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São Paulo tem um ano para erguer creches ou CT pode virar parque municipal
Um dia, no futuro, o local onde estão os centros de treinamento do São Paulo e do Palmeiras, no bairro da Água Branca, vai fazer parte de um grande parque municipal. A dúvida é quando isso vai acontecer. Se o São Paulo não conseguir cumprir a promessa de entregar duas novas creches à Prefeitura até janeiro do ano que vem, esse processo pode se iniciar daqui a menos de um ano, no dia 12 de janeiro de 2023. O clube diz que não trabalha com a hipótese de não entregar o que prometeu.
A reorganização urbana da Água Branca, na várzea do Tietê, de um quadrilátero que vai da ponte da Freguesia do Ó até a avenida Pacaembu, pegando os dois lados da avenida Marquês de São Vicente, foi aprovada em 2013, depois de intensa discussão envolvendo a sociedade civil, a Câmara dos Vereadores, a Prefeitura e o Ministério Público.
A chamada Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) prevê que o setor que vai da comunidade ao lado do CT do São Paulo até a quadra da escola de Samba Mancha Verde, uma imensa área pública municipal, cumpra uma função social. A quadra da Mancha um dia será um CEU (Centro Educacional Unificado). O enorme terreno da CET em breve vai dar lugar a 728 moradias sociais e a uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
E o artigo 49 da lei da OUCAB é claro: "As áreas verdes situadas no Subsetor A2 e atualmente cedidas ao São Paulo Futebol Clube e à Sociedade Esportiva Palmeiras deverão, quando devolvidas à posse do município, ser incorporadas ao parque urbano a ser criado no Subsetor A1". O parque terá saída para a marginal Tietê e incluirá a área protegida às margens do riacho que passa na lateral do CT do São Paulo.
Quando a lei foi sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), faltavam 10 anos para o fim da concessão do CT do São Paulo, assinada em 1982 para durar até 2023. Mas, em 2017, em uma das vezes que Milton Leite (DEM), presidente da Câmara Municipal, sentou-se na cadeira de prefeito, ele sancionou uma lei, aprovada pelos vereadores, que visa autorizar o São Paulo a ficar com o CT por mais 20 anos, renováveis por mais 20.
Mas há uma condicionante: "desde que atendida a contrapartida fixada pelo Poder Executivo Municipal." E, para o São Paulo, é aí que reside o problema. Desde 1982, o clube tinha a obrigação, prevista no contrato de concessão, de abrir o CT para alunos da rede pública de ensino praticarem esporte, o que nunca aconteceu com regularidade.
Enquanto prefeito, Haddad chegou a abrir processo para revogar a concessão por falta de cumprimento das contrapartidas, mas, recentemente, o São Paulo convenceu a Prefeitura a aceitar uma compensação: a construção de duas creches, em locais indicados pela Secretaria Municipal de Educação. Uma retificação da contrapartida foi assinada no fim do ano passado pelo presidente do São Paulo, Julio Casares, e pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Agora, o São Paulo tem até o fim do contrato, no dia 11 de janeiro de 2023, para construir as duas creches e cumprir a contrapartida prevista no contrato. Caso contrário, a concessão vai vencer sem o cumprimento da contrapartida e, sem poder recorrer ao que diz a lei de 2017, terá de ser aplicada a lei da OUCAB: incorporação da área ao parque a ser criado.
O São Paulo não trabalha com a hipótese de não cumprir o acordo, prometendo fazer todo o esforço possível para que as creches fiquem prontas até 11 de janeiro. Mesmo que o cronograma atrase, por eventos de força maior ou por demora da Prefeitura em cumprir procedimentos burocráticos (como a entrega do projeto arquitetônico e alvarás), o São Paulo considera que terá feito sua parte e fará jus à renovação.
As unidades de educação serão erguidas em terrenos indicados pela Secretaria Municipal de Educação nos bairros de São Mateus, na Zona Leste, e do Grajaú, na Zona Sul, com o São Paulo pagando por todas as despesas.
Licença ambiental pode acelerar devoluções
Enquanto o São Paulo tem o futuro da concessão em risco, dependendo da construção das creches, o Palmeiras tem uma situação mais tranquila, porque a concessão do seu CT, vizinho ao do rival tricolor, vale até 2078. O terreno foi inicialmente cedido ao clube alviverde em outubro de 1988, por 40 anos.
Pouco tempo depois, em 1996 o então prefeito Paulo Maluf conseguiu aprovar na Câmara Municipal um projeto para alterar o prazo da concessão para 90 anos. Ou seja: até 2078. Permaneceu, porém, a exigência de que, como contrapartida, o Palmeiras "ceda temporariamente as instalações do centro de treinamento aos alunos da rede municipal de ensino, sempre que solicitada pela prefeitura e diante prévia fixação de dias e horários a serem estabelecidos pelo concedente [a prefeitura]".
Trata-se da mesma contrapartida que o São Paulo não cumpriu e que agora foi transformada na construção de creches. Não consta que a Academia de Futebol, como é conhecido o CT do Palmeiras, receba regularmente alunos da rede pública. No passado, a Prefeitura chegou a passar mais de um ano tentando contato com o Palmeiras para regular a situação, sem sucesso.
Agora, quando questionada sobre o cumprimento da contrapartida nos últimos 34 anos, a Prefeitura citou a pandemia. "A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Governo, informa que, dada a pandemia e o necessário isolamento social, atividades em grupo como as que poderiam ocorrer no CT do Palmeiras, ainda que ao ar livre, foram suspensas. Posteriormente, a retomada das atividades coincidiu com a reforma do equipamento. A Prefeitura acrescenta, ainda, que há tratativas entre as partes em busca da melhor solução para a contrapartida.".
Os contratos de concessão, porém, podem ser rescindidos unilateralmente pela Prefeitura. Uma das possibilidades é que isso ocorra, no futuro, para a aprovação de uma Licença Ambiental de Instalação (LAI) do conjunto das intervenções que serão feitas pela Prefeitura naquela área. Hoje a Prefeitura tem uma Licença Ambiental Prévia (LAP), que prevê intervenções nos terrenos dos CTs que dependem do retorno da posse deles ao Município. Só quando as sugestões e recomendações da LAP forem atendidas é que a OUCAB terá a LAI.
Nas últimas semanas, o debate público sobre a OUCAB foi aquecido pela aprovação, por parte da Câmara Municipal, de um projeto de lei alterado de última hora para abranger diversas áreas públicas. Sem discussão com a sociedade, foi aprovada a permuta do terreno onde está a Mancha por um na Anhanguera onde seria construído um terminal de ônibus. Com isso, o terreno onde um dia será um CEU seria repassado a uma empresa privada.
Também foi desafetado (autorizado a ser vendido) um terreno público atualmente ocupado pelo estacionamento de uma loja de materiais de construção e concedido um terreno onde fica a quadra da Águia de Ouro e um galpão de reciclagem para a Vai-Vai construir sua quadra. As novidades foram criticadas pelo urbanista Nabil Bonduki em texto na Folha e urbanistas do Lab Cidade, da USP, denunciaram que a OUCAB ficava inviável.
Depois de muita pressão, em 12 de janeiro, o prefeito Ricardo Nunes vetou os artigos da permuta e da desafetação, mas manteve a concessão de um terreno para a Vai-Vai por 40 anos. Em artigo assinado por Paula Freire Santoro, Laisa Stroher, Jupira Cauhy, Henrique Giovani, Débora Ungaretti, do Lab Cidade, os especialistas defendem que a cessão segue ameaçando a OUCAB.
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