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Bronze mundial faz Letícia ir de desconhecida a protagonista do atletismo
Se alguém dissesse a Letícia Oro Melo, há um ano, que ela abriria 2023 bem estabilizada financeiramente como atleta e com vaga nas melhores provas do mundo, ela duvidaria, apesar da forte confiança em si. Doze meses atrás, a catarinense de 24 anos sequer ameaçava sair do terceiro escalão do atletismo brasileiro e, para piorar, se recuperava de uma grave lesão no joelho.
A trajetória até a medalha de bronze no último Mundial de Atletismo, no salto em distância, poderia ser tratada como conto de fadas se não fosse fruto de muito empenho. Letícia, que até hoje nunca pisou na Europa, palco dos principais eventos do calendário, não só se recuperou da lesão antes do previsto como se classificou ao Mundial, foi aos EUA no fim da fila das favoritas, como chegou a um pódio histórico.
"Desde criança a minha mãe sempre falava para mim: filha, você só precisa de um salto. Sempre, sempre, sempre. Eu podia estar lesionada, minha mãe sempre falava: 'você é boa, vai conseguir'. Ela que é essa cabeça positiva. Eu devo tudo a ela. Ela que me deixou assim", conta Letícia, uma atleta de confiança muito acima do normal.
A catarinense nunca havia disputado uma competição de grande porte, nem na base nem no adulto, quando foi ao Mundial do ano passado. Lá, melhorou em mais de 20 centímetros seu recorde pessoal para se tornar só a segunda a mulher a ganhar uma medalha em Mundial de Atletismo — antes dela, só Fabiana Murer.
Desde então, sua carreira sofreu uma guinada. "Mudou praticamente tudo de lá para cá. Antes, ninguém me conhecia. Agora, estou tendo várias oportunidades, e agarrando todas", diz ela, que acaba de receber o patrocínio da Manchester Investimentos, virou embaixadora da Puma e, via CBAt, passou a ser apoiada também pelas Loterias Caixa.
O que não muda é seu local de treino, em Joinville, que tem dois setores de saltos horizontais em péssimo estado de conservação. Para tentar melhorar a situação, o técnico de Letícia, João Carlos dos Santos, montou uma pista com peças de piso de borracha descartadas pelo time de futsal da cidade. É ruim, mas é o que tem. "Fiz os resultados que fiz treinando nessa pista, não tem o que eu reclamar", afirma a medalhista.
Ela poderia sair de Joinville para treinar em outra cidade, mas nem cogita a ideia de deixar para trás o técnico de 70 anos que a levou ao bronze mundial. "Não posso largar o João jamais, ele que me fez chegar onde eu estou. Em junho vou fazer um camping em Portugal, e o João vai junto."
Será a primeira experiência dela na Europa, muito provavelmente para saltar em etapas da Diamond League. Uma vaga nessas provas é disputadíssima, e, até o ano passado, só três ou quatro brasileiros tinham acesso recorrente à liga: Thiago Braz, Darlan Romani, Alison dos Santos e Almir Cunha. Agora, Letícia deve entrar no seleto grupo.
Do migué à insistência
Se dependesse da vontade de Letícia, ela não teria sido atleta. Só começou a treinar pela insistência de uma professora de educação física, ex-atleta do veterano João, mas chegava muito cansada em casa. "Dava migué no treino, sim. Quem não dá um migué?", admite. "Atletismo é muito sofrido. Eu queria desistir, mas meus pais não deixavam".
Aos poucos, pegou gosto pela coisa e virou uma atleta de nível intermediário, que chegava à final dos campeonatos nacionais. Até que, em 2019, não passou pelo corte no meio da final e acabou eliminada. "Eu nunca tinha pego medalha, mas também nunca fiquei fora da final. Saí no clube das excluídas, foi humilhante. Foi quando eu falei que ia treinar para valer."
Os resultados vieram, ela se classificou para o Sul-Americano, venceu a competição no início de 2021, e se classificou, automaticamente, para o Mundial que viria a ser no meio de 2022. No meio do caminho, rompeu o ligamento cruzado do joelho, jogando "três corta" após um treino.
"Foi Deus quem falou: vai ali que vai acontecer alguma coisa contigo, porque ali eu não ficaria com trauma. Imagina se fosse em um educativo de salto? Deus foi tão generoso que a lesão não foi treinando. Foi bem triste, fiquei muito abalada", lembra.
Voltando de lesão, quase sem tempo para treinamento, e com marcas muito aquém das melhores do mundo, Letícia chegou ao Mundial longe de ser cotada a fazer sequer final. "Se eu fosse pensar lá no Mundial que vim de lesão e tenho 6,64m (como melhor da carreira), não iria a lugar nenhum. Só pensei no meu, sabia que estava preparada. Sempre vou pensar isso, que vou conseguir, que se elas podem eu também posso".
Letícia sabe que a trajetória dela é rara no atletismo brasileiro, que só no Mundial passado teve 11 atletas terminando suas provas entre os cinco últimos — ante quatro entre os cinco primeiros. "Falta o povo brasileiro acreditar. Se a americana pode, por que eu não posso? Eu não estou lá de graça, por que eu não posso ganhar? Falta essa confiança. Se o pessoal confiar mais, ser positivo, com certeza o Brasil vai trazer muitas medalhas."
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