Topo

Olhar Olímpico

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Bala Loka sai do terrão e põe Brasil no mapa da prova olímpica mais radical

Gustavo Bala Loka, ciclista radical brasileiro - Miriam Jeske/COB
Gustavo Bala Loka, ciclista radical brasileiro Imagem: Miriam Jeske/COB

18/01/2023 04h00

Que o surfe e o skate entraram no programa olímpico em Tóquio todo mundo notou. Mas da prova mais radical das Olimpíadas pouco se falou. Sem nenhum brasileiro que se destacasse no BMX Park, a modalidade foi quase ignorada por aqui na primeira vez em que foi disputada nos Jogos. Agora, a coisa começa a mudar com um garoto de 20 anos saído do terrão.

Em casa, ele é Gustavo. Na cena do BMX, Bala Loka, apelido que ganhou depois de um acidente em que passou rápido demais por uma rampa de terra e só foi encontrar o chão bem mais adiante do que deveria, caindo de uma altura considerável. Quando acordou do desmaio, com água na cara, um brincou que ele parecia uma bala. Outro completou: bala loka. Pegou.

O acidente aconteceu em Caracas, mas não a capital da Venezuela. Caracas Trail, a enorme pista de terra de Carapicuíba, na grande São Paulo. O local costuma ser palco de um dos eventos do "Verão Espetacular" da Rede Globo. No esporte formal, ali se pratica "BMX Freestyle Dirt Jump". Nos Jogos de Tóquio, estreou no programa o "BMX Freestyle Park".

A nomenclatura faz toda diferença. Assim como o skate tem "street", "park", "vert", etc, o BMX Freestyle também tem quatro modalidades diferentes disputadas só nos X-Games. O dirt é o mais famoso, o que proporciona os melhores vídeos, e onde o Brasil mais formou atletas ao longo das últimas décadas, especialmente em Caracas. Mas foi o park que entrou na Olimpíada, e nessa modalidade o país não tinha ninguém especializado.

"No park a pista é de madeira, é mais seguro. Tem como você subir em cima da rampa, aprender, olhar a pista. Já no dirt não dá. No máximo você vai frear na transição dela para saber a velocidade que tem que entrar. Você vai ou não vai. Eu acho que tem um pouco de loucura nisso. Hoje, infelizmente, são poucos os atletas que andam de dirt", explica Bala Loka.

Nascido na Cohab 2 de Carapicuíba, ele assistiu uma competição em Caracas quando ainda era criança e pediu uma bike para o pai. Como a família não tinha grana para importar uma bicicleta de BMX, a solução foi montar um 'Frankenstein' com peças arranjadas aqui e ali, algumas de BMX de fato, outras não. "Tinha que pedalar muito para conseguir pular uma rampa. Um dia, eu queria pular uma de 1,20m, não conseguia, fiquei bravo, desci pedalando com tanta raiva que passei reto". Foi o dia em que Gustavo virou Bala Loka.

Profissional desde 2021

Bala Loka virou atleta de alto rendimento em 2021, depois da estreia do BMX Freestyle nos Jogos de Tóquio. "Eu já competia lá fora, mas eu não era tão familiarizado com o jeito de ser um atleta de ponta, o jeito de treinar, ser focado. Quando começou a ter campeonatos de park, eu vi uma galera migrando, competindo. Em 2021 vi a oportunidade. Participei de um campeonato e pensei: realmente tenho chances de estar em uma Olimpíada", conta.

Assistindo à competição olímpica por "uns sites doidos", já que não achou transmissão oficial no Brasil, viu que a competição não era nenhum bicho de sete cabeças. "Conversando com amigos e familiares, falei: eu tenho chance de estar lá. Sei que se eu treinar e me dedicar, eu tenho chance."

O park é disputado em uma pista com obstáculos de madeira distribuídos por uma área semelhante à de uma quadra de futsal. Até recentemente, só havia uma dessas no Brasil, em São Bernardo do Campo, também na Grande São Paulo, mas a uma hora de carro de Carapicuíba. Para virar atleta de ponta, Boca Loka passou a ir para lá três vezes por semana. Mas não só.

"Comecei a fazer academia, pilates. Quando não estou em São Bernardo, tento dar uma diferenciada, para tentar ter uma técnica que possa ser usada na pista boa e na pista ruim, para tentar me sobressair. Eu sou focado no park, mas ando em tudo, para sempre ter algo na maga", diz.

Profissional patrocinado por marcas como a Vans, ele tirou mais de R$ 50 mil do bolso no ano passado para treinar no exterior. Passou quase dois meses nos EUA, três semanas na França, disputou sua primeira Copa do Mundo, e voltou à América do Sul para conquistar a primeira medalha do Brasil em uma competição internacional da modalidade.

Foi nos Jogos Sul-Americanos, em Assunção (Paraguai), em outubro, quando ele foi terceiro. Em novembro, terminou em terceiro o Campeonato Pan-Americano. Foram os únicos dois eventos para os quais a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC) quis levar o melhor nome do país na modalidade.

Nem a entidade, que administra cinco disciplinas olímpicas do ciclismo, acreditava que o BMX Freestyle poderia entregar algo, tanto que não bancou a ida de Bala Loka para o Mundial, nos Emirados Árabes Unidos, que distribuiu as duas primeiras vagas em Paris-2024. Outras três sairão no Mundial deste ano e mais seis em um circuito de três etapas em 2024.

Número 33 do ranking mundial, Bala Loka acha que dá. "Hoje em dia o nível está cada vez subindo mais, mas eu estou treinando para chegar lá. Eu olho o Mundial, as linhas, a Copa do Mundo, e vejo que não está tão longo. Há dois anos eu falava: 'tá longe pra caramba'. Agora eu sei que se eu der meu 100%, dá para brigar por vaga olímpica, sim".