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Olhar Olímpico

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Ana Moser assume Esporte, que volta a ter comando de ex-atleta após 24 anos

Ana Moser - Lucas Seixas/UOL
Ana Moser Imagem: Lucas Seixas/UOL

29/12/2022 13h03

Anunciada nesta quinta-feira (29) como nova ministra do Esporte, Ana Moser será a primeira esportista no cargo desde que Pelé, no primeiro governo FHC, ocupou o então Ministério Extraordinário do Esporte. Mas a medalhista olímpica não será a única ex-atleta no primeiro escalão do governo. Antes dela, Anielle Franco foi anunciada como ministra da Igualdade Racial.

Ana Moser, que na última década foi a ex-atleta mais ativa nas discussões sobre o esporte no Brasil, também vai ser a primeira mulher a ocupar o Ministério do Esporte, pasta que foi transformada em secretaria por Jair Bolsonaro (PL), perdeu orçamento, e voltará a ser ministério com Lula.

Já Anielle, que jogou na base de Vasco, Flamengo e Botafogo, conseguiu bolsa para estudar e jogar nos Estados Unidos, e lá se formou em comunicação e fez mestrado em jornalismo. Ela se aproximou da política tradicional depois do assassinato cruel de sua irmã, Marielle Franco, e vai ocupar o Ministério da Igualdade Racial, que também será recriado depois de ser fechado por Bolsonaro.

Tanto Ana Moser quanto Anielle fazem parte do grupo Esporte Pela Democracia, que se organizou pelo Whatsapp no começo da pandemia, combatendo o governo Jair Bolsonaro e defendendo pautas como o combate ao racismo. Walter Casagrande, um dos fundadores do grupo e colunista do UOL, chegou a ser convidado para fazer parte do grupo de transição, mas declinou. Isabel Salgado chegou a aceitar e ser anunciada um dia antes de falecer.

Primeira mulher no Esporte

Ana Moser é catarinense e tinha 19 anos quando foi titular da seleção brasileira em sua primeira Olimpíada, em Seoul-1988. Foi protagonista de uma geração que tinha Leila Barros (hoje senadora pelo PDT), Fernanda Venturini, Márcia Fu e Ana Paula Henkel (hoje uma das vozes mais influentes da extrema-direita).

Com elas, o vôlei feminino do Brasil virou um dos melhores do mundo. O caminho foi aberto com o vice-campeonato mundial, em 1994, no Ibirapuera, e passou por três títulos de Grand Prix e um bronze olímpico em Atlanta-1996. Ana Moser, porém, logo passou o bastão. Aposentou-se com apenas 31 anos, em 1999.

Em 2001, criou o Instituto Esporte & Educação (IEE), repetindo movimento da dupla Raí e Leonardo, do futebol, que havia fundada a Fundação Gol de Letra três anos antes. A ideia inicial era difundir o mini-vôlei, uma versão educativa do vôlei, voltada a crianças. Mas a ONG cresceu de tamanho, abriu novas portas e, com criação da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), o IEE deslanchou, atuando desde o atendimento direto a crianças e adolescentes até a formação de professores e agentes sociais.

Há uma década a entidade é quem mais capta recursos da LIE para projetos sociais. Entre 2007 e 2018, captou R$ 84,2 milhões. Contando também com outros convênios com órgãos públicos e com doações diretas, a ONG foi de uma receita bruta de 6,8 milhões em 2009 para 17 milhões no ano passado. Ana Moser nunca deixou de ser diretora-presidente da entidade.

Paralelamente, Ana Moser tem atuação de liderança na Atletas Pelo Brasil, inicialmente Atletas Pela Cidadania, ONG que reúne ex-atletas e que atua no campo do advocacy. Em seu site, a Atletas explica que busca "influenciar no desenho e implementação de políticas públicas relacionadas à causa da associação" e "sensibilizar a sociedade e outros públicos sobre a importância do Esporte como ferramenta transversal para o desenvolvimento humano e social."

Em outras palavras, a ONG busca influenciar o poder e a opinião pública a favor de pautas que julga relevantes para o esporte. Foi assim que a Atletas conseguiu o fim da reeleição eterna de dirigentes esportivos, que atletas tivessem direito a voto nas confederações, e, mais recentemente, que a Lei Geral do Esporte. No ministério, Ana Moser passa a ter a caneta na mão e maior capacidade de articulação no Congresso para a as pautas que defende.

A escolha por Ana Moser rompe uma tradição que começou quando da criação do Ministério do Esporte e Turismo, que depois virou só Ministério do Esporte. Desde então, todos os ministros foram homens e políticos sem histórico como atleta. Foi assim tanto no segundo mandato de FHC (com Rafael Greca, Carlos Melles e Caio Cibella) quanto nos três primeiros mandatos do PT (com Agnelo Queiroz, Orlando Silva e Aldo Rebelo, todos do PCdoB).

George Hilton (Republicanos e depois Pros) e Ricardo Leyser (PCdoB) foram ministros com Dilma, e no governo Michel Temer o ministério foi entregue ao MDB, com Leonardo Picciani e Leandro Cruz. Quando o Esporte virou secretaria, ela ficou a cargo primeiro de dois militares, os generais Marco Aurélio Vieira e Décio Brasil, e depois de Marcelo Magalhães, que chegou ao cargo por ser amigo pessoal de Flávio Bolsonaro.