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Não é só o Pan: ouro coloca ginástica feminina brasileira em novo patamar

Lorrane Oliveira, Flávia Saraiva, Rebeca Andrade, Julia Soares, Cristal Bezerra e Carolyne Pedro: as campeãs do Pan - Ricardo Bufolin/CBG
Lorrane Oliveira, Flávia Saraiva, Rebeca Andrade, Julia Soares, Cristal Bezerra e Carolyne Pedro: as campeãs do Pan Imagem: Ricardo Bufolin/CBG

Colunista do UOL

18/07/2022 13h00

Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (18/7) da newsletter Olhar Olímpico, que analisa os resultados da ginástica artística feminina após o Pan do Rio e do atletismo brasileiro no Mundial de Eugene, que vai até domingo. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui. Para receber outros boletins exclusivos, assine o UOL.

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A ginástica artística feminina do Brasil sempre evoluiu na base do passo de cada vez. Mas, muitas vezes, um passo para frente foi seguido de outro para trás, e foram necessários muitos anos até o avanço dado ontem (17), quando a seleção venceu pela primeira vez os EUA.

Era só um Campeonato Pan-Americano, é verdade, e os EUA não estavam com força máxima. Mas também é verdade que as americanas tinham duas das suas "titulares", o Brasil tinha o desfalque de Jade Barbosa e Rebeca Andrade com o pé no freio. E mesmo assim ganhou com autoridade, sem depender de qualquer erro das americanas.

A ginástica tem um código de pontuação, mas a análise dos árbitros é subjetiva e segue também critérios não escritos — o principal deles é a tradição. Ontem, depois de o Brasil se apresentar melhor que os EUA nas eliminatórias de sexta, os juízes deram o aval, por meio de notas, para que as brasileiras enfim terminassem uma competição coletiva na frente das norte-americanas.

"Durante muito tempo a gente viu muitos tipos de talentos individuais e a gente trabalhava duro para ter o respeito coletivo. Hoje, para as notas saírem do jeito que saíram, foi preciso um trabalho muito duro atrás", disse Jade Barbosa, depois da conquista.

Elo entre a geração de Daiane dos Santos e das meninas que ganharam o Pan, Jade continua na seleção, mas não competiu porque está sendo preservada. Quando, em 2019, ela se machucou, e Rebeca Andrade também, o Brasil, que era cotado até a uma medalha por equipes no Mundial daquele ano, acabou não conseguindo nem a vaga por equipes em Tóquio-2020. Foram dolorosos passos para trás.

"Depois de não classificar para Tóquio, a gente desceu alguns andares, e isso é muito ruim para a equipe. Para reconquistar esse respeito é muito difícil. Tem que estar num nível muito alto. Vai ser uma coisa diferente daqui para frente", avalia ela.

Essa reconquista dos árbitros, expressa em forma de notas, mas também nos comentários dentro e fora do ginásio, permitiu ao Brasil ganhar o Pan com 163 pontos, ante 161 de um time dos EUA que contava com duas atletas do chamado "time A" norte-americano, além de duas do "time B".

E o Brasil ainda podia mais. Rebeca Andrade não competiu no solo e, com ela no aparelho, a equipe ganha algo em torno de 1,5 ponto. Flávia Saraiva também não fez sua melhor série de solo e Rebeca não executou o "cheng", exercício que faz dela a melhor do mundo no salto. Há ainda uma boa margem de melhora para Lorrane Oliveira nas assimétricas. "Dá para melhorar muito a execução. Não precisa fazer muitas alterações na série, é focar nas ligações e trabalhar a execução. É uma série que ela já conhece", explica Francisco Porath, técnico da seleção.

Na ginástica atual, todas as equipes se estudam e o Brasil sabe que as apresentações de sexta e de ontem no Rio, somadas ao potencial crescimento com as melhores séries de Rebeca e Flávia, colocam o país como candidato a medalha por equipes no Mundial de Liverpool, em outubro. "A gente tem muuuita chance", opina Jade.

O código de pontuação muda todo ciclo olímpico, e desta vez baixou o potencial de notas das paralelas e do salto — o objetivo é que as melhores notas de cada aparelho sejam equiparáveis. Isso impede comparação com resultados do ano passado. Mas, em 2022, mesmo sem força máxima em torneios oficiais, o Brasil só não fez apresentação melhor do que a China, que somou 167 pontos em casa, onde costuma receber notas infladas.

Individualmente, o país também evoluiu com Flávia Saraiva, que tem histórico de erros em finais, e desta vez fez duas apresentações precisas, sexta (nas eliminatórias) e ontem. Um ano depois de sair de Tóquio machucada e precisar ser operada pela primeira vez na carreira, Flavinha está muito mais forte mentalmente.

"É ruim falar em lesão, mas a gente ficou craque em utilizar a lesão para fortalecer o atleta mentalmente. Ela viu como é uma recuperação. Antes era: 'ai, estou um pouco cansada, desanimada'. Agora não, agora ela teve que lutar para estar na condição que está agora. E depois que lutou ela não quer mais perder", conta Chico.

Considerando que há margem de melhora no solo e que Flávia está em evolução, ela passa a entrar no grupo das ginastas que podem brigar por uma medalha no individual geral e aumenta seu potencial de pódio, que já existia, no solo e na trave. Em ambos os aparelhos ela foi a melhor do Pan.

Atletismo não começa bem o Mundial

Campeão mundial indoor em março, Darlan Romani foi 5º no Mundial ao ar livre - Carol Coelho/CBAt - Carol Coelho/CBAt
Campeão mundial indoor em março, Darlan Romani foi 5º no Mundial ao ar livre
Imagem: Carol Coelho/CBAt

Alison dos Santos ainda vai disputar sua final, Thiago Braz ainda não competiu, mas o Mundial de atletismo do Brasil até aqui é frustrante, diante das expectativas. Pensando no contexto geral, no número frio, o quinto lugar de Darlan Romani no arremesso do peso, o sexto de Caio Bonfim nos 20 km da marcha atlética e o oitavo de Danielzinho na maratona são bons resultados. Em qualquer modalidade, um top 8 no Mundial deve ser comemorado. Mas todos podiam mais.

É natural que, de todas as expectativas de medalha, só parte delas se concretizem — afinal, há sempre mais candidatos do que lugares no pódio. Mas até aqui o Brasil tem 0 de 3. E o cálculo fica ainda pior se incluir Rafael Pereira, que, pelo que apresentou na temporada, deveria ter chegado à final dos 110 m com barreiras e, pelo contexto da prova, poderia brigar por medalha. Mas nem à final ele passou.

Do grupo que podia surpreender, até aqui ninguém surpreendeu. Os melhores foram Tatiane Raquel (semifinalista dos 3.000m com obstáculos), Vitoria Rosa (23º nos 100 m rasos, a 0s03 da semifinal), Tabata Vitorino (vai correr semi dos 400 m rasos), Thiago Moura (18º no salto em altura), Eric Cardoso (14º na semi dos 100 m) e Rodrigo do Nascimento (17º na semi dos 100 m). Nada muito notável. Eduardo de Deus (21º nos 110 m com barreiras) e Felipe Bardi (35º nos 100 m) poderiam ter ido melhor.

Esperança renovada

O judô brasileiro, que ganhou duas medalhas em Tóquio, ambas de bronze, vai forte para o Mundial de Tashkent (Uzbequistão), em outubro. Nos dois últimos torneios preparatórios, o Grand Slam de Budapeste (Hungria), na semana retrasada, e o Grand Prix de Zagreb (Croácia), o país mostrou que tem uma variedade de atletas com possibilidade de pódio.

Depois de três medalhas na Hungria, com Rafaela Silva (prata na até 57 kg), Guilherme Schmidt (ouro na até 81 kg) e Mayra Aguiar (bronze até 78 kg), o país ganhou mais quatro na Croácia, e com outros três atletas diferentes: Daniel Cargnin (bronze até 73 kg), Ketleyn Quadros (bronze até 63 kg) e Rafael Macedo (prata até 90 kg). E Mayra foi de novo ao pódio, novamente com bronze.

Mais do que as medalhas, o Brasil colecionou bons desempenhos. Macedo, por exemplo, venceu o vice-campeão olímpico, Eduard Trippel, da Alemanha. Cargnin, em nova categoria, vinha lutando bem, mas até agora não tinha ido ao pódio. Na decisão pelo bronze, venceu o estreante brasileiro Pedro Medeiros, de só 21 anos, que encaixou dois wazaris sobre o astro georgiano Lasha Shavdatuashvili, três vezes medalhista olímpico e atual campeão mundial da categoria.