Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Maria Joaquina migra para o gelo e entra na rota olímpica de 2026
Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (23/5) da newsletter Olhar Olímpico, que hoje detalha o caso da jovem Maria Joaquina, além do julgamento envolvendo Tandara, o abismo de nível no atletismo brasileiro e um bom resultado para o Brasil no hipismo. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui. Para receber outros boletins exclusivos, assine o UOL.
Protagonista de uma disputa judicial pelo direito de competir em um Campeonato Brasileiro de Patinação Artística há três anos, Maria Joaquina Reikdal é a primeira pessoa transgênero a fazer parte de uma ação do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Neste mês, a garota de 14 anos faz seus primeiros treinamentos em um rinque oficial de patinação no gelo, na Itália, entrando no caminho que pode levá-la aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026, naquele mesmo país.
Campeã brasileira júnior na patinação artística in-line (sobre rodas) depois de conseguir na Justiça o direito de participar daquela competição em 2019, Maria Joaquina vinha intercalando treinos nesta modalidade com atividades nas poucas pistas de patinação no gelo do país, normalmente instaladas em shoppings centers. Durante a pandemia, a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) abriu uma pista em São Paulo, mas de 486m², quatro vezes menor que uma oficial, de 1.800m².
Na patinação artística, o tamanho do rinque faz toda a diferença. Sem espaço para ganhar velocidade, não há como ter impulso para executar os saltos que são considerados o padrão mínimo para participar de competições internacionais. Aos 13 anos, porém, em um shopping center, Maria Joaquina executou o triplo salchow, um dos seis tipos de triplos da patinação. "Vão criticar? Vão. Vão achar defeito? Vão. Vão dizer que é fácil? Vão. Só digo uma coisa: 'faz'", postou no Instagram.
Com a aposentadoria de Isadora Williams, que fez carreira nos Estados Unidos e foi a única brasileira a participar de Jogos Olímpicos na patinação artística, competindo em Sochi-2014 e Pyeongchang-2018, a CBDG passou a buscar atletas que, lapidados, pudessem chegar aos Jogos de Milão-Cortina d'Ampezzo, em 2026.
Uma seletiva foi realizada no Brasil, e só Maria Joaquina atendeu aos requisitos técnicos exigidos, sendo selecionada para um período de 30 dias em um centro de treinamento homologado pela Federação Internacional, em Bergamo, na Itália. Na primeira experiência dela em uma pista de tamanho oficial, os saltos foram saindo do forno. No Instagram, ela compartilhou um novo triplo salchow, já muito mais limpo do que aquele no shopping. No Brasil, ninguém faz nada perto disso.
A CBDG, a partir de um projeto aprovado junto ao COB, investiu R$ 70 mil no estágio, incluindo passagem, hospedagem e alimentação para a atleta e responsável técnico da CBDG. Gustavo Cavalcanti, pai e treinador pessoal dela, também está em Bergamo, mas por conta própria. Na internet, Maria Joaquina faz uma vaquinha virtual para poder ficar três meses treinando na Europa, o que custaria R$ 40 mil — por ser menor de idade, ela precisaria viajar acompanhada de um dos pais.
Dependendo do desempenho de Maria Joaquina nos treinamentos, ela, que entra na próxima temporada na categoria júnior, deverá ser inscrita para participar de duas etapas do Junior Grand Prix, que é o circuito mundial para a idade, na Letônia e na própria cidade de Bergamo, em setembro, eventos em que o Brasil tem vaga. Desde 2011, porém, o país não utiliza essas vagas no feminino, por falta de atletas — no geral, não participa desde 2017, conforme pesquisa do colega jornalista Gustavo Longo.
Por causa de toda a polêmica internacional envolvendo a participação de mulheres trans no esporte, a CBDG evita se comprometer publicamente com o projeto de levar Maria Joaquina à próxima Olimpíada. À coluna, disse que "o projeto não é exclusivo a um atleta apenas, mas sim a todos atletas brasileiros que atendam aos requisitos mínimos para o nível internacional" e que "busca apoiar projetos de atletas brasileiros que possam representar o Brasil em competições internacionais de forma a termos a chance de classificação olímpica".
Só Maria Joaquina, porém, atende esses requisitos mínimos no Brasil, o que já refuta, de cara, qualquer reclamação de que ela "tira o espaço" de uma menina cis. Além disso, o fato de ela ter iniciado ainda criança o tratamento hormonal, não passando pela puberdade masculina, não a coloca diante das mesmas críticas que afetam, por exemplo, a jogadora de vôlei Tifanny e a halterofilista neozelandesa Laurel Hubbard.
A CBDG entende que Maria Joaquina, como menina trans, cumpre todos os requisitos da ISU, a Federação Internacional de Patinação, para participar de competições esportivas, que são basicamente os mesmos exigidos na Olimpíada de Tóquio: 12 meses de nível de testosterona abaixo de 5nmol/L antes da primeira competição, e depois manter esse padrão continuamente. No Brasil, a CBDG foi além e determinou que "pessoas passando por transição de gênero masculino para o feminino antes da puberdade devem ser consideradas como meninas e mulheres".
O COB disse que, uma vez que Maria Joaquina atenda tantos aos critérios técnicos quanto os de elegibilidade, não vê problemas em investir em um estágio que a beneficia. "O COI estabelece que cada Federação Internacional, em sua especificidade, deve determinar quais são as condições para a participação nos Jogos. O COB segue essa orientação e, desde que a participação de atletas seja permitida, os investimentos são feitos, de acordo com o planejamento estabelecido por cada Confederação Olímpica".
Na patinação, a temporada começa em agosto e vai até o fim do inverno no hemisfério norte. Assim, Maria Joaquina, que fez 14 anos em março, entra no meio do ano na sua primeira temporada na categoria júnior. Nos Jogos de 2026, ela terá 17 anos. Hoje, a idade mínima para participar das Olimpíadas na patinação artística feminina é 15 anos, mas existe um movimento mundial pedindo um aumento, para ao menos 17, depois da polêmica envolvendo a russa Kamila Valieva nos Jogos de Pequim, em fevereiro.
Julgamento de Tandara no tribunal de justiça antidoping começa hoje
Será realizado hoje o julgamento de Tandara no TJD-AD, o tribunal de justiça antidoping. O mais provável é que ela pegue de dois a quatro anos de suspensão, que começaria a contar da data da suspensão provisória — ou seja, agosto de 2021, quando foi retirada às pressas dos Jogos Olímpicos de Tóquio após o resultado positivo.
Conforme mostrei na semana passada, a defesa de Tandara tenta culpar duas farmácias de manipulação por contaminação em suplementos utilizados pela oposta — o problema é que não há prova disso. Mas a oposta é defendida por Marcelo Franklin, um advogado com enorme experiência no ramo e que conhece todas as brechas da lei. Ninguém vai ficar surpreso se ela escapar com pena branda.
No Ibero, Brasil vê abismo entre elite e segundo escalão do atletismo
Em um passado recente, em 2018, o Brasil ganhou 18 medalhas de ouro no Campeonato Ibero-Americano de Atletismo. Em 2016, foram 16. A edição deste ano aconteceu no fim de semana, na Espanha, e o país ganhou só quatro. É muito pouco e reforça o problema crônico que vive a modalidade no país.
O Brasil tem atletas que estão entre os melhores do mundo (Thiago Braz, Alison dos Santos e Darlan Romani) e alguns poucos que brigam por top 8 em grandes competições (Caio Bonfim, Erica Sena, Almir Jr, Augusto Dutra, Vitória Rosa e Rafael Pereira). Mas o pessoal do terceiro patamar desce vários degraus.
Os poucos ouros no Ibero vieram com os poucos atletas de elite mundial do Brasil que foram à competição: Darlan Romani, Vitória Rosa (nos 100 m e nos 200 m) e Rafael Pereira (110 m com barreiras). Tirando eles, vale a citação do desempenho de Thiago Moura (2,26 m no salto em altura), Wellington Morais (20,78 m e PB no peso), Pedro Henrique Rodrigues (80,74 m e melhor marca do país em seis anos no dardo) e Luiz Maurício Dias (80,41 m para virar o 3º melhor brasileiro do dardo).
Há um fator atenuante, porém. Os atletas reclamam que a CBAt marcou a viagem para Alicante em cima da hora. "Muitos atletas estão se sentindo bastante cansados por termos chegado em cima da hora, a gente enfrentou bastante horas de viagem, foi muito desgastante e tenho consciência disso", disse Vitória Rosa, por exemplo. No decatlo e na vara masculina, os convocados não conseguiram competir, porque a CBAt não comprou passagens a tempo.
João Victor Oliva evolui e se destaca no topo do adestramento
João Victor Oliva é forte candidato ao prêmio (inexistente no movimento olímpico) de atleta brasileiro que mais evoluiu em 2022. Em uma modalidade onde o Brasil passava longe dos melhores do mundo, não conseguindo nem classificar para Olimpíadas, o adestramento, o filho de Hortência vem conseguido bons resultados em eventos de elite. No sábado, ele foi 7º colocado em um evento de cinco estrelas que é o mais importante realizado na França. Ele está classificado para o Mundial de Adestramento, em agosto, na Dinamarca.
Bia Ferreira é prata no Mundial, que escancara problemas na arbitragem
Bia Ferreira fez uma campanha impressionante no Mundial Feminino de Boxe, na Turquia, e passou como quis por quatro adversárias, sem ter trabalho nenhum. Parecia adulta lutando contra juvenil. Na final, foi melhor que a americana Rashida Ellis. Venceu com certeza o terceiro round e, ao meu ver, também o segundo. No primeiro, dá para entender quem deu ponto para Ellis. De qualquer forma, segue o problema do boxe: um árbitro vê três assaltos para Bia. Outros, três assaltos para a rival. Falta critério e isso prejudica quem é melhor.
Isaquias Queiroz vai mal em prova olímpica — e isso é novidade
Isaquias Queiroz disse que não ficou preocupado com o sexto lugar na etapa da República Checa da Copa do Mundo de Canoagem Velocidade no C1 1.000m, prova olímpica. Disse que acontece, os rivais foram melhores e tal. Mas é incomum um resultado assim ruim do brasileiro, que compete pouco e, quando rema, é para brigar nas cabeças. Em agosto tem Mundial, no Canadá.
CBG reúne a nata da ginástica artística em Porto Alegre
Bola dentro da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) ter conseguido reunir quase todos os melhores ginastas do país no Troféu Brasil. Rebeca ganhou nas assimétricas, Flavinha na trave, e Caio, Chico e Nory venceram suas provas no masculino. Dos grandes, só Arthur Zanetti não foi. É importante que o público brasileiro tenha contato com os ídolos do país, e isso foi possível em Porto Alegre.
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