Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Valieva competindo é vexame para o COI, mas não é injusto
Criticado por ter sido complacente demais com a Rússia, o Comitê Olímpico Internacional (COI) perdeu a aposta. Permitiu que os russos participassem de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, vetando apenas o uso da bandeira deles, e agora vê seu evento manchado por um escândalo de doping que atinge a mais estrela da competição, Kamila Valieva.
A patinadora ganhou a prova por equipes com a Rússia, na segunda-feira passada. Na terça o laboratório de Estocolmo informou um teste positivo dela para substância dopante, ela foi imediatamente suspensa pela agência antidoping russa, recorreu, e foi liberada a competir na quarta. O caso veio a público entre quinta e sexta, e hoje (14) a Corte Arbitral do Esporte (CAS) decidiu que ela pode continuar a competir em Pequim.
Acho a decisão da CAS correta, mas que ela só existe porque, antes, o COI tomou uma série de decisões erradas. Com seu governo participando diretamente de um esquema de doping em massa em atletas, a Rússia deveria ter sido proibida de disputar as Olimpíadas de Tóquio, disputada ano passado, e de Pequim, de Inverno, que está acontecendo agora.
E isso deveria envolver a proibição de participação de atletas russos, como uma punição real ao país. No fim, a bandeira da Rússia foi vetada, o nome "Rússia" também (usa-se Comitê Olímpico Russo), mas os russos estão lá. Valorizando o nível esportivo do evento, não se nega, mas também manchando a imagem dos Jogos Olímpicos. Hoje qualquer notícia sobre ouro, prata ou bronze é menos importante do que o caso Valieva.
Talvez nunca saberemos se o doping da patinadora é parte do velho esquema russo, ou se foi de fato só um incidente isolado, talvez até um azar — uma atleta russa do bobsled também foi flagrada em resultado por essa substância na última Olimpíada de Inverno e conseguiu provar contaminação de suplementos. Mas Valieva é russa, e nem deveria estar em Pequim.
Uma vez que o COI permitiu que ela estivesse, agora as regras precisam ser aplicadas a ela. E a Rússia, por motivos óbvios, conhece bem as regras antidoping. Mal a patinadora recebeu uma suspensão provisória, obrigatória diante da substância encontrada, logo recorreu e, horas depois, uma câmara independente da Rusada estava julgado uma liminar para retirar a suspensão provisória da adolescente.
Comparemos com o caso Tandara. A agência brasileira (ABCD) informou sobre o doping dela e a suspensão provisória durante a madrugada no Japão, depois do almoço no Brasil. Dava tempo de advogados a postos para situações assim recorrerem, o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TDJ-AD) julgar uma liminar, e quem sabe Tandara estar à disposição já para a atividade da manhã naquele dia de semifinal olímpica. Tudo isso usando as regras.
Em 2016, quando o então diretor do COB Marcus Vinicius Freire reclamou de a ABCD estar indo atrás de atletas que poderiam não ser encontrados e acabarem suspensos, ele pensava que o órgão de controle brasileiro deveria, seguindo as regras do jogo, não atrapalhar a campanha brasileira. Até acho bom que essa cultura não faça parte do esporte brasileiro, mas claramente na Rússia a música toca diferente. Lá, Valieva teve seu recurso julgado a tempo de não precisar entregar a credencial e deixar a Olimpíada.
Para a CAS, a Rússia seguiu as regras do jogo. Valieva, por ser adolescente, merece, no entender da corte, um voto de confiança, não ser julgada previamente, até porque testou negativo em Pequim. Por isso, poderá competir nas Olimpíadas, em competição feminina que começa hoje. Se depois vier a ser suspensa, perde a medalha. Se não, manterá o título que muito provavelmente vai conquistar (ela é muito melhor que as concorrentes).
O que o COI vai fazer para se proteger é não entregar medalhas nem nessa prova nem para a por equipes realizada na semana passada. Com isso, evita que Valieva tenha, futuramente, que devolver uma medalha ganha e evita o risco, se Valieva for suspensa, de reprodução de fotos de uma dopada com medalha de ouro no peito. Um band-aid para tapar um buracão na reputação dos Jogos Olímpicos.
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