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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Secretário de Esporte trabalhou 5 horas este mês e viaja todo fim de semana

Marcelo Magalhães, secretário nacional de Esporte - Claudia Martini/Ministério da Cidadania
Marcelo Magalhães, secretário nacional de Esporte Imagem: Claudia Martini/Ministério da Cidadania

Colunista do UOL, em São Paulo

16/12/2022 04h00

Sexta-feira, de folga, o secretário nacional de Esporte, Marcelo Magalhães, descobre que na segunda-feira seguinte precisa estar no Rio de Janeiro, porque foi marcada, de última hora, uma reunião com a presença dele no Parque Olímpico da Barra. Um subordinado então compra com urgência uma passagem para, na segunda-feira, o político carioca ir do Rio, onde tem família, para Brasília, onde dá expediente.

A situação se repetiu por 11 finais de semana seguidos entre setembro e dezembro. Toda sexta-feira, a secretaria compra em caráter de urgência uma viagem de ida e volta entre Rio de Janeiro e Brasília, com a "ida" no sentido de Brasília na segunda-feira, deixando a data da volta como "sem informação" no sistema de transparência do governo federal. Magalhães não trabalha às sextas-feiras em Brasília, e tem agenda no Rio no começo da manhã de segunda-feira.

Por decreto ministerial, uma viagem a trabalho iniciando em uma sexta, sábado, domingo ou feriado deve ser "expressamente justificada", sendo realizada com "estrita finalidade pública", regra para evitar que um servidor use um compromisso de trabalho como desculpa para viajar no fim de semana. Ao inverter a ordem das viagens e justificar fazer a viagem de "ida" a Brasília às segundas, sem informar a data da "volta" para o Rio, Magalhães escapa semanalmente dessa proibição.

O mesmo decreto diz que uma viagem deve ser solicitada com 15 dias de antecedência, para "garantir a análise, reserva e confirmação dos trechos por meio da aprovação do ordenador de despesas, em observância ao princípio da economicidade, obtendo o melhor preço para a administração". Mas todas as 30 viagens realizadas por ele em 2022 foram pedidas com "urgência", o que encarece as compras. Há duas semanas, uma ponte aérea saiu por mais de R$ 4 mil.

Desde julho, todas as viagens feitas por Magalhães foram para o Rio, para reuniões com a "equipe" do Parque Olímpico, mas sem a presença do seu subordinado direto e chefe dos servidores do local. Magalhães dá expediente em Brasília, onde, desde que voltou de férias, há três meses, só uma vez teve audiência com pessoa externa à secretaria. Nas últimas sete semanas, despachou só em sete dias. Em dezembro, até o dia 15, trabalhou por 4 horas e meia.

Mesmo sem qualquer vínculo com o estado de São Paulo, Magalhães tem dito a interlocutores que já foi escolhido pelo governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) como próximo secretário de Esportes paulista.

A prática de Magalhães de passar todo fim de semana no Rio de Janeiro foi revelada pela Folha de S. Paulo no fim de julho. Na época, o jornal contabilizou 94 viagens para o Rio desde sua nomeação, em fevereiro de 2020. Dessas, 56 coincidiram com finais de semana ou feriados.

Logo após a reportagem, Magalhães saiu de férias, retornando no dia 3 de agosto. Na véspera da volta, sua equipe solicitou com urgência uma passagem entre o Rio e Brasília, alegando que ele teria uma reunião no Parque Olímpico na manhã seguinte — o encontro não teve a participação do seu subordinado direto.

Um mês depois, o filme se repetiu: Magalhães tirou férias de uma semana até 2 de setembro, voltou com uma reunião no Parque Olímpico na segunda (desta vez sem necessidade de compra de passagem, já que não voltou para Brasília), folgou na terça e no feriado de 7 de setembro. Teve só "despachos internos" na quinta (não foi informado onde) e não trabalhou na sexta, dia em que foi solicitada, com urgência, uma passagem do Rio para Brasília na segunda-feira seguinte.

Desde então, há um padrão: a solicitação de viagem é feita sempre às sextas-feiras, com urgência. No espaço para justificar a urgência é citado: "solicitação de viagem enviada fora do prazo estabelecido tendo em vista que, somente em (um dia antes) foram definidos o cronograma da viagem pela assessoria e coordenação do gabinete secretaria especial do esporte".

Reuniões, mas com quem?

Todas as viagens tiveram como motivo alegado uma reunião no Parque Olímpico da Barra, a maioria delas "com a equipe" do parque. Essa equipe é liderada por Maurício Junqueira Pelegrineti, diretor do Departamento de Instalações Esportivas, e principal nome da hierarquia da secretaria a dar expediente no Rio. Mas a agenda dele não costuma bater com a de Magalhães.

Em todos os cinco finais de semana de outubro, por exemplo, Magalhães justificou a necessidade de estar no Rio às segundas-feiras para participar de "reunião de alinhamento com a equipe do parque Olímpico da Barra, onde será (sic) tratados de assuntos relacionados aos Jogos Escolares Brasileiros". Inclusive o erro de português se repete toda semana.

Pelegrineti, único membro da equipe do Parque Olímpico que tem agenda pública, não participou de nenhuma dessas reuniões. Ele nem sequer dá expediente às segundas-feiras, que usualmente é dia de descanso em locais de eventos em finais de semana. Mais: a agenda de Pelegrineti mostra que a "reunião de coordenação" acontece toda terça-feira, às 11h, não às segundas, quando Magalhães diz se reunir com a equipe do Parque.

Não é usual no serviço público que um secretário se reúna com funcionários de baixo escalão sem a participação do superior hierárquico desses, a quem eles respondem.

Marcelo Magalhães - Claudia Martini/Ministério da Cidadania - Claudia Martini/Ministério da Cidadania
Imagem: Claudia Martini/Ministério da Cidadania

Poucas horas de trabalho

Magalhães não tem um perfil discreto, pelo contrário. É uma pessoa carismática, que não passa despercebida onde está. Mas existem poucos registros públicos do seu trabalho como secretário especial do Esporte depois de três anos. Ele não costuma comparecer a eventos que não no Rio de Janeiro ou em Brasília e, oficialmente, praticamente só tem reuniões com subordinados e "despachos internos".

Desde que voltou de férias, há três meses, Magalhães recebeu apenas uma pessoa de fora da secretaria para audiência: o embaixador Ruy Pereira, da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), em 29 de setembro. Também se reuniu com um superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na semana do segundo turno das eleições, no Rio, sem especificar o local na agenda.

No período, Magalhães participou de duas reuniões, do Conselho Nacional de Esporte (do qual é presidente) e de um grupo de trabalho da Unesco, na última sexta-feira (9). Além disso, em sete dias consta na sua agenda uma janela de meia hora listada como "Jogos Escolares Brasileiros (JEBs)", sem detalhar se ele esteve presente no evento, que aconteceu de 31 de outubro a 15 de novembro, no Parque Olímpico. Só existem registros fotográficos de uma "visita técnica" dele ao torneio, no dia 10 de novembro, uma quinta-feira.

Além dessas agendas nos JEB's, desde o segundo turno da eleição, há sete semanas quase completas, Magalhães só trabalhou sete dias: teve meia hora de "despachos internos" nos dias 9 e 16 de novembro, um compromisso de meia hora no Parque Olímpico da Barra no dia 21 de novembro, uma reunião de meia hora com seu chefe de gabinete em 17 de novembro e uma de uma hora com a secretária Fabíola Molina, responsável por obras, em 1º de dezembro.

Em todo o mês de dezembro, teve essa reunião com Molina, que durou uma hora, participou de encontro da Unesco, também de uma hora, e da reunião do CNE, que na agenda dele aparece como tendo durado duas horas e meia.

Outro lado

Magalhães foi procurado por intermédio da assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania, na noite de terça-feira (12). A reportagem perguntou por que ele viajou 11 segundas-feiras seguidas, onde ele passa os finais de semana, por que não tem agendas regulares em Brasília, por que nunca é informada a data dos trechos de volta e quem são os participantes das reuniões no Rio.

A assessoria de imprensa do Ministério, porém, não respondeu ao e-mail, algo que tem sido recorrente desde abril. Até então, todas as demandas enviadas pela reportagem tinham resposta, dentro ou fora do prazo solicitado. Depois disso, nenhum e-mail teve retorno, ainda que a coluna tenha conhecimento de que as perguntas costumam chegar aos setores responsáveis.