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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Ele vendeu bala no trem para virar jogador e hoje estreia no Mundial

Bryan Monte, da seleção de handebol - Divulgação
Bryan Monte, da seleção de handebol Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

12/01/2023 04h00

"Boa tarde, pessoal. Meu nome é Bryan, sou atleta de handebol do colégio Debret, que fica na Vila União. Estou vendendo bala porque temos uma viagem com o handebol da escola e gostaria da ajuda de vocês para conseguir esse objetivo, que é importante para a escola e para mim, para me ajudar a chegar em outro lugar".

De estação em estação, de bala em bala, de real em real, Bryan Monte foi longe. Passou por Minas Gerais, para a disputa de um torneio escolar, chegou a São Paulo, onde se tornou jogador profissional, e chegou a Gotemburgo, na Suécia, onde hoje ele (11) fará seu primeiro jogo em um Campeonato Mundial, como caçula e grande revelação da seleção brasileira de handebol.

"Vender bala me ensinou valores irrefutáveis. Não tem nada nesse mundo que compre o orgulho que eu tenho de ter chegado até aqui. Me orgulho demais", diz Bryan, que mantém viva a sensação de que ele sempre pode mais.

A história dele é a prova disso. Bryan é de São João de Meriti, cidade da Baixada Fluminense, filho de uma enfermeira que, na falta de emprego, trabalhou como faxineira, auxiliar de limpeza, segurança e cuidadora de idosos, e que criou três filhos. O pai, ele nunca conheceu.

O handebol surgiu na escola, no CIEP Jean Baptiste Debret, que tem uma das principais equipes jovens do Rio. Mas, na falta de recursos públicos para bancar o esporte de base no Brasil, ele precisava pagar do bolso a ida com o time para duas competições em Minas Gerais. E foi assim que, aos 12 anos, surgiu a ideia de vender bala no trem, no centro da cidade, no farol, no ônibus, onde houvesse alguém querendo adoçar a boca.

"Eu pegava uma quantia inicial, tipo R$ 20, e entregava para o meu professor, ele comprava tudo em bala, e entregava para mim. Eu ia vender para alcançar as minhas metas, das viagens. Precisava vender três caixas por dia", conta. As balas eram similares à da marca Halls.

Ele se lembra de dois momentos marcantes, antagônicos. "Uma vez eu estava vendendo para um cara, no farol, ele empurrou minha mão, fechou o vidro e acelerou. Eu me senti desrespeitado, mas não entendia direito. Hoje eu sei quanto humilhante foi aquilo. Outra vez, que alegrou meu dia, foi uma mulher que me deu R$ 20. E a bala era tipo R$ 1, ou 50 centavos. Eu já tinha vendido duas caixas, tinha mais duas na mochila, e aquilo me deu um gás que peguei as outras duas para vender também".

Com o dinheiro das balas, ele pagou a viagem à Caxambu Handebol Cup, em Minas, onde foi visto por um técnico do Pinheiros e convidado a passar por um teste em São Paulo. Sem dinheiro, voltou ao trem para pagar a viagem. Foi tão bem no clube da elite paulistana que foi convidado a fazer parte do time nas categorias de base.

Bryan Monte, jogador do Pinheiros e da seleção de handebol - Ricardo Bufolin/Pinheiros - Ricardo Bufolin/Pinheiros
Imagem: Ricardo Bufolin/Pinheiros

De bala em bala, de gol em gol

Foi para vir a São Paulo, ficando longe da família, em 2016, que Bryan ganhou seu primeiro celular, um aparelho antigo, doado por um tio. Até então, ele só tinha acesso à internet em lan houses. Mesmo com uma Olimpíada acontecendo a algumas estações de trem e metrô de São João de Meriti, nem sonhou em conseguir um ingresso e ver de perto o esporte que era sua paixão.

"Eu nem sonhava ter dinheiro, as condições eram difíceis. Anunciava na TV e eu esperava ansiosamente para ver aqueles 10 minutos de handebol que a Globo transmitia. Eu via com maior apego porque não tinha noção de quais sites cobriam jogos de handebol, onde eram transmitidos. Foi um momento muito marcante, que foi oportunidade de ver ao vivo, na TV. Foi o que me trouxe a magia do handebol", conta.

Naquela equipe já estavam alguns dos jogadores que hoje são seus colegas de seleção, como o também lateral-esquerdo Thiagus, do Barcelona. Aos 19 anos, Bryan não é só o caçula da equipe, cinco anos mais novo do que qualquer companheiro, como é o terceiro mais jovem de todo o Mundial, que pela segunda vez tem 32 equipes.

O que esperar da seleção no Mundial de Handebol?

Os resultados da fase de preparação foram bem ruins. Em dois quadrangulares, a seleção sofreu cinco derrotas e só ganhou dos Estados Unidos, por cinco gols de diferença — no último confronto entre as duas equipes, a vitória do Brasil teve saldo de 25.

"Entendemos que não tivemos os resultados esperados e estamos trabalhando em cima disso. A gente tem boa expectativa porque nos preparatórios a gente vinha de folga, teve viagem, e acabou complicando. A gente teve gradativa evolução, e temos as melhores sensações para o Mundial", disse Bryan.

O Brasil estreia contra a Suécia, dona da casa, hoje, às 16h30 de Brasília. No sábado, pega o Uruguai, às 14h, e na segunda volta à quadra no mesmo horário contra Cabo Verde. Nos dois casos, a vitória é esperada. Os três primeiros avançam à segunda fase, quando enfrentam as equipes do Grupo D, que tem Islândia, Portugal, Hungria e Coreia do Sul. Dessa etapa, só passam duas equipes.