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Brasileira vai do fisiculturismo a candidata a medalha nos Jogos de Inverno
Se há quatro anos alguém dissesse para Nicole Silveira que ela chegaria ao final de 2021 pesando 15 quilos a mais e como forte candidata a no mínimo alcançar o melhor resultado da história do esporte brasileiro nos Jogos Olímpicos de Inverno, ela daria risada. Impossível.
Naquela época, a enfermeira radicada no Canadá e ex-jogadora de futebol, estava se dedicando ao fisiculturismo, competindo na versão biquini, que exige corpos não apenas musculosos, mas enxutos. "Lembro de quando eu tirava foto no espelho, olhava e me achava gorda. Eu parecia doente em algumas das fotos", diz ela, que pesava 54 quilos.
Hoje com quase 70kg, Nicole vem quebrando barreiras no skeleton, uma variação do bobsled, esporte que ficou mundialmente conhecido pelo filme Jamaica Abaixo de Zero. A película conta, com humor e liberdade criativa, a saga da equipe jamaicana que conseguiu vaga para participar dos Jogos de Inverno de Calgary, no Canadá, em 1988.
A trajetória de Nicole até a próxima Olimpíada de Inverno, em Pequim, em março do ano que vem, também passa por Calgary, que é onde ela mora. Nascida em Rio Grande (RS), a gaúcha mudou-se aos sete anos para o Canadá, acompanhando os pais, que se cansaram da insegurança de administrar uma padaria no Brasil. Aqui e lá, praticou os mais variados esportes: dança, rúgbi, vôlei... até se encontrar no futebol, que viria a lhe proporcionar uma bolsa universitária.
Na época da faculdade, foi atleta de fisiculturismo por três anos e meio, chegando a vencer o campeonato estadual e se classificar para o nacional. Para chegar mais longe no esporte, teria que começar a usar substâncias proibidas, e ela achou melhor parar. Foi quando surgiu o bobsled.
"Eu trabalhava em uma loja de suplementos e um amigo meu disse que o time brasileiro de bobsled estava procurando mais uma menina. Eu nem sabia o que era o bobsled, mas acabaram me convencendo. Fiz uma temporada, em 2017, mas não nos classificamos para os Jogos Olímpicos", ela lembra. Nas últimas cinco edições das Olimpíadas de Inverno, o Brasil se classificou quatro vezes no quarteto masculino, uma na dupla masculina (em 2018) e uma dupla feminina (2014).
Sem sucesso no bobsled, Nicole voltou à universidade, que tinha trancado, e decidiu que não continuaria no esporte de inverno se não trocasse de posição. Não queria mais ser breaker (a última do trenó, responsável pelo freio), queria pilotar, sentar na frente. "Acho que é o tipo de pessoa que eu sou. Gosto de ter mais controle das coisas", explica.
Conversando com a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) veio a proposta de ela então se dedicar ao skeleton, esporte em que os atletas descem as mesmas pistas utilizadas no bobsled, mas deitados de barriga para baixo em um trenó que mais parece um carrinho de rolemã. Como Calgary manteve a pista olímpica como legado para a cidade, Nicole tinha onde treinar, e se acostumar com a ideia.
Isso foi em 2018 e, desde então, a brasileira tem subido degraus. Na primeira temporada competiu só eventos regionais, na segunda chegou aos "intercontinentais" e, na terceira, no inverno passado (pelo calendário do hemisfério norte), alcançou as Copas do Mundo, chegando à elite do esporte. Nas cinco etapas que disputou, ficou sempre entre as últimas, entre o 18º e 20º lugares. No Mundial, foi 17ª.
Um novo degrau, porém, esse muito mais alto, foi alcançado no mês passado, quando todas as principais atletas do mundo foram à China para três semanas de treino na pista que será utilizada na Olimpíada, seguidas de um evento-teste. "Olhando os resultados dos treinos, eu estava sempre entre as 15 primeiras, então falei para o meu treinador que enxergava até um top 10. Seria difícil, mas possível. Na primeira descida, eu cheguei lá embaixo e todo mundo dando os parabéns", conta.
Como foi a primeira a descer na primeira fase da primeira competição, Nicole, por alguns instantes, teve o recorde da pista que logo será olímpica. Ela perdeu o posto, mas fez o 11º tempo entre todas as participantes da primeira descida. Já mais confiante, melhorou sua marca na segunda tentativa e fechou a competição em um inesperado oitavo lugar. "Surpreendi a mim mesma, ao meu treinador e a todo mundo. Acho que desde o ano passado já começaram a me respeitar mais. Viram que eu não estou lá para brincar".
Diferente das atletas dos países que são potência na modalidade, Nicole é semi-amadora. "Eu trabalho como enfermeira no verão, do meio de março até o meio de outubro, para poder sustentar o esporte no inverno", conta. Nas últimas duas temporadas como enfermeira, lidou diretamente com a covid, tanto em hospitais quanto em asilos.
Em três oportunidades, foi chamada para trabalhar como interna em casa de repouso de idosos que lidavam com surtos de covid e não tinham enfermeiros suficientes. Topou o desafio. "Na primeira casa que eu fui, teve muitas mortes. Nas outras duas, não", ela conta, ressaltando que, mesmo nos hospitais, o cenário nunca foi tão grave quanto no Brasil.
Normalmente Nicole também dá plantões nas últimas semanas do ano, entre o Natal e o Ano Novo, quando volta para casa. Desta vez não, porque estará se dedicando a conquistar a vaga olímpica em Pequim (precisa ficar entre as 25 primeiras do ranking mundial) e para, uma vez na China, alcançar um resultado histórico para um país que tem como seu melhor resultado nos Jogos de Inverno o 9º lugar de Isabel Clark no snowboard em 2006.
Dá até para sonhar com medalha? "Acho que se me perguntassem isso no ano passado, eu diria que a pessoa estava louca. Mas do jeito que eu estou evoluindo, se eu continuar nesse ritmo, com certeza é possível. Não vou descartar nada." Por enquanto as coisas estão indo muito bem. Ontem (7) e anteontem (8) ela disputou dois torneios em Whistler, no Canadá, válidos para a "North American Cup" e venceu ambos, deixando para trás 20 atletas. Hoje acontece a terceira etapa.
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