circuito mundial e venceu etapa exatamente na mesma praia em que será disputada a Olimpíada. Ou seja: ele conhece as ondas olímpicas como poucos. E o surfe brasileiro ainda tem a sorte de ter quatro credenciais de oficiais para quatro atletas — na prática, uma para cada. Nas outras modalidades a proporção é muito menor.
Medina até poderia levar um familiar para acompanhá-lo. Aliás, era esse o plano inicial. O brasileiro, afinal, foi a vida toda treinado pelo padrasto Charles Medina, com quem ele rompeu esportivamente no começo do ano. Mas Medina trocou de treinador e o COB credenciou esse novo profissional, Andy King. Tudo normal.
Ainda que seja o melhor surfista do mundo, Medina não é diferente de nenhum outro atleta olímpico brasileiro ou de qualquer outro país, para merecer que sua esposa seja credenciada como oficial técnica, o que obviamente ela não é.
Ele deveria se inspirar nos melhores tenistas do mundo, que viajam o mundo e podem se fazer acompanhar das esposas nos melhores hotéis cinco estrelas, mas, na Olimpíada, dividem apartamento na Vila Olímpica. Medina parece querer o mesmo tratamento que o dispensado a uma criança.
Rayssa Leal, de 13 anos, se classificou para os Jogos Olímpicos no skate e, por causa da idade, ficará na VIla Olímpica com a mãe, que terá uma credencial especial de acompanhante de menor.
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