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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Esporte assiste calado ao Bolsa Atleta derreter

Jair Bolsonaro recebe atletas que foram ao Pan de Lima - Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro recebe atletas que foram ao Pan de Lima Imagem: Alan Santos/PR

07/03/2022 13h00

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (7/3) da newsletter Olhar Olímpico, seu resumo sobre o que de mais importante aconteceu e vai acontecer nos esportes olímpicos durante a semana. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui.

No segundo semestre de 2010, um jornalista que trabalhasse em uma redação de jornal ou revista na cidade de São Paulo recebia ao menos R$ 1.833 por mês, piso normativo estabelecido em acordo coletivo. Naquela época, o governo federal reajustou o valor da Bolsa Atleta paga um atleta medalhista em Mundial, Pan-Americano ou Sul-Americano, para R$ 1.850 ao mês.

Onze anos depois, sem aumento real, mas compensando a inflação, o piso dos jornalistas mais do que dobrou, para um mínimo de R$ 3.683,28. A Bolsa Atleta continua pagando os mesmos R$ 1.850. E o que me assusta é que não há pressão para isso ser corrigido. Se todas as categorias (uso a minha, de jornalista, como exemplo) merecem reajuste salarial, por que não os atletas?

Mariana Marcelino, heptacampeã brasileira e tri sul-americana do lançamento do martelo, tem a Bolsa Atleta Internacional de R$ 1.850. Sem clube e em uma prova na qual as Forças Armadas nunca contrataram uma atleta mulher, ela não consegue sobreviver no esporte com esse dinheiro, que mal paga os custos básicos com aluguel, alimentação e transporte. Muito menos dá para investir nas necessidades de treinamento.

O governo se gaba, desde Lula (PT), que o Bolsa Atleta é "um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo". Mas, sem que Dilma (PT), Temer (MDB) ou Bolsonaro (PL) tenham movido uma palha para ao menos reajustar o valor da bolsa pela inflação, o Bolsa é, hoje, metade do que era há dez anos. E, todo ano, ele fica 10% menor.

Se os R$ 1.850 não dão para um atleta do nível de Mariana Marcelino, pior ainda os campeões nacionais que recebem R$ 950, valor que, em São Paulo, hoje não compra nem o que o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) considera uma cesta básica. A verdade é que o Bolsa Atleta está sendo desmontado, derretido aos olhos de uma comunidade esportiva impassível.

Essa deveria ser uma pauta do Conselho Nacional de Atletas (CNA), mas o órgão consultivo do antigo Ministério do Esporte foi aparelhado sob Bolsonaro e hoje é presidido por Mosiah Rodrigues, ex-ginasta, e também o diretor do Bolsa Atleta. Como não é possível sentar-se dos dois lados do balcão, Mosiah representa só os interesses do governo, e o posto de porta-voz dos atletas fica vazio.

Confederações, o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Paralímpico Brasileiro agem que como se isso não fosse problema deles, porque não é diretamente. Preferem se indispor com o governo, se necessário for, por algo que os favoreça. Os atletas com mais espaço na mídia e mais seguidores nas redes sociais não se movimentam porque a bolsa é parte menor do orçamento deles, e não vale o estresse. Quem depende do auxílio, porém, tem medo de se rebelar sozinho, ser retaliado, e acabar de mãos abanando.

A Comissão de Atletas do COB até já levantou o tema em conversa com o secretário, ouviu que não havia dinheiro em um governo que torra dinheiro com motociatas e passeios jet-ski, e o assunto morreu ali.

A Secretaria Especial do Esporte já tirou o reajuste da pauta política. Por falta de dinheiro, a pasta vinha, há anos, desde o segundo mandato de Dilma, fazendo uma espécie de pedalada orçamentária, pagando a bolsa de um ano com o orçamento do ano seguinte, e isso foi equacionado com a decisão do governo de cancelar a Bolsa Atleta em 2020.

Quando o Esporte ainda estava na mão dos militares, no início do governo Bolsonaro, foi discutida a péssima ideia de as estatais pagarem pela Bolsa. Claro que não daria certo, e não deu. Não havia, e não há, um plano B. Para a pasta, é melhor deixar como está do que bater de frente com Paulo Guedes.

Como meu histórico de atleta se resume a uma medalha de bronze por São Roque (SP) em Jogos Regionais, como goleiro reserva de um goleiro-linha no handebol, essa briga não é minha. Mas eu sinceramente acho que os mais de 6 mil atletas que recebem a Bolsa e que sabem que o dinheiro dá cada vez para menos, deveriam começar a se mobilizar. O interesse é deles.

Duelo entre Brasil e Alemanha na Copa Davis, no Rio - Fernando Frazão/Agência Brasil - Fernando Frazão/Agência Brasil
Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Bolsonaro mente que Brasil não recebia Davis há 22 anos

Jair Bolsonaro celebrou ontem nas redes sociais que, em seu governo, "depois de 22 anos o Brasil recebeu novamente a Copa Davis de Tênis" (aqui). Trata-se de mentira deslavada. Os confrontos da Copa Davis são definidos por sorteio, que também define o mando de quadra, e o Brasil joga em casa praticamente um jogo sim, um não, desde sempre. Nos últimos 22 anos, foram 20 duelos no Brasil, alguns mais importantes do que esse contra a Alemanha, outros menos. No próprio governo Bolsonaro já haviam sido realizados confrontos em Uberlândia e Criciúma.

É uma atrás da outra

Escrevi na newsletter da semana passada que era impressionante o tanto de versões deturpadas dos fatos contadas por membros do governo sobre o trabalho no esporte. Aqui, é mais do que isso. É mentira pura e simples, compartilhada por gente como Maurren Maggi, bolsonarista de carteirinha. Se Bolsonaro e o pessoal da Secretaria mentem até no que é facilmente desmentido, sobre fatos concretos e históricos, imaginem no que é de mais difícil entendimento. Tipo a Bolsa Atleta.

Passando o chapéu

Ao festejar o apoio do Banco do Brasil ao surfe, o secretário de Esporte Marcelo Magalhães disse que vai ao Congresso solicitar que emendas sejam destinadas a esta modalidade. O grosso da proposta orçamentária sai do Executivo, mas está claro do governo não virá nada a mais. A esperança é que algum deputado ou senador tope abrir mão de obras em seus redutos eleitorais para destinar alguma coisa para o esporte. Bolsonaro e Paulo Guedes não farão isso.

Vai dar m...

Falta uma diretoria de "vai dar m*rda" na Confederação Brasileira de Vôlei, que tem feito uma besteira atrás da outra. A última: proibiu, dentro das áreas de competição do vôlei de praia, "demonstrações ou interferências de natureza política, religiosa (...)". A regra foi adicionada no segundo semestre do ano passado ao termo de participação que atletas precisam assinar para jogar o Circuito Brasileiro, onde também segue proibido "divulgar sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar a imagem da CBV e/ou os patrocinadores".

Deu m...

É o mesmo documento que a CBV usou como base para denunciar Carol Solberg ao STJD da modalidade em 2020 pelo "Fora, Bolsonaro". O tribunal, na época, entendeu que ela não descumpriu o regulamento. Então a CBV achou por bem deixar a censura explícita. Claro que ia dar dor de cabeça, e deu. Os atletas reclamaram e Adriana Behar, CEO da entidade, dessa vez prometeu um passo atrás. A proibição a divulgar "opinião pessoal" vai cair para a próxima etapa.

Boicote atinge brasileiro

Principal jogador do tênis de mesa do país, Hugo Calderano desde o ano passado defende o Gazprom Orenburg, da Rússia, uma das principais equipes da Champions League da modalidade. O brasileiro treina e mora na Alemanha, em Ochsenhausen, onde tem sua base há muitos anos, e se junta ao time nas vésperas dos confrontos. O Gazprom Orenburg, porém, foi eliminado da Champions na semana passada, pelo boicote à Rússia. Pelo contrato atual, Calderano até se comprometeu a jogar alguns duelos da liga russa, mas o próximo seria só em junho. Ele ainda não anunciou o que vai fazer.

Sobre o boicote

Putin é um criminoso de guerra, um facínora, e seu governo está errado em invadir a Ucrânia. Dito isso, é assustador o que o esporte tem feito com atletas russos. Começou com proibição da bandeira russa e chegou ao ponto de a associação de atletas defender que não seja cumprida uma eventual decisão da Corte Arbitral do Esporte (CAS) permitindo que russos disputem as Paralimpíadas, em postura de fazer inveja a Bolsonaro. É tanto ódio por atletas russos, pessoas comuns que não têm nada a ver com as decisões de Putin, que já pode ser descrito como xenofobia.