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OPINIÃO

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Bolsonaro mente que Brasil não recebia Davis há 22 anos

Duelo entre Brasil e Alemanha na Copa Davis, no Rio - Fernando Frazão/Agência Brasil
Duelo entre Brasil e Alemanha na Copa Davis, no Rio Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

07/03/2022 13h00

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (7/3) da newsletter Olhar Olímpico, seu resumo sobre o que de mais importante aconteceu e vai acontecer nos esportes olímpicos durante a semana. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui.

Jair Bolsonaro celebrou ontem nas redes sociais que, em seu governo, "depois de 22 anos o Brasil recebeu novamente a Copa Davis de Tênis" (aqui). Trata-se de mentira deslavada. Os confrontos da Copa Davis são definidos por sorteio, que também define o mando de quadra, e o Brasil joga em casa praticamente um jogo sim, um não, desde sempre. Nos últimos 22 anos, foram 20 duelos no Brasil, alguns mais importantes do que esse contra a Alemanha, outros menos. No próprio governo Bolsonaro já haviam sido realizados confrontos em Uberlândia e Criciúma.

É uma atrás da outra

Escrevi na newsletter da semana passada que era impressionante o tanto de versões deturpadas dos fatos contadas por membros do governo sobre o trabalho no esporte. Aqui, é mais do que isso. É mentira pura e simples, compartilhada por gente como Maurren Maggi, bolsonarista de carteirinha. Se Bolsonaro e o pessoal da Secretaria mentem até no que é facilmente desmentido, sobre fatos concretos e históricos, imaginem no que é de mais difícil entendimento. Tipo a Bolsa Atleta.

Passando o chapéu

Ao festejar o apoio do Banco do Brasil ao surfe, o secretário de Esporte Marcelo Magalhães disse que vai ao Congresso solicitar que emendas sejam destinadas a esta modalidade. O grosso da proposta orçamentária sai do Executivo, mas está claro do governo não virá nada a mais. A esperança é que algum deputado ou senador tope abrir mão de obras em seus redutos eleitorais para destinar alguma coisa para o esporte. Bolsonaro e Paulo Guedes não farão isso.

Vai dar m...

Falta uma diretoria de "vai dar m*rda" na Confederação Brasileira de Vôlei, que tem feito uma besteira atrás da outra. A última: proibiu, dentro das áreas de competição do vôlei de praia, "demonstrações ou interferências de natureza política, religiosa (...)". A regra foi adicionada no segundo semestre do ano passado ao termo de participação que atletas precisam assinar para jogar o Circuito Brasileiro, onde também segue proibido "divulgar sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar a imagem da CBV e/ou os patrocinadores".

Deu m...

É o mesmo documento que a CBV usou como base para denunciar Carol Solberg ao STJD da modalidade em 2020 pelo "Fora, Bolsonaro". O tribunal, na época, entendeu que ela não descumpriu o regulamento. Então a CBV achou por bem deixar a censura explícita. Claro que ia dar dor de cabeça, e deu. Os atletas reclamaram e Adriana Behar, CEO da entidade, dessa vez prometeu um passo atrás. A proibição a divulgar "opinião pessoal" vai cair para a próxima etapa. O trecho novo, proibindo manifestações políticas, continua.

Boicote atinge brasileiro

Principal jogador do tênis de mesa do país, Hugo Calderano desde o ano passado defende o Gazprom Orenburg, da Rússia, uma das principais equipes da Champions League da modalidade. O brasileiro treina e mora na Alemanha, em Ochsenhausen, onde tem sua base há muitos anos, e se junta ao time nas vésperas dos confrontos. O Gazprom Orenburg, porém, foi eliminado da Champions na semana passada, pelo boicote à Rússia. Pelo contrato atual, Calderano até se comprometeu a jogar alguns duelos da liga russa, mas o próximo seria só em junho. Ele ainda não anunciou o que vai fazer.

Sobre o boicote

Putin é um criminoso de guerra, um facínora, e seu governo está errado em invadir a Ucrânia. Dito isso, é assustador o que o esporte tem feito com atletas russos. Começou com proibição da bandeira russa e chegou ao ponto de a associação de atletas defender que não seja cumprida uma eventual decisão da Corte Arbitral do Esporte (CAS) permitindo que russos disputem as Paralimpíadas, em postura de fazer inveja a Bolsonaro. É tanto ódio por atletas russos, pessoas comuns que não têm nada a ver com as decisões de Putin, que já pode ser descrito como xenofobia.

Esporte assiste calado ao Bolsa Atleta derreter

No segundo semestre de 2010, um jornalista que trabalhasse em uma redação de jornal ou revista na cidade de São Paulo recebia ao menos R$ 1.833 por mês, piso normativo estabelecido em acordo coletivo. Naquela época, o governo federal reajustou o valor da Bolsa Atleta paga um atleta medalhista em Mundial, Pan-Americano ou Sul-Americano, para R$ 1.850 ao mês.

Onze anos depois, sem aumento real, mas compensando a inflação, o piso dos jornalistas mais do que dobrou, para um mínimo de R$ 3.683,28. A Bolsa Atleta continua pagando os mesmos R$ 1.850. E o que me assusta é que não há pressão para isso ser corrigido. Se todas as categorias (uso a minha, de jornalista, como exemplo) merecem reajuste salarial, por que não os atletas?

Mariana Marcelino, heptacampeã brasileira e tri sul-americana do lançamento do martelo, tem a Bolsa Atleta Internacional de R$ 1.850. Sem clube e em uma prova na qual as Forças Armadas nunca contrataram uma atleta mulher, ela não consegue sobreviver no esporte com esse dinheiro, que mal paga os custos básicos com aluguel, alimentação e transporte. Muito menos dá para investir nas necessidades de treinamento.

O governo se gaba, desde Lula (PT), que o Bolsa Atleta é "um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo". Mas, sem que Dilma (PT), Temer (MDB) ou Bolsonaro (PL) tenham movido uma palha para ao menos reajustar o valor da bolsa pela inflação, o Bolsa é, hoje, metade do que era há dez anos. E, todo ano, ele fica 10% menor.

Se os R$ 1.850 não dão para um atleta do nível de Mariana Marcelino, pior ainda os campeões nacionais que recebem R$ 950, valor que, em São Paulo, hoje não compra nem o que o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) considera uma cesta básica. A verdade é que o Bolsa Atleta está sendo desmontado, derretido aos olhos de uma comunidade esportiva impassível.

Essa deveria ser uma pauta do Conselho Nacional de Atletas (CNA), mas o órgão consultivo do antigo Ministério do Esporte foi aparelhado sob Bolsonaro e hoje é presidido por Mosiah Rodrigues, ex-ginasta, e também o diretor do Bolsa Atleta. Como não é possível sentar-se dos dois lados do balcão, Mosiah representa só os interesses do governo, e o posto de porta-voz dos atletas fica vazio.

Confederações, o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Paralímpico Brasileiro agem que como se isso não fosse problema deles, porque não é diretamente. Preferem se indispor com o governo, se necessário for, por algo que os favoreça. Os atletas com mais espaço na mídia e mais seguidores nas redes sociais não se movimentam porque a bolsa é parte menor do orçamento deles, e não vale o estresse. Quem depende do auxílio, porém, tem medo de se rebelar sozinho, ser retaliado, e acabar de mãos abanando.

A Comissão de Atletas do COB até já levantou o tema em conversa com o secretário, ouviu que não havia dinheiro em um governo que torra dinheiro com motociatas e passeios jet-ski, e o assunto morreu ali.

A Secretaria Especial do Esporte já tirou o reajuste da pauta política. Por falta de dinheiro, a pasta vinha, há anos, desde o segundo mandato de Dilma, fazendo uma espécie de pedalada orçamentária, pagando a bolsa de um ano com o orçamento do ano seguinte, e isso foi equacionado com a decisão do governo de cancelar a Bolsa Atleta em 2020.

Quando o Esporte ainda estava na mão dos militares, no início do governo Bolsonaro, foi discutida a péssima ideia de as estatais pagarem pela Bolsa. Claro que não daria certo, e não deu. Não havia, e não há, um plano B. Para a pasta, é melhor deixar como está do que bater de frente com Paulo Guedes.

Como meu histórico de atleta se resume a uma medalha de bronze por São Roque (SP) em Jogos Regionais, como goleiro reserva de um goleiro-linha no handebol, essa briga não é minha. Mas eu sinceramente acho que os mais de 6 mil atletas que recebem a Bolsa e que sabem que o dinheiro dá cada vez para menos, deveriam começar a se mobilizar. O interesse é deles.