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OPINIÃO

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Agência antidoping acaba com a farra dos suplementos contaminados

Tandara, campeã olímpica, está suspensa por doping - Alexandre Schneider/Getty Images
Tandara, campeã olímpica, está suspensa por doping Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

29/08/2022 13h00

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A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) divulgou um ofício na semana passada informando que, após dois anos, não mais aceitará produtos abertos como prova para a defesa de infrações antidoping. A nova postura tem potencial para acabar com a tradição brasileira de dar suspensão branda a atletas flagrados no doping, acatando a justificativa de contaminação acidental por suplemento alimentar manipulado.

A Agência Mundial Antidoping (Wada) exige que, para um pote de suplemento ser aceito como prova, ele precisa estar lacrado. Para tanto, orienta o atleta a, quando comprar um suplemento manipulado, pedir também um pote do mesmo lote, que deve ser mantido. No Brasil, isso já constava em uma resolução de agosto de 2020 da ABCD, mas não vinha sendo aplicada, porque estava sendo tratada como "forma educativa".

Mas, como já contou o Olhar Olímpico, em reportagem sobre o doping da campeã olímpica Tandara, isso vinha dando margem a uma farra. Funcionava assim: na data do teste, o atleta listava ao oficial de controle os suplementos que havia consumido nos dias anteriores. Depois do resultado analítico adverso (o nome técnico para o resultado positivo para o doping) e já durante sua defesa, retificava a lista incluindo vários novos produtos.

Argumentando a possibilidade de uma contaminação acidental, o atleta enviava o que dizia ser uma amostra de cada um dos suplementos. E o exame, feito pelo laboratório antidoping brasileiro, antes conhecido como Ladetec, no Rio, apontava que um dos suplementos adicionado posteriormente à lista continha uma substância não descrita no rótulo. Logo, uma contaminação.

Dois advogados, especialmente, vinham se valendo deste tipo de recurso para colecionar vitórias em julgamentos. Segundo a ABCD, só entre 2019 e 2021, passaram pelo órgão 11 casos relacionados a produtos contaminados — e o período foi de poucos testes, logo, poucos casos de doping, devido à paralisação do esporte por causa da pandemia de covid-19.

Como não há como provar que o atleta teve intenção de consumir uma substância dopante, o que é um fato subjetivo, os julgamentos de doping usam uma "balança de probabilidades". Nela, era colocada, a favor do atleta, o teste indicando que uma cápsula que ele dizia ser de determinada farmácia, de determinado pote, continha algo que não estava no rótulo. Mas não levava em consideração o que diziam as farmácias.

Em um caso recente, o Tribunal Brasileiro de Justiça Antidopagem (TDJ-AD) aceitou a tese de que um atleta olímpico consumiu um suplemento contaminado produzido por uma das maiores farmácias de manipulação do país, mas não ouviu a farmácia. Se o tivesse feito, descobriria que a substância para a qual ele testou positivo é manipulada em laboratório diferente do suplemento que ele diz ter consumido. Mais do que isso: os produtos são manipulados em andares diferentes, por pessoas diferentes, o que é comprovado pelas várias certificações internacionais de boas práticas apresentadas pela farmácia.

Mas, na balança de probabilidades, sem ouvir a empresa, que não é parte de um processo sigiloso de doping e nem sequer tem acesso aos autos, o sistema de controle antidoping brasileiro entende que a contaminação, que a farmácia diz ser completamente impossível, é mais provável do que, por exemplo, a defesa do atleta ter enviado ao laboratório um produto diferente do descrito.

Com a nova postura, a ABCD tenta corrigir essa falha. "Não podemos assegurar a integralidade do conteúdo de produtos abertos, o que, por consequência, dá margem a questionamento sobre a real fonte do resultado analítico adverso", diz o ofício assinado pela secretária nacional da Agência Antidoping, Luisa Parente.

"No entendimento da ABCD, a análise de produtos abertos não atende ao balanço de probabilidades, padrão de prova exigido dos atletas, conforme estabelecido no Código Brasileiro Antidopagem. Esse também vem sendo o entendimento de algumas decisões do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem em casos envolvendo em tese produtos contaminados, onde os frascos foram entregues abertos", continua.

A partir de agora, o atleta que for pego no doping vai ter que entregar ao laboratório um pote lacrado do produto manipulado que diz ter consumido. Se a ABCD quiser, o lacre poderá ser checado junto à farmácia que produziu o produto, diminuindo, em muito, a chance de uma fraude.

No ofício, a ABCD reforça, pela enésima vez, que não recomenda o uso de suplementos, fitoterápicos e/ou produtos manipulados devido aos riscos envolvidos. O negrito faz parte do ofício, que é para ninguém dizer que não sabia.

Caso, mesmo assim, o atleta quiser assumir o risco, ele deve: procurar um profissional de saúde, identificar-se como atleta e apresentar a lista de substâncias que ele não pode consumir, guardar um produto lacrado do mesmo lote para controle e possível análise laboratorial caso caia no doping, ler atentamente o rótulo e buscar na internet sobre os ingredientes constantes no produto.

Levei block do presidente, após comentários sobre a Lei de Incentivo

Fui bloqueado no Twitter, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto estava escrevendo um comentário em postagem sobre os seus feitos no esporte. Havia acabado de retuitar a mensagem, com comentários.

Listando seus feitos, Bolsonaro escreveu que, entre suas realizações, foi "Publicada a Lei 14.439/22 aumentando os limites para dedução dos valores destinados a projetos desportivos e paradesportivos do imposto de renda e para aumentar a relação de proponentes dos projetos projetos".

Não há nenhuma inverdade na frase, mas Bolsonaro tenta puxar para si, para sua campanha, um projeto ótimo para o esporte e que ele tentou boicotar. Noticiei no dia em que aconteceu: a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe do poderoso ministro Ciro Nogueira (PP-PI), tentou travar o projeto no Senado.

A cena em que ela lê um pedido de vistas claramente escrito por outra pessoa, sem demonstrar saber o que estava falando, foi constrangedora. Foram necessários muitos apelos para ela (na verdade, o governo) voltar atrás. Como escrevi à época, Paulo Guedes era contra — como sempre é contra os mecanismos de renúncia fiscal, como a Lei Rouanet.

Bolsonaro acabou por sancionar a renovação da Lei de Incentivo ao Esporte, o que não torna ele um aliado do projeto, muito menos protagonista da novidade.

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