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Olhar Olímpico

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Ucrânia trava batalha política para barrar Rússia nas Olimpíadas

Ivan Kuliak, atleta russo, faz exaltação à guerra - Reprodução
Ivan Kuliak, atleta russo, faz exaltação à guerra Imagem: Reprodução

29/01/2023 04h00

Atletas que têm passaporte de um país que invadiu militarmente outro têm direito de participar de competições esportivas? A discussão, cuja conclusão pode impedir russos e bielorrussos de competirem em Paris-2024, está mais quente do que nunca.

Nos últimos dias, o Comitê Olímpico Internacional (COI) defendeu permitir atletas russos e bielorrussos na próxima Olimpíada, sob condições específicas, e competindo como "neutros". As entidades que reúnem os comitês olímpicos nacionais da Ásia, da África e da América já disseram que concordam com a medida.

Atualmente, russos e bielorrussos praticamente banidos do esporte mundial, por decisão das federações internacionais, que reagiram à pressão da comunidade internacional nas horas após o início do ataque da Rússia à Ucrânia em fevereiro do ano passado.

Quando a decisão passou a ser observada mais friamente, ficou claro que a régua utilizada para punir os russos é diferente daquela que valeu para outras dezenas de guerras na história recente. Por exemplo: uma coalizão liderada pela Arábia Saudita ocupa militarmente parte do Iêmen desde 2015, e nunca sequer se cogitou qualquer sanção esportiva aos sauditas, que, pelo contrário, têm papel cada vez mais preponderante no esporte mundial — vide a contratação de Cristiano Ronaldo.

O COI diz que tem como princípio que "nenhum atleta deve ser impedido de competir apenas por causa de seu passaporte". Foi o que aconteceu em 1992, quando o que ainda se chamava "Iugoslávia" estava sob sanção da ONU e não foi a Barcelona. Mas os iugoslavos (sérvios e montenegrinos) competiram, sob a bandeira do movimento olímpico.

Uma decisão é esperada para breve, porque muitos dos eventos e rankings classificatórios para os Jogos de Paris já começaram e, russos e bielorrussos, se autorizados a competirem em Paris, seriam prejudicados por não estarem competindo.

Autorização com poréns

  • O COI consultou atletas, federações internacionais e comitês olímpicos nacionais na semana passada.
  • Esta semana, disse que "a grande maioria dos participantes das consultas" apoiou a participação de atletas russos e bielorrussos, sob condições.
  • A primeira, básica, é a proibição das bandeiras. Os atletas teriam que competir como neutros.
  • Cada atleta precisaria ser verificado individualmente, com quem apoia a guerra sendo barrado.
  • O Conselho Olímpico da Ásia sugeriu que os russos poderiam participar das eliminatórias asiáticas, já que parte do país está, geograficamente, naquele continente. Isso evitaria confrontos com ucranianos e seus aliados.
  • Até dos Jogos Asiáticos os russos poderiam participar, se desejassem.
  • A mesma regra já vale para Israel que, pelo conflito com a Palestina, é tido como inimigo de boa parte da Ásia e participa de torneios europeus.

Ucrânia é contra e busca apoio

O governo ucraniano diz que não é tão simples assim. Vadym Guttsait, ministro dos Esportes da Ucrânia, teve uma conversa com Thomas Bach, presidente do COI, a alegou que governo russo e Comitê Olímpico Russo são uma coisa só — e a mesma coisa acontece em Belarus.

"Muitos representantes de suas equipes olímpicas fazem parte das Forças Armadas da Rússia, que estão matando nosso povo em nosso país e destruindo nossa infraestrutura. O presidente do Comitê Olímpico da Rússia [Stanislav Pozdnyakov], lembro a vocês, disse que é uma honra para os membros da equipe olímpica russa participar da guerra contra a Ucrânia", reclamou Guttsait. Ele e Pozdnyakov foram colegas de equipe no ouro olímpico da equipe unificada das ex-repúblicas soviéticas em Barcelona-1992.

Paralelamente, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ligou na terça (24) para seu colega francês, Emmanuel Macron, e pediu que a França, sua aliada na guerra, não receba atletas russos nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas.

Em resposta, o COI deixou claro que "os governos não devem decidir quais atletas podem participar de quais competições e quais não podem".

Macron não tem demonstrado concordar com o pleito ucraniano. Bach já citou que o presidente francês defende que "o esporte não deve ser politizado" e que deve incluir atletas de todos os países, mesmo aqueles que estejam em guerra. A própria França já participou de diversas guerras sem nunca ter sido proibida de disputar Olimpíadas por isso.

Pressão ocidental

Como de costume quando governos ocidentais querem impor suas vontades no ambiente esportivo, começou a ser ventilada pela imprensa britânica e norte-americana a possibilidade de um "boicote" a Paris. Foi assim nas Olimpíadas de Inverno de Pequim (China) e na Copa do Mundo do Qatar, para ficar só em 2022.

A Global Athlete, entidade que representa principalmente atletas ocidentais, subiu o tom nas críticas ao COI. "Está ficando cada vez mais claro que a Rússia tem controle total sobre o COI e sua liderança. O COI está permitindo que os Jogos sejam usados para normalizar, legitimar e distrair da guerra."

Na quinta (26), o Comitê Organizador convocou entrevista coletiva em Paris e seu presidente, o ex-canoísta Tony Estanguet, disse que não tem nada a ver com isso. "As regras de classificação para os Jogos são gerenciadas pelas federações internacionais", deixou claro. Ele afirmou que a prioridade é acabar com a guerra.

Mais tarde, também na sexta, a Panam Sports, organizadora do Pan, emitiu nota dizendo que "concorda a possibilidade de permitir que atletas individuais com passaportes russos ou bielorrussos participem de eventos esportivos se cumprirem as disposições do COI". Antes, os africanos haviam dito algo muito semelhante.