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Olhar Olímpico

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Astro britânico, Mo Farah revela que foi traficado e escravizado

O corredor Mo Farah durante a corrida dos 5000 metros no Mundial de Atletismo - Lucy Nicholson/Reuters
O corredor Mo Farah durante a corrida dos 5000 metros no Mundial de Atletismo Imagem: Lucy Nicholson/Reuters

11/07/2022 18h25

O astro britânico Mo Farah, bicampeão olímpico dos 5.000m e dos 10.000m, revelou nesta segunda-feira (11) que foi traficado à Grã-Bratanha, ainda criança, e que lá foi escravizado durante a infância. Nascido na Somália, ele contou que não mudou-se para a Inglaterra como refugiado, como afirmava. E que seu nome verdadeiro é Hussein Abdi Kahin. Em homenagem às suas raízes, seu filho hoje se chama Hussein.

Em um documentário da BBC britânica que será exibido na próxima quarta-feira, mas que teve informações antecipadas hoje, Mo Farah revelou que foi vítima, na Inglaterra, do que hoje é conhecido como escravidão moderna, impedido de exercer sua identidade e de frequentar a escola, precisando trabalhar para ter direito a alimentação.

Teve que fazer tarefas domésticas e cuidar de crianças, mesmo tendo apenas nove anos. Segundo ele, precisava cumprir aquelas obrigações se "quisesse comida na boca". "Muitas vezes eu me trancava no banheiro e chorava", disse o corredor, que admitiu que corre grande risco ao contar sua história — tecnicamente, sua nacionalidade britânica foi fraudada. À BBC, porém, o órgão responsável no governo britânico disse que nenhuma ação será tomada, uma vez que uma criança não é cúmplice na obtenção de cidadania por engano.

Mo Farah nasceu em uma região conhecida como Somalilândia, no Chifre da África, que se declara independente da Somália, mas não tem sua autonomia reconhecida internacionalmente. Seu pai foi morto a tiros quando ele tinha quatro anos, em 1987. Ele e o irmão gêmeo, Hassan, foram enviados pela mãe, para a segurança deles, para viverem no vizinho Djibuti, com um tio.

No Djibuti, uma mulher disse que o levaria para a Europa para morar com parentes. "Eu nunca tinha estado em um avião antes", contou na entrevista. Essa mulher, porém, disse que ele deveria assumir o nome Mohamed, entregando a ele documentos falsos, que são os que ele usou durante toda a carreira esportiva. Assim, é falsa a história sempre contada por ele, de que viajou para Londres ainda criança, com a mãe e os irmãos, para encontrar o pai.

A verdade é que, ao chegar em Hounslow, no oeste de Londres, segundo conta reportagem da BBC, a mulher que levava o garoto pegou um pedaço de papel com os contatos dos parentes deles, rasgou-os e jogou-os no lixo. Obrigado a trabalhar, só pôde se matricular em uma escola aos 12 anos, no Feltham Community College, apresentado como refugiado.

"Se eu quisesse comida na boca, meu trabalho era cuidar daquelas crianças, dar banho nelas, cozinhar para elas, limpar para elas, e ela disse: 'Se você quiser ver sua família novamente, não diga nada ou eles vão levá-lo embora'", contou Mo Farah ao programa da BBC.

Na escola, passou a treinar atletismo e se aproximou do professor de educação física, Alan Watkinson, para quem revelou sua história. Foi ele quem contatou os serviços sociais e ajudou Mo Farah a ser acolhido por outra família somali, de um colega de escola. "Ainda sentia falta da minha família verdadeira, mas a partir daquele momento tudo melhorou", afirma.

Quando passou a ter resultados expressivos no atletismo e foi convocado para competir no exterior, ainda com 14 anos, o professor o ajudou a tirar a cidadania britânica, concedida em julho de 2000 para Mohamed Farah.

Prestes a encerrar a carreira, Mo Farah decidiu enfim contar sua verdadeira história. "Eu não tinha ideia de que havia tantas pessoas que estão passando exatamente pela mesma coisa que eu. Isso só mostra o quão sortudo eu fui", disse ele, que tem a mãe e dois irmãos morando em uma fazenda na Somalilândia. O corredor e a família têm contato desde 2000, quando ele se encontrou pela primeira vez com a família real, teve sua imagem exibida na TV, e foi reconhecido por membros da comunidade somali.