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OPINIÃO

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Orgulho no mar, surfe passa vergonha fora dele

Adalvo Argolo, presidente da CBSurf - divulgação
Adalvo Argolo, presidente da CBSurf Imagem: divulgação

14/02/2022 13h00

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (14/2) da newsletter Olhar Olímpico, seu resumo sobre o que de mais importante aconteceu e vai acontecer nos esportes olímpicos durante a semana. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui.

Imagine o pesadelo: um presidente é afastado, mas continua no cargo. A Justiça determina que ele saia, mas ele volta. Uma eleição é convocada, menos de 10% dos eleitores o apoiam, mas os adversários são impedidos de se candidatarem. Quando as coisas parecem melhorar, a muito custo, ele convence o tribunal eleitoral a relativizar as provas contra si, permitir sua candidatura, e bloquear a oposição com argumentos frágeis. O último mandato venceu há 13 meses, mas ele segue no cargo.

Desesperador, né? É o que está acontecendo no surfe brasileiro. Quase ninguém na modalidade no Brasil quer que Adalvo Argolo continue como presidente da Confederação Brasileira de Surfe (CBSurf), mas parece que não há nada que funcione para tirá-lo da cadeira, onde está sentado há 11 anos.

A CBSurf foi fundada em 1998, mas até 2016 ela era amadora e irrelevante para o surfe profissional. O cenário mudou com a entrada do esporte no programa olímpico e da confederação na divisão dos recursos da Loterias. Quem gere recursos públicos precisa ter responsabilidade e prestar contas, o que federações e atletas dizem que Adalvo não faz. Em 2018, revelei que ele usava verba pública para alugar imóvel em nome da esposa.

Deste então a crise foi aumentando. Adalvo chegou a ser afastado, conseguiu na Justiça o direito de voltar, e passou a usar das mais diversas artimanhas para ficar no poder. Em 2020, contei que seus opositores não conseguiram inscrever chapa porque um endereço falso foi indicado como local de inscrição.

Ele até organizou uma eleição de mentirinha, sem a oposição, foi reeleito, mas o pleito anulado pela Justiça, que exigiu que antes fosse feita uma eleição para comissão de atletas. Com mandato vencido, mas sem outra pessoa eleita a quem passar o cargo, Adalvo enrolou o quanto pôde.

Para se ter noção do nível das manobras, um trecho de uma sentença de uma juíza que antes havia dado uma decisão favorável a ele. "Vistos a má-fé da autora [a confederação] resta evidente e causa espanto ao juízo, mesmo após mais de vinte anos de judicatura". Obrigado pela Justiça, chamou eleição para comissão de atletas, e depois, para a própria presidência da CBSurfe, enfim.

E aí a surpresa — ou não. A comissão eleitoral, com advogados indicados pelo jurídico indicado por Adalvo, decidiu que o presidente não teve 'má-fé' ao não prestar contas anuais, como manda o estatuto, nem em alugar um imóvel da própria esposa. Mas impugnou a chapa de oposição, do ídolo Teco Padaratz, com a alegação de que ele difundiu notícias falsas envolvendo a confederação.

Hoje, o cenário é que quase todas as federações (exceto Bahia e Pará) e os atletas não querem Adalvo, mas só há dois candidatos aptos na eleição: ele e Marcelo Barros, também da Bahia, seu aliado, e que parece ser candidato só para dar a impressão de haver democracia no surfe.

Por causa dessa crise toda, a CBSurf não recebe mais dinheiro público. Por má gestão, não organiza campeonatos com regularidade. Diferente da CBSk, do skate, que montou uma seleção e faz a modalidade melhorar no Brasil, no surfe não há comissão técnica, não há projeto. Gabriel Medina só quis levar Yasmin Brunet como parte da equipe em Tóquio porque a própria CBSurf não indicou ninguém. Um técnico, um médico, um fisioterapeuta. Nada.

Para não dizer que não faz nada pelo surfe, Adalvo organizou uma excursão para El Salvador, para os ISA Games, em maio. Alugou uma casa para os surfistas brasileiros, que foram embora depois da primeira rodada. Ele ficou, postando no Instagram da confederação que iria "tirando proveito da excelente estrutura física e de serviços montada para esta missão".

Medina, Ítalo e outros que fazem o surfe brasileiro ser potência até dizem serem contra Adalvo quando perguntados, mas fazem muito pouco para tirá-lo de lá. Não se envolvem. Dão orgulho ao país na água enquanto, fora dela, a gestão da modalidade é uma vergonha, um exemplo de tudo de ruim que existe no esporte brasileiro e das razões de haver tão poucas empresas dispostas a colocar dinheiro em confederações.

Fisioterapeuta desponta para Paris no atletismo
Rafael Pereira, semifinalista dos 110m com barreiras - Wagner Carmo/CBAt - Wagner Carmo/CBAt
Imagem: Wagner Carmo/CBAt

Quando a Olimpíada de Tóquio foi adiada, o fisioterapeuta Rafael Pereira deu alta para alguns pacientes, indicou colegas para outros, pediu dispensa do emprego, e decidiu voltar a treinar a atletismo, esporte que ele tinha largado durante a faculdade. Deu certo. Não apenas conseguiu o índice olímpico nos 110m com barreiras como foi dos poucos brasileiros a chegar à semifinal no Japão. Em sua primeira temporada indoor, bateu, nos últimos dias, duas vezes o recorde brasileiro dos 60m com barreiras. Com 7s58, aos 24 anos, já é o sétimo do ranking mundial. Paris é logo ali

Saudades

De quando o basquete feminino do Brasil brigava entre as melhores do mundo. A seleção perdeu os três jogos do Pré-Mundial e não vai ao Mundial, no ano que vem. Também já não havia ido ao de 2018, nem à Olimpíada de Tóquio. Desde 2014, quando o Brasil ganhou um módico jogo no Mundial, do Japão, a seleção não vence um duelo de nível mundial. Foram seis derrotas na Rio-2016, três no Pré-Olímpico do ano passado e mais três agora.

Recomeço

Vinicius Rangel, de 20 anos, recolocou o Brasil no mapa do ciclismo de estrada mundial. No sábado, o jovem recém-contratado pela forte equipe Movistar disputou a Volta Ciclística da Região de Múrcia, na Espanha, terminando em 84ª lugar. Fazia cinco anos que nenhum brasileiro competia em um evento do World Tour, Ele foi nono colocado no Mundial Sub-23 do ano passado.

Atualizando o dicionário

A CBDA oficializou a mudança de nome no esporte em que Ana Marcela Cunha é campeã olímpica. Antes chamado de "maratonas aquáticas", agora será oficialmente conhecido como "águas abertas", em uma tradução literal do nome utilizado em inglês, "open water". O termo "maratona aquática" segue existindo, mas para designar a prova de 10km, distância olímpica. É a mesma lógica do atletismo. Falou "maratona aquática", sabe que é uma prova de 10 quilômetros nas águas abertas.

'Nova' CBV decepciona

"CEO", "gerente de novos negócios". Os novos cargos indicam uma Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) mais moderna. Na prática, a confederação parece estar cada vez mais ultrapassada. Não sentar-se à mesa com os representantes eleitos dos atletas de vôlei de praia, fechando a porta na cara deles, é coisa de cartolas do século passado e não combina com o perfil da CEO Adriana Behar e do gerente Guilherme Marques, ambos ex-atletas de sucesso.

Critérios esquecidos

Quem também incomodou atletas essa semana foi a CBAt, do atletismo, que no fim de semana organizou um evento outdoor que valia como seletiva para o Sul-Americano Indoor, destacando isso diversas vezes, e na terça fez uma convocação ignorando esses resultados. Menos mal que a confederação voltou atrás, depois de ser pressionada por atletas e treinadores, admitindo o erro, e refazendo a convocação.

Olimpíadas de Inverno com dias contados

Um estudo de pesquisadores canadenses, americanos e australianos concluiu que, no final deste século, caso o aquecimento global continue nos níveis atuais, só uma das 21 localidades que já foram sede dos Jogos Olímpicos de Inverno continuaria apta a receber um evento do tipo. No caso, Nagano, no Japão. Pelo ritmo atual, 13 das antigas sedes estarão inviabilizadas já nos anos 2050.

Chamado a atletas

A finalista olímpica Joanna Maranhão está na reta final do curso de mestrado em Ética no Esporte e Integridade, pela Kuleuven, instituição Belga. Ela estuda incidência de violências interpessoais contra atletas no Brasil e pede a colaboração de esportistas e ex-esportistas que já participaram de campeonato brasileiro em qualquer categoria, em qualquer modalidade. O questionário (clique aqui) é anônimo. Joanna atualmente está morando na Alemanha, onde o marido dela, o ex-atleta olímpico Luciano Correa, trabalha como treinador. Neste fim de semana ele participou pela primeira vez de um torneio como assistente técnico do time alemão.

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