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Olhar Olímpico

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aos 82, 'nosso Pacaembu' faz aniversário pela última vez

27/04/2022 04h00

O Estádio do Pacaembu completa hoje (27) seu 82º aniversário. E, ao que tudo indica, o último. A partir deste fim de semana, ele deixa oficialmente de ser a "casa do esporte" para, nas palavras dos seus novos donos, passar a ser a "casa da música". O que isso significa só o tempo vai dizer, mas o "meu Pacaembu", o "seu Pacaembu", o "nosso Pacaembu" não vai existir mais.

Agora o Pacaembu é gerido por uma concessionária privada, a Allegra Pacaembu, que até precisa seguir o que diz o contrato de concessão, mas age para rasgá-lo. Alegando que teve prejuízo com a pandemia, está pedindo para a Prefeitura uma grande revisão do contrato para beneficiá-la. Quer mais cinco anos de contrato (o que amplia suas garantias e facilita o acesso a financiamento bancário) e que toda a enorme Praça Charles Miller seja incluída no pacote. Quer tornar privado o local onde acontecerá, no domingo, o ato de 1º de Maio dos movimentos sindicais.

A Prefeitura parece propensa a topar o negócio, como topou o até agora mal explicado acordo para a construção de um hospital de campanha no estádio. Aos fatos: a Prefeitura contratou a Progen, construtora que controla a concessionária Allegra Pacaembu, para montar o hospital no Pacaembu. Por iniciativa da Prefeitura ou da Progen? Não está claro. A Allegra cedeu "gratuitamente" o estádio para o hospital, que rendeu à Progen um financiamento de R$ 50 milhões e, depois, contratos para construir mais alguns milhares de leitos pelo país à fora.

Ainda assim, a Allegra argumenta que a pandemia foi prejudicial para ela e que o contrato precisa ser revisto. Não fosse uma reportagem desta coluna, que acabou provocando o Tribunal de Contas do Município, provavelmente a concessionária teria conseguido o que queria —tudo caminhava de forma célere no paço municipal. Da mesma forma como conseguiu que a discussão fosse colocada sob sigilo pela Prefeitura, o que mudou depois de reportagem da coluna.

Mas nem a fiscalização da imprensa parece impedir que a concessionária faça o que bem quer do Pacaembu. Dois exemplos: no fim do ano passado, a Allegra convidou jornalistas para o evento em que anunciou que o Pacaembu terá um hotel de luxo e prometeu que a partir de janeiro seria implementada uma área para visitação à obra, na arquibancada da ferradura. Estamos em abril e até agora nada.

Quando o gramado do estádio foi asfaltado, a Allegra acalmou a opinião pública afirmando que fazia isso para facilitar o deslocamento de caminhões. Não disse que o platô iria virar um local para shows, o primeiro deles da cantora Gal Costa, no próximo sábado.

A tenda é provisória e a Allegra jura que quando o estádio for reinaugurado a mesma deixará de existir. Mas a verdade é que é difícil de acreditar. Como é difícil acreditar que a piscina continuará pública, que a pista de caminhada continuará pública, que o complexo continuará sendo usado prioritariamente pelo esporte. Pessoalmente, eu duvido muito.

Para mim, ficou muito marcada a fala de Eduardo Barella, presidente da Allegra, no evento de anúncio do hotel, dizendo que o Pacaembu será a "casa da música". Todo o complexo esportivo parece estar sendo pensado no que é melhor para a rede hoteleira, para o mercado da música, para atrair congressos, para ser sede de startups, para o consumidor de luxo, para tudo menos para o esporte.

Parabéns, Pacaembu, por tudo que você deu ao esporte de São Paulo e do Brasil. Que a população paulistana nunca esqueça que você continua sendo nosso, fiscalizando ao máximo para que, no seu aniversário de 85, de 90, de 100 anos, possamos dizer, de novo, que você é a casa do esporte. Hoje não é e não parece que voltará a ser.