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Olhar Olímpico

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Olimpíadas de Inverno terão 100% de neve fake pela primeira vez

Máquina de neve nas Olimpíadas de inverno -  Leo RAMIREZ / AFP
Máquina de neve nas Olimpíadas de inverno Imagem: Leo RAMIREZ / AFP

03/02/2022 11h56

Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos de Inverno a competição não tem previsão de ter neve real, daquelas que caem do céu. Os organizadores dos Jogos de Pequim, que tiveram hoje (3) sua primeira competição em neve e serão abertos oficialmente amanhã (4), precisaram de um enorme esquema de engenharia para garantir que houvesse neve em uma local onde não costuma nevar.

Diferente da Olimpíada de Verão, que quando muito depende que não chova para que uma competição como a de skate possa ser realizada, ou que o vento não seja nem fraco nem forte demais para permitir uma regata de vela, nos Jogos de Inverno boa parte do evento depende das condições climáticas. Os esportes de gelo, quase sempre indoor, sofrem menos. Mas os de neve ficam sujeitos ao clima.

Sempre foi assim. Em 1964, a neve de Innsbruck, na Áustria, foi derretida por uma massa de ar quente que quase acabou com as Olimpíadas de Inverno. Soldados austríacos precisaram pegar neve em outro lugar, empacotar, e carregar até os locais de competição. Dezesseis anos depois, em Lake Placid, perto de Nova York, pela primeira vez a solução foi usar máquinas de neve artificial, criadas por Hollywood para seus filmes.

Desde então, a proporção de neve falsa tem aumentado. Em Sochi, em 2014, na Rússia, 80% de toda a neve utilizada no evento veio de máquinas. Em PyeongChang, na Coreia do Sul, há quatro anos, essa taxa subiu para 90%. Agora, chegou a 100%.

Pequim é a primeira cidade a receber tanto os Jogos de Verão quanto os de Inverno. E isso só foi possível primeiro porque, quando a escolha da sede da edição de 2022 foi feita, as Olimpíadas sofriam forte rejeição em cidades que pleiteavam receber a competição, a ponto de Cracóvia (Polônia), Lviv (Ucrânia) e Estocolmo (Suécia) retirarem suas candidaturas. Em Munique (Alemanha), a população nem permitiu a tentativa, rejeitando-a em referendo.

O COI se viu então com apenas duas alternativas: Pequim e Almaty, capital do Cazaquistão. Escolheu a primeira, mesmo sem que a capital chinesa seja um local de fato frio. Os eventos de gelo vão acontecer lá, em espaços como o Cubo D'Água, icônica arena da natação nas Olimpíadas de 2008 e agora casa do curling. Mas as competições de neve serão em Zhangjiakou, a 160 quilômetros de Pequim.

A montanha lá é fria, mas, nas últimas quatro décadas, a precipitação média de neve por inverno foi de apenas 7,9 mm. Menos de um centímetro. Claro, não é suficiente para permitir a disputa de esportes de neve. Por isso, a China previa disponibilizar 49 milhões de galões de litros de água para fazer neve, conta que um especialista ouvido pela Bloomberg considera subestimada. Segundo ele, serão necessários 528 milhões de galões, ou 2 milhões de metros cúbicos.

Tudo isso, reclamam ambientalistas, é ruim para o clima. Para produzir neve artificialmente é necessário usar volumes expressivos de recursos hídricos (que não são abundantes nesta região da China) e elétricos, já que o processo de fazer neve é semelhante ao de um ar condicionado ou de uma geladeira. Com o aquecimento global, porém, é provável que cada vez mais isso seja necessário, porque muitas das principais montanhas para prática de esqui no mundo estão ficando cada vez com menos neve.