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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Convocado para Copa, Dani Alves domina verbas federais do basquete com ONGs

Daniel Alves em ação pelo Pumas durante partida contra o Toluca no Campeonato Mexicano - Jaime Lopez/Jam Media/Getty Images
Daniel Alves em ação pelo Pumas durante partida contra o Toluca no Campeonato Mexicano Imagem: Jaime Lopez/Jam Media/Getty Images

Ativo como jogador de futebol, a ponto de ter sido convocado pelo técnico Tite para disputar a Copa do Mundo no Qatar, Daniel Alves tem uma carreira paralela como promotor de basquete no Brasil. Foi uma ONG presidida por ele que organizou a AmeriCup de basquete masculino em Recife, em setembro, vencida pela Argentina. O mesmo instituto também domina as iniciativas com verbas públicas federais para a promoção do basquete 3x3, modalidade que estreou no programa olímpico em Tóquio.

Dedicado ao futebol, Dani não tem participação ativa nas duas entidades presididas por ele no Brasil, uma ONG voltada a projetos sociais, o Instituto Daniel Alves, e outra focada no basquete, o Instituto DNA. Ambas são comandadas pelo empresário Maurício Carlos, muito conhecido no esporte "olímpico" brasileiro.

Maurício trabalhou como consultor de marketing para a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e a Confederação Brasileira de Wrestling — a coluna revelou, em abril, que a Polícia Federal apontou que o empresário teria pago propina ao então presidente da CBW por um contrato. Ele é conhecido por ser muito bem-sucedido captando recursos, sejam públicos ou privados.

Foi o empresário quem estruturou o Instituto DNA, que, como mostrou a Folha, era uma "ONG" de prateleira. A entidade se chamava Instituto Liderança, e tinha como responsável um ex-técnico de basquete, que disse ao jornal que a ONG estava inativa havia cinco anos. Ao assumir a gestão dela, Daniel Alves aproveitou o fato de ela já ter mais de três anos de existência para ter acesso a verbas federais.

O caso chegou ao Tribunal de Contas da União (TCU), que, segundo noticiou a Folha hoje, entendeu que a Secretaria de Esportes deveria ter cobrado da ONG informações sobre projetos similares executados pela entidade. Mas, apesar das fragilidades, o tribunal avaliou que não havia irregularidades no convênio, arquivando a representação.

O Instituto DNA foi beneficiado com R$ 3,5 milhões de uma emenda da deputada Celina Leão (PP-DF) para instalar núcleos de basquete 3x3 na Bahia, Pernambuco e Distrito Federal. Era uma iniciativa casada com a organização da AmeriCup, que teria sede nesses mesmos locais e que prometia levar gratuitamente crianças para as arquibancadas: exatamente as atendidas por esses núcleos. Os recursos da emenda serviriam para cumprir a exigência da Fiba de ter 70% da lotação dos ginásios ocupadas.

Mas o ginásio de Salvador não foi aprovado pela Fiba Américas e o comitê organizador anunciou que todo o torneio foi transferido para Recife, tirando os jogos de Brasília, em uma forma de reduzir custos. Apesar da publicação do termo de fomento em janeiro, até agora não houve liberação de recursos.

Ainda no ano passado, o Instituto DNA recebeu aprovação para tentar captar R$ 5 milhões para a AmeriCup pela Lei de Incentivo ao Esporte, além de mais R$ 1,1 milhão para o Circuito Nacional de Basquete 3x3. Em 13 de julho veio a aprovação da Comissão Técnica da LIE autorizando o Instituto DNA a executar os projetos com os valores arrecadados até ali: R$ 3,369 milhões para a AmeriCup (67% do valor máximo) e a totalidade do R$ 1,1 milhão para o circuito.

O Instituto DNA demonstra interesse de ser, para o 3x3, o que a plataforma STU, privada, tem sido para a promoção de eventos de skate no Brasil. Em agosto, a ONG conseguiu mais R$ 1,9 milhões, desta vez por emenda do deputado federal Orlando Silva (PCdoB), ferrenho opositor ao presidente Jair Bolsonaro (PL) a quem Daniel Alves declarou voto. A verba visa criar de núcleos de basquete 3x3 em 30 escolas do estado de São Paulo.

Antes, em julho, Daniel Alves se encontrou com o presidente do clube social do Botafogo, Durcesio Mello, durante um torneio realizado no Instituto Daniel Alves, sua outra ONG, e ali mesmo o dirigente carioca anunciou dois jogadores como reforços de uma equipe de 3x3 que virá a ser formada.

Os dois fazem parte do time Academia de Basquete, ligado a Maurício Carlos, o braço direito de Daniel Alves. O projeto dos dois incluía um grande torneio, organizado pelo Instituto DNA, em Ipatinga, cidade mineira que vinha hospedando o time Academia de Basquete.

A outra ONG presidida pelo jogador, o Instituto Daniel Alves, tem sua sede em Lauro de Freitas (BA), cidade onde Maurício Carlos conseguiu que fosse construído, no passado, o Centro Pan-Americano de Judô, com verba liberada exatamente por Orlando Silva, então ministro do Esporte, beneficiando a CBJ e, em menor grau, a CBW —- o processo da Polícia Federal em que Maurício é citado é exatamente para realizar ume vento lá.

Mas a escolha de Dani de realizar um projeto social em uma cidade com a qual não tem vínculo, e não em Juazeiro, sua cidade natal, também na Bahia, vem gerando incômodo. Recente reportagem publicada pelo UOL Esporte, que visitou a aldeota de Umbuzeiro, mostrou que até seus primos se ressentem pela falta de atenção ao local. "Ele nunca fez nada por esse lugar. Não me incomoda o que ele não fez pela gente, mas podia ter feito alguma coisa pelo lugar em que nasceu. Não tem nem rede no gol do campinho onde ele começou a jogar bola", reclamou um primo de segundo grau.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado, a Argentina venceu a AmeriCup de basquete masculino em setembro. O erro foi corrigido.