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Olhar Olímpico

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Artes marciais retiram condecorações que construiam mito de Putin herói

Vladimir Putin é faixa-preta no judô e "Presidente Honorário" da Federação Internacional da modalidade - Mikhail Svetlov/Getty
Vladimir Putin é faixa-preta no judô e 'Presidente Honorário' da Federação Internacional da modalidade Imagem: Mikhail Svetlov/Getty

28/02/2022 13h37

Vladimir Putin ordenou um ataque militar à Ucrânia, mas há cinco anos não responde a insistentes pedidos de Benjamin Wittes, editor do Lawfare, um blog norte-americano sobre questões de segurança nacional, para uma luta de judô. O presidente é apresentado pela Rússia como um especialista na modalidade, o que o jornalista assegura ser uma grande fraude.

Ontem, a Federação Internacional de Judô (IJF) suspendeu Putin como presidente honorário e embaixador da modalidade, em uma resposta ao ataque da Rússia à Ucrânia. O político já usufruía desses dois status quando, em 2012, se tornou o primeiro russo a receber a faixa vermelha e branca, de oitavo dan — mesma graduação que têm, por exemplo, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley, que foi campeão olímpico como técnico.

Na época da promoção de Putin ao oitavo dan, o então presidente da IJF, Marius Fizer, deixou clara a aliança política. "É uma grande honra para a Federação Internacional, bem como para toda a comunidade do judô, poder contar com uma personalidade da sua reputação e posição. O presidente Putin representa a alta expressão dos valores do judô no mundo".

Sempre foi uma relação ganha-ganha. O judô recebia apoio para realizar eventos internacionais em solo russo, como o Mundial de 2014 e os Masters de 2013 e 2017, enquanto Putin usava seu status no judô para forjar o mito do herói, reforçada por fotos sem camisa e com calças camufladas e lastreada por histórias de que ele já lutou (e venceu) ursos.

Benjamin Wittes, que tem mais de 400 mil seguidores no Twitter e é um dos mais influentes jornalistas dos EUA, alega que a fama de Putin no judô é falsa. "Pelo menos nos vídeos que vi, não há ataques determinados a Putin, e não vejo indício de que seus oponentes tentem derrotá-lo", escreveu Wittes no Lawfare, de acordo com reportagem de 2017 do The Washington Post.

"Os vídeos são demonstrações de sua masculinidade e força, e os oponentes fazem o que os japoneses chamam de ukemi (quedas defensivas) em benefício dele", continuou o jornalista. "Putin é um fraudador das artes marciais. Só luta contra pessoas que estão sob seu poder, e todas elas caem de propósito para deixá-lo ganhar", disse.

A versão oficial é que Putin começou a treinar judô na adolescência em São Petersburgo e, aos 18 anos, já era faixa preta. Na época, na União Soviética, os esportes de combate eram obrigatórios para os garotos, que eram iniciados em boxe, wrestling, judô, caratê ou sambô, modalidade semelhante ao sumô que foi a porta de entrada de Putin nas artes marciais. O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, ex-campeão mundial de boxe profissional, iniciou no caratê.

No caso do presidente da Rússia, o alto grau de instrução em artes marciais foi usado para construir a imagem de um líder que não precisaria de guarda-costas porque se protege sozinho. "Vladimir Putin demonstra que ele é um político com o qual ninguém mexe", disse um repórter da emissora estatal russa RT, em vídeo citado pelo Washington Post.

Para reforçar essa ideia, Putin recebeu, em 2013, o título de grande mestre do taekwondo, esporte que sequer ele pratica. Mesmo assim, passou a ostentar o nono dan, graduação maior do que a que então tinha o astro Chuck Norris, hoje a pessoa com maior graduação no mundo. Hoje (28), a Federação Internacional de Taekwondo retirou a faixa faixa preta honorária de Putin.

A entidade também anunciou que vai acatar o pedido do COI e banir a bandeira e o hino da Rússia (e também da Belarus) em suas competições. Quaisquer eventos realizados nos dois países não serão reconhecidos. A União Europeia de Judô também retirou o status de Putin como presidente honorário, enquanto o COI retirou a comenda olímpica dada a Putin em 2001.