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OPINIÃO

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Cobertor curto expõe fragilidades do basquete feminino

Erika Souza, da seleção brasileira de basquete - Divulgação/Fiba
Erika Souza, da seleção brasileira de basquete Imagem: Divulgação/Fiba

21/02/2022 13h00

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (21/2) da newsletter Olhar Olímpico, seu resumo sobre o que de mais importante aconteceu e vai acontecer nos esportes olímpicos durante a semana. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui.

O ideal seria a seleção brasileira feminina de basquete ter aproveitado uma rara "janela Fiba" em novembro para reunir o elenco por uma semana, talvez fazer amistosos, ganhar ritmo para o torneio Pré-Mundial disputado na semana retrasada. Mas o basquete brasileiro, especialmente o feminino, vive um cenário muito longe do ideal.

Desentrosado, o time que treinou completo só dois dias antes do evento qualificatório, perdeu seus três jogos e não vai ao Mundial pela segunda edição seguida.

"Ou a gente treina, ou a gente joga", resume Magic Paula, hoje vice-presidente da CBB, e responsável pelo basquete feminino na entidade. O cobertor é curto, e existe a obrigação de cobrir a ida a competições de base - quando deixou de ir a esses eventos, o Brasil foi suspenso pela Fiba.

Já era reflexo de uma engrenagem que esmaga o basquete brasileiro. Sem dinheiro para o básico, a seleção não evolui o suficiente, sequer vai a Mundial ou Olimpíada, e passa a receber ainda menos dinheiro, já que o desempenho nesses eventos é critério para o COB repassar mais ou menos verbas da Lei Piva.

Em popularidade, o basquete pode ser equiparado, no Brasil, ao vôlei. Mas, em verbas, o basquete está mais perto do hóquei sobre a grama. Em 2022, a CBB terá direito a R$ 3,6 milhões da Lei Piva, só R$ 200 mil a menos que o hóquei. O vôlei receberá mais de R$ 8 milhões.

A CBB até tem algum pouco dinheiro privado, mas que está sempre sob risco de ser tomado na Justiça por algum credor. Para fazer o mínimo, a entidade precisaria de R$ 10 milhões/ano, mas não tem nem metade disso. Para muitos, a CBB só não quebrou até aqui porque o presidente Guy Peixoto, empresário do setor logístico, coloca dinheiro próprio e virou mecenas da entidade.

Com orçamento apertadíssimo, ninguém na comissão técnica tem salário, trabalhando voluntariamente. O técnico José Neto, que trabalha paralelamente em uma equipe de Angola, só recebe diárias quando está com a seleção. Pela desvalorização do Real e a exigência de testes de covid, as viagens estão mais caras. Só a ida ao Pré-Mundial consumiu 15% do orçamento do ano.

O cenário internacional do basquete feminino torna tudo ainda mais difícil. Se no masculino o Mundial foi ampliado de 24 para 32 times, com eliminatórias semelhantes à do futebol, no feminino o evento foi reduzido de 16 para 12 equipes, com um Pré-Mundial de quatro dias, prejudicando países em desenvolvimento. Com Brasil, Porto Rico e Mali eliminados, o "Mundial" (entre aspas mesmo) não terá times da América Latina ou da África.

Além disso, como há menos dinheiro circulando, menos clubes e menos patrocinadores, as jogadoras têm que fazer jornada dupla, atuando em duas ligas em um ano, uma depois da outra. No Brasil, a LBF dura só de março a agosto, o que faz a temporada ter só seis meses de salário, que raramente superam R$ 10 mil. A solução para muitas é jogar na periférica liga de Portugal.

A LBF tem apenas 10 times e uma segunda divisão, ainda incipiente, semi-amadora, foi criada só no ano passado. Os grandes clubes sociais, como Pinheiros, Minas Tênis Clube e Flamengo, que se orgulham de serem parte da história do basquete brasileiro, não têm times femininos nem na base. É como se "basquete" e "basquete masculino" fossem sinônimos.

Historicamente o feminino acontece principalmente no interior de São Paulo, mas o último Campeonato Paulista Sub-19 teve apenas três equipes. Como não forma e não treina, o Brasil foi último colocado no Mundial Sub-19 do ano passado, com direito a derrota por 83 a 22 para a Espanha. No Sub-17, a seleção nem vai ao Mundial deste ano porque foi só sexta na última Copa América.

A esperança está nos EUA. Sem clubes por aqui, as melhores brasileiras da base têm ido jogar no sistema escolar americano (já são mais de 50 garotas por lá. Mas as universidades americanas não costumam liberar suas jogadoras para a seleção, uma vez que não têm qualquer obrigação.

É nos EUA que estão Kamilla e Stephanie, pivôs, têm boas chances de chegar logo à WNBA. Ambas foram bem no Pré-Mundial, e a primeira entrou na seleção das melhores do quadrangular jogado pelo Brasil. Por enquanto, é nelas que estão depositadas as esperanças de um futuro melhor para o basquete brasileiro. Mas o caminho ainda é longo e tortuoso.

Teco Padaratz, ex-surfista profissional - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Bons ventos

Critiquei, na newsletter da semana passada, a decisão da comissão eleitoral da Confederação Brasileira de Surfe que impugnou a chapa de Teco Padaratz. Eu disse que a impugnação não teve argumentos sólidos. O árbitro da câmara arbitral para onde o caso foi levado indicou pensar parecido, e autorizou Teco a concorrer. A eleição é amanhã (22) e, com a CBSurf sob comando de um interventor, Adalvo Argolo não deverá conseguir nenhuma manobra. Será derrotado na urna, e de forma acachapante.

Vida longa

Paulo Paula correu ontem a Maratona de Sevilla em 2h09min50 e quebrou, aos 42 anos, seu recorde pessoal. Com três Olimpíadas nas costas, o veterano quer ir para mais uma. Tudo bem que os novos tênis tecnológicos têm ajudado atletas do mundo todo a baixar tempos, mas é expressivo que Paulo tenha feito isso aos 42 anos, com índice para o Mundial deste ano, nos EUA. Também buscavam vaga Edson Amaro, que ficou 3 minutos acima, Cipó, Flávio Guimarães e Justino Pedro, que quebraram nos 25km.

Clube novo

Por falar em maratona, Daniel Nascimento está de clube novo. Depois de duas temporadas na ABDA, de Bauru, um clube essencialmente voltado aos esportes aquáticos, ele se transferiu para outra equipe que não está entre as principais do país. Danielzinho vai correr pela Noroeste Runners, de Ijuí, no norte do Rio Grande do Sul. Em dezembro, em Valencia, ele ficou a 6 centésimos de bater o recorde sul-americano de Ronaldo da Costa.

Mais doping

A porcentagem de casos positivos de doping em exames colhidos pela agência brasileira, a ABCD, aumentou em 2021. Segundo dados da agência, foram 4.819 testes com 43 resultados analíticos adversos. Isso dá 0,9% de positivos. Em 2018, 2019 e 2020, essa taxa foi de 0,7%.

Menos antidoping

A lógica do antidoping é: quem procura, acha. E o Brasil, que tem muitos casos importantes de doping nos últimos anos, fez menos testes do que o que está acostumado em 2021, ano olímpico. O país, que faz 5.667 testes em 2017, 7.335 em 2018 e 8.780 em 2019, despencou os números para 4.819 em 2021, ano em que o calendário nacional voltou quase à normalidade.

O que explica

A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), além de culpar a pandemia, diz que revisitou sua metodologia para melhor distribuir os testes fora de competição. "O trabalhado realizado atualmente no processo de controle de dopagem é voltado para a qualificação dos testes e não para quantidade de exames", diz o órgão, que fez alguns golaços no ano passado. O melhor deles, ter enfim conseguido flagrar Fernando Reis Saraiva no antidoping.

Equipe brasileira de bobsled. Da esquerda para a direita: Edson Bindilatti, Jefferson Sabino (reserva), Edson Martins, Erick Vianna e Rafael Souza. - Alexandre Castello Branco/COB - Alexandre Castello Branco/COB
Imagem: Alexandre Castello Branco/COB

A participação de países tropicais no bobsled dos Jogos Olímpicos de Inverno sempre foi vista como algo excêntrico. Edson Bindilatti e seu time colocaram uma pedra sobre esse preconceito. Aos 42, em sua quinta Olimpíada, o piloto conseguiu um excelente 20º lugar em Pequim, à frente de países com tradição na modalidade, como a Suíça. Pela primeira vez o Brasil foi a uma final da modalidade, exatamente entre os 20 primeiros. O resultado foi também uma homenagem a Odirlei Pessoni, atleta e mecânico do quarteto, que morreu em acidente de moto ano passado.

Não deu lá

Lucas Pinheiro, líder da Copa do Mundo de Esqui Alpino no slalom, disse ao site dos Jogos Olímpicos que, se ganhasse uma medalha em Pequim, ela seria metade brasileira, metade norueguesa. Competindo pela Noruega, ele não ganhou, sendo eliminado depois de cometer uma falha.

Pode dar cá

Mas o Brasil não tem, e nunca teve, um atleta desse nível. Lucas é filho de brasileira e apaixonado pelo Brasil. Tomara o COB tenha aproveitado a presença em Pequim para afagá-lo. Com a Noruega produzindo a esquiadores a rodo, pode acontecer com Lucas o mesmo que com Nathalie na esgrima italiana. Perdendo espaço lá, ele seria muito bem-vindo no Brasil.

De parabéns

A participação brasileira em Pequim foi muito boa, de forma geral. Além do resultado histórico no bobsled, o Brasil ainda conseguiu um importante 13º lugar, melhor classificação do país em uma Olimpíada no gelo (melhor que isso, só o nono lugar de Isabel Clark no snowboard, em 2006). E ainda Michel Macedo fez uma excelente primeira descida no slalom, em 37º.

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