Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bronze mundial, Letícia treina em pista de carvão e vem de lesão grave
Esta é a versão online da edição desta segunda-feira (25/7) da newsletter Olhar Olímpico, que traz um perfil da medalhista Letícia Oro Melo, bronze no Mundial de atletismo, além de informações sobre o tiro com arco, rúgbi sevens e dos próximos Mundiais. Para assinar o boletim e recebê-lo no seu e-mail, clique aqui. Para receber outros boletins exclusivos, assine o UOL.
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Tudo jogava contra Letícia Oro Melo. Os treinos em condições bem aquém das ideais em Joinville (SC), uma grave lesão no joelho esquerdo em novembro do ano passado, sete meses de afastamento, a ausência do seu treinador pessoal no Mundial do Oregon (EUA) por falta de visto, e uma diferença de quase meio metro entre seus melhores resultados no salto em distância e o que costumam fazer suas adversárias.
João Carlos dos Santos, um veterano treinador que este ano completa 70 anos, estaria mentindo se dissesse que acreditava na medalha — e ela veio no domingo, último dia do Mundial, com a marca de 6,89 m. Ele, que treina Letícia desde 2017, sabia que coisa boa poderia sair daquelas pernas pequenas, incomuns no salto em distância, e daquele pezinho de sapatilha tamanho 34.
"Eu não apostaria na medalha, mas eu apostaria no resultado. Eu tinha certeza que se ela encaixasse ela faria acima de 6,80 m. Faz mais de um mês, eu falei para ela que o 6,87 m estava na minha cabeça. Se você for pensar, fica inimaginável. Ela é pequena [tem 1,58 m], depende muito da explosão. Eu falava com ela por telefone, perguntava como ela estava, e ela falava que não sabia, só sabia que ia para o pódio. Dava para perceber na competição que ela estava focada, com vontade, decidida"
João Carlos dos Santos, técnico de Letícia
No atletismo desde os tempos de João do Pulo, João Carlos já perdeu as contas de quantos atletas treinou. Uma delas, Dirce, virou professora e identificou uma aluna com potencial para ser velocista. Era Letícia Oro Melo, que recusou diversas vezes o convite até aceitar fazer um teste na pista da Universidade de Joinville. Virou atleta e, escalada para competir também no salto em distância em um evento regional, ganhou a medalha de ouro e trocou de especialidade.
Teve sucesso. Na base, ganhou dois Sul-Americanos, um sub-18 e um sub-20, uma medalha de bronze num Campeonato Pan-Americano sub-23. Mas não estourou no adulto. Foi empurrando com a barriga até o Troféu Brasil de 2019. "Ela estava satisfeita em ir para final de Troféu Brasil, não treinava muito. Naquela competição, ela queimou os dois primeiros saltos e tirou tanto o pé da tábua que foi mal no terceiro. Não ficou entre as oito e teve que sair no meio da prova. Aquilo foi humilhante, ela teve vontade de desistir, não queria mais. Foi quando ela parou e falou: 'Vou treinar sério'", conta João. Nas finais de provas de campo, todos os atletas fazem três saltos (ou arremessos e lançamentos), mas só os oito primeiros continuam para fazer mais três. Os demais vão embora, literalmente, no meio da prova.
Quando as competições voltaram após a pausa da pandemia, Letícia foi bronze do Troféu Brasil de 2020, saltando tão longe quanto Keila Costa, veterana de quatro Olimpíadas. A catarinense confirmou que podia brigar no topo e, motivada, fez ótima temporada em 2021, com prata no Troféu Brasil e ouro no Campeonato Sul-Americano, o que, pelos critérios da World Athletics, garantiu a classificação para o Mundial de 2022, mais de um ano depois.
Neste meio tempo, porém, ela sofreu grave lesão, em novembro. Encerrada uma sessão de treinamento, os atletas da Corville fizeram uma festinha e começaram a brincar de "Três Corta", uma mistura de vôlei (passe, levantamento e ataque) com queimada (quem é acertado sai da roda). Letícia, que nunca entra nessas brincadeiras, desta vez participou. Saltou tão alto para cortar uma bola que passou por cima de um garoto, tropeçou nele e caiu.
A brincadeira custou uma lesão no ligamento cruzado anterior, a famosa lesão de LCA, que, no futebol, tira um jogador de campo de seis a oito meses. Letícia voltou a saltar em maio. Antes de ganhar o Troféu Brasil com um salto de 6,59 m, fez só uma semana completa de treinos. Não em Joinville, onde está acostumada, mas em Jaraguá, outra cidade catarinense.
Isso porque a estrutura do estádio da Univille, que empresta à pista à Corville desde os anos 1980, tem problemas. A pista de corrida é "maravilhosa", segundo João, mesmo sendo de carvão (o que vira problema quando chove, e em Joinville chove muito), mas os dois setores de saltos horizontais deixam a desejar. E a técnica de corrida em uma pista assim é diferente da necessária para uma prova em pista sintética.
"Nas eliminatórias do Mundial, dava para ver que ela estava levantando muito o calcanhar. Quando o calcanhar sobe, até voltar, você perde velocidade", explica João. Como alternativa, ele montou uma pista de saltos com peças de piso de borracha descartadas pelo time de futsal da cidade. O vídeo é um pouco assustador (veja abaixo), mas o treinador diz que é melhor isso do que o piso de carvão.
Em Eugene, Letícia teve que se adaptar à melhor pista do mundo e superar uma falta de ritmo de competição. Como ela só havia participado do Troféu Brasil, que não teve eliminatórias, havia dado apenas seis saltos no ano, acertando, mais ou menos, dois deles. Nas eliminatórias do Mundial, errou os dois primeiros e acertou o terceiro para se classificar. E, na final, acertou o primeiro, que acabou valendo o bronze, e queimou os demais.
João assistiu a tudo pela TV — sem desmaiar, como Letícia supôs. Ele, que só participou como treinador de um Mundial sub-20, ia pagar do bolso para ir aos EUA e orientá-la com ingresso de torcedor, mas só conseguiu agendar o pedido de visto para março de 2023. Coube a Tânia Moura (técnica do Brasil), com o auxílio informal de Nélio Moura, técnico da seleção da China (e bronze na prova masculina), orientar Letícia na final.
Agora que Letícia — que é estudante de nutrição, depois de trancar outros dois cursos universitários —, vai virar estrela do atletismo, as coisas devem mudar. A CBAt já teria prometido ao menos uma pista de saltos sintética para ser instalada em Joinville e o natural é que ela passe a fazer campings no exterior, possivelmente em Chula Vista, na Califórnia, no CT do Comitê Olímpico dos EUA onde Thiago Braz e Piu se prepararam para o Mundial, por exemplo. Por isso, tão logo ela voltar ao Brasil, vai tentar um visto para o treinador, para sempre estar acompanhada de João.
O técnico evita fazer projeções, mas acredita que o futuro será glorioso para sua pupila. "Eu não gosto de falar que ela vai fazer isso ou aquilo. Nossa luta seria chegar nos 7 metros. Ela já provou que pode. Ela tem na cabeça dela que o objetivo é passar os 7 metros. A gente vai buscando resultado; colocação. não tem como prever".
Vale lembrar: Maurren Maggi foi campeã olímpica, em Pequim-2008, com 7,04 m.
(A deliciosa medalha de bronze de Letícia, e a necessidade de um perfil dela, mudou o planejamento da newsletter. O texto de análise sobre o desempenho do Brasil no Mundial será publicado aqui na coluna mesmo, entre hoje e amanhã. Spoiler: a campanha foi a melhor da história, mas pode melhorar muito.)
Tiro com arco conquista resultado inédito em Copa do Mundo
Veio do tiro com arco o outro ótimo resultado do fim de semana. Marcus Vinicius D'Almeida, que não conseguiu repetir, no individual masculino, o bom desempenho da Copa do Mundo de Paris, desta vez ganhou bronze na etapa de Medellín da Copa, nas duplas mistas.
Ele e Ana Luiza Caetano venceram na final a dupla da Coreia do Sul, An San e Kim Je Deok, os atuais campeões olímpicos, para ganhar o bronze. Na campanha, perderam só para Taiwan.
Ana Luiza tem só 19 anos e parece ser uma boa aposta do Brasil para o ciclo. Em Medellín, ela foi 15ª colocada na fase de classificação individual e caiu nas oitavas de final do mata-mata. Com ela crescendo, o Brasil passa a olhar a prova de duplas mistas como possibilidade de medalha em Paris.
Sem a Rússia, rúgbi feminino se segura na elite da modalidade
A seleção feminina de rúgbi sevens do Brasil vai continuar na primeira divisão da World Series, espécie de circuito mundial da modalidade. O time ficou em 11º lugar na temporada 2021/2022, perdendo inicialmente o lugar cativo na elite, formada por 11 equipes fixas e um convidado por etapa. Mas a Rússia, suspensa, foi retirada do circuito e o Brasil voltou a ganhar uma credencial. Isso é bom porque, apesar do rebaixamento, as 'Yaras' mostraram estar mais perto do que nunca da elite mundial.
E nesta semana, mais brasileiros em Mundiais
Esta semana acontecem os Mundiais de canoagem slalom, ciclismo BMX e pentatlo moderno. As maiores chances do Brasil são — ou seriam — no de canoagem, em Augsburg, na Alemanha, de quinta a domingo. Pedro Gonçalves, o Pepê, está entre os melhores do extreme, nova prova olímpica, em que três atletas descem juntos o canal. Mas ele testou positivo para covid-19 e pode não competir. Ele precisa ficar negativado até quarta, para competir quinta nas eliminatórias.
O Brasil terá uma equipe pequena em Augsburg. Além de Pepê, só foram convocados Ana Sátila e Mathieu Desnos, companheiro dela, francês de nascimento, que se naturalizou e agora compete pelo Brasil.
No BMX, o Mundial em Nantes (França) começa amanhã (26) e vai até domingo. A CBC convocou Maitê Barreto, Paôla Reis e Priscilla Stevaux no feminino, Bruno Cogo, Guilherme Ribeiro e Pedro Vinicius Queiroz no masculino, renovando bastante a equipe.
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