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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Ana Moser deve priorizar esporte para todos em vez de alto rendimento

Presidente Lula e ministra do Esporte Ana Moser - Ricardo Stuckert/Divulgação
Presidente Lula e ministra do Esporte Ana Moser Imagem: Ricardo Stuckert/Divulgação

30/12/2022 11h25

"Aconteceu um milagre", diz Ana Moser. Depois de anos de prioridade para o esporte de alto rendimento, o Brasil tem um presidente eleito, Lula (PT), que quer expandir o acesso ao esporte e à atividade física no país. E que convidou exatamente ela, que há anos milita nessa causa, para liderar o projeto. A ex-jogadora de vôlei considera que é a pessoa certa na hora certa.

"Se eles tivessem a intenção de fazer o que eles querem fazer, eu sabia que eu seria a pessoa certa. Esse era meu espírito. Não tenho nada a perder. Estamos anos fazendo e eu tenho certeza que esse é o caminho. Mas eu não achei que fosse, porque nunca é. Aconteceu um milagre. O presidente Lula quer realmente algo especial para o esporte, ou senão eu não estaria aqui, seria outra pessoa", afirmou Ana Moser à coluna.

Medalhista de bronze em Atlanta-1996, ela é a primeira mulher e só a segunda ex-atleta a ser ministra do Esporte, 24 anos depois de Pelé, que morreu ontem, encerrar seus quatro anos à frente da pasta no governo FHC. Desde então, só políticos de carreira passaram pelo comando do ministério, que virou secretaria sob Jair Bolsonaro (PL).

Vivendo o esporte desde a juventude, Ana Moser sabe bem o que quer fazer a partir do momento que sentar na cadeira de ministra. Com ela, sai o foco no alto rendimento, que norteou as últimas duas décadas de políticas esportivas no país, e entra o "esporte como direito de todos".

A entrevista a seguir foi cortada e editada para melhor compreensão

Já caiu a ficha de que você será ministra?

Está caindo. É um momento muito especial. É um espirito do tempo presente agora. Estou muito esperançosa no que a gente pode fazer, porque encontro muito apoio na figura do presidente Lula. A visão dele é de educação integral, e educação integral tem que ter esporte.

Como tirar do papel o 'esporte para todos'?

O começo de tudo é o Sistema (Nacional do Esporte) e o Plano (Nacional do Desporto), a escala. Quero conversar com o ministro da Educação e com a ministra da Saúde. A partir de segunda-feira estou buscando essas agendas e vou preparada, vou com proposta, porque a gente sabe o que a gente quer dessas pastas. A população é a mesma, atendida por vários serviços, que a gente precisa integrar.

O Sistema está mais adiantado, mas tem algumas questões que vamos ter que discutir. O Plano Nacional ainda não existe, vamos trabalhar com o Congresso. A diretriz do esporte na escola tem cinco páginas. A diretriz do esporte de rendimento tem 25 paginas. É uma coisa boba, mas é o retrato do que não existe em questão de politica pública.

Você disse que sabe o que quer das pastas. São anos lidando com o ecossistema esportivo e pensando: 'Se eu fosse ministra, se tivesse a caneta, faria tal e tal coisa'?

Eu sempre tive a cabeça de escala. As estratégias que a gente desenvolve no IEE (Instituto Esporte e Educação) são sempre pensando em escala, mas escala nacional só com grande volume de investimento, financeiro e humano. Tem uma proposta que eu apresentei no grupo de transição, que faz parte do motivo de eu estar aqui hoje, que é criar redes regionais de desenvolvimento do esporte como direito de todos.

Seriam redes regionais integrando as instituições mais fortes de esporte, que pode ser um centro de iniciação, uma escola, um clube, e vai orbitando ao redor desse centro de rede. A organização dessa rede vai qualificar os recursos humanos e as instituições, ampliar atendimento direto, envolver esse ecossistema para desenvolver o plano municipal de esporte, e assim você vai estruturando essas redes.

Regionalmente você tem toda a integração, com educação, saúde, cultura, segurança, iniciativa privada, sociedade civil organizada, e implantando o sistema, ocupando espaço pelo Brasil inteiro. É o que a gente faz no IEE, viajando pelo país e qualificando recursos humanos, mobilizando, sensibilizando, mas no ministério com condição de efetivamente mobilizar estruturas.

O IEE tem orçamento na casa de R$ 15 milhões por ano, com a maior parte vindo da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), que é gerida pelo ministério que você vai ocupar. Imagino que você vá se afastar da presidência, mas a sua relação com a ONG é conhecida. Você teme que se ela vier a conseguir mais recursos, isso se torne um problema?

Fatalmente vai arrecadar mais porque vai virar 2% [o teto de IRPF que uma empresa pode doar, que antes era 1%]. A instituição tem 200 funcionários, nunca foi personalizada e hoje o trabalho dela me precede. Não posso ser culpada, ou alguém sofrer alguma cosia, por ser eficiente. Eu fui escolhida por uma posição porque eu tenho essa experiencia, que é real, e fala por si só. O IEE vai continuar com a mesma qualidade. E quando acabar minha missão no ministério eu volto.

O Bolsa Atleta não tem reajuste há mais de 10 anos. A secretaria tinha um orçamento de R$ 190 milhões, mas o ministério terá R$ 1,9 bilhão. Reajustar a bolsa é prioridade?

Se tiver orçamento. Tem que organizar tudo dentro de uma economicidade, dentro de um critério que a gente está adotando nessa gestão, de pouco dinheiro, com estruturas enxutas. Vou conversar com as pessoas agora em janeiro. Tem que decidir logo porque o edital está previsto para janeiro.

A gente sabe que o futebol e o alto rendimento são instituições que tiveram anos de avanço na sua estruturação, é outra realidade. Não é que a gestão não vá dar atenção, mas elas precisam de um tempo que é o tempo que elas precisam. Enquanto esse outro esporte, como direito de todos, está aí para ser estruturado. Vai ter uma demanda muito maior.

É muito mais facil construir uma equipe olímpica que chegue entre os 10 primeiros países em numero de medalhas de uma Olimpíada do que você conseguir botar sua população inteira, ou boa parte, para praticar esporte. Para fazer o esporte para todos é muito mais recurso, muito mais gente, muito mais instituições. Lógico que essa é minha vontade agora. Posso chegar lá e dizer: 'me enganei'. Mas é preciso estabelecer prioridades, mostrar a que veio, dar resposta a quem votou nesse governo.

Em 2009, você fez campanha contra a Olimpíada no Rio. Depois, isso fez seu nome ser vetado para ser presidente da Autoridade Olímpica...

Eu não fiz campanha contra, nem dei entrevista. Eu torcia para as pessoas não me perguntassem, porque eu ia ter que responder que eu era contra. O que eu fiz foi: eu mandei um e-mail para os delegados que iam votar. Essa é história. O (então presidente do Comitê Olímpico do Brasil, Carlos Arthur) Nuzman me odiava, já desde a época da seleção.

Você já tem pessoas confirmadas na sua equipe?

O Diogo Silva [campeão pan-americano de taekwondo] e a Marta Sobral [campeã mundial de basquete, filiada ao PT]. De resto, não sei ainda. Começamos hoje [ontem]. Sabia há algum tempo, mas só ia assumir quando fosse anunciado. São pessoas que estão no mesmo quadrado que eu estou, nessa mesma visão que eu estou. São ativos, comprometidos, leais, a ideia é levar essa turma de esporte na veia para ajudar na construção. Já tem também as pessoas de carreira, de relações parlamentares, relações internacionais, toda uma estrutura própria daqui.

Temos pelo menos umas três semanas para começar a montar esse quebra-cabeça, porque formalmente o ministério, por conta dessa reorganização, só vai ser ministério no final de janeiro. Até lá, vou estar com esse grupo de pessoas fazendo tudo.

A gente pode esperar mais atletas no ministério, então?

Eu espero mais atleta, mais gente de universidade, de ONG. Vou falar com muita gente, para tomar boas decisões. Não sou a sabe-tudo, vamos dar um tempo, poucas semanas, para poder mapear bem, e montar uma boa equipe.

Você trabalhou ativamente para criar um mecanismo legal, os artigos 18 e 18-A da Lei Pelé, que visava impedir a reeleição eterna de dirigentes esportivos. Mas hoje vários presidentes de confederação estão no terceiro ou além e o Paulo Wanderley, presidente do COB, deve concorrer a um terceiro mandato enquanto você for ministra. Você pretende fazer valer a regra pela qual você lutou lá atrás ou é um tema que ficou para trás?

Minha visão é que a gente tem que buscar cumprir a legislação, dar boa interpretação, e regular, em cima de um instrumento que é o certificado [de cumprimento dos artigos 18 e 18-A]. Tem muita gente pensando sobre isso e estudando sobre isso e vou conversar com essas pessoas. Lógico que vou buscar o espirito da 18-A, o espirito da renovação. Quando eu falo no Diogo, por exemplo, e outros atletas que também vão participar e tão nessa geração, são esses atletas que estão começando a participar da gestão dessas instituições. Esse é o espírito que a gente tem que buscar. O ministério tem que fortalecer isso, essa diversidade na tomada de decisões. Não favorecer a continuidade eterna, defender o espírito da 18-A.

Você lutou muito para que atletas tenham mais acesso às esferas de decisão. Agora, você é uma ex-atleta que será ministra, e que terá consigo diversos ex-atletas. Você tem medo de dar errado, e isso ser usado contra a pauta?

Eu nem pensei nisso, dessa maneira. Eu acho que a gente tem uma estrutura, não é um órgão vazio, existe uma história de gestão do esporte no governo federal. Tem servidores, propostas, tem histórico, planos, não vai depender dos atletas, desses atletas chegando. É um misto. Tem que ter uma gestão. A novidade é esse pessoal que sabe das coisas, conhece esporte. O atleta foi uma criança, sabe quem ele tinha de colega na infância e deu certo e quem não deu e por que ficou para trás. É um conhecimento muito profundo, gente que está se preparando, muito atleta experimentando funções, de botar a cara, de debater tomar decisão, de gerenciar, administrar. Vamos dar voz, dar espaço, e espero fazer bem essa função.