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Tandara 'beira a má-fé' ao tentar culpar farmácia por doping, diz Justiça

Tandara está suspensa do vôlei por quatro anos - GettyImages
Tandara está suspensa do vôlei por quatro anos Imagem: GettyImages

03/02/2023 04h00

A Justiça de São Paulo entendeu que a jogadora de vôlei Tandara Caixeta agiu 'beirando a má-fé' ao tentar culpar uma farmácia de manipulação por ter testado positivo para uma substância proibida no esporte. O processo corre em segredo na 2ª Vara Cível de Osasco. No âmbito esportivo, ela foi suspensa por quatro anos.

O Olhar Olímpico revelou detalhes do caso em maio do ano passado. Tandara, que estava com a seleção na Olimpíada de Tóquio quando recebeu a suspensão provisória, alegava que comprou um remédio fitoterápico (à base de plantas) em uma farmácia da zona Oeste de São Paulo e que este suplemento estaria contaminado com ostarina, um anabolizante proibido no esporte e que tem comercialização restrita no Brasil.

A farmácia em questão, porém, é especializada em fitoterápicos e não existe nenhum indício de que ela tenha manipulado qualquer tipo de anabolizante. Além disso, os laboratórios para trabalhar com essas duas classes de substâncias são diferentes.

"Não existe o mínimo indício de que a ré teria, acidentalmente, manipulado o produto. Os documentos apresentados pela ré, emitidos pela vigilância sanitária, apontam que sua licença é apenas para produzir fitoterápicos", diz a sentença do juiz Mario Sergio Leite. Tandara queria um mandado de busca e apreensão na sede da farmácia para buscar provas de que foi prejudicada.

Como não há nenhum indício de que a farmácia cometeu crime e o processo corre em segredo de Justiça, a coluna não vai expor o nome da empresa. A coluna procurou a jogadora, por telefone e WhatsApp, e também seu advogado, na noite de ontem, mas não obteve resposta. Tão logo ela se posicione, o texto será atualizado.

A decisão judicial

  • Para o juiz, os argumentos de Tandara "beiram a má-fé" e não têm a "mínima verossimilhança" -- logo, não são críveis.
  • A sentença diz que "inexiste qualquer indício de que a ré tenha manipulado a substância anabolizante, e, assim, inverossível se mostra a tese de contaminação".
  • Continua: "a ré não fabrica e não possui licença para aquisição da substância anabolizante encontrada no exame realizado".
  • Tandara também foi condenada a pagar as despesas contratuais e os honorários advocatícios.

Tese da contaminação

A defesa dela tentou comprovar a tese da contaminação no Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD), órgão responsável por julgar Tandara no âmbito esportivo.

Para isso, enviou ao Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD) um produto dizendo ter sido o comprado por Tandara na farmácia em questão, ainda que não houvessem provas de que eram. Analisado, esse suplemento continha substâncias que não estavam descritas na embalagem.

A justiça antidopagem considera a "balança de probabilidades", para determinar se houve ou não o consumo proposital da substância dopante. Tandara defendia a probabilidade de que foi contaminada, com a seguinte tese: se aquele suplemento enviado estava contaminado com a substância A, é possível que o suplemento consumido também estivesse contaminado com ostarina. Marcelo Franklin, advogado de Tandara, conseguiu várias vitórias na justiça antidoping com essa linha de raciocínio.

anos a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) afirma categoricamente que a contaminação cruzada em produtos e medicamentos é "uma hipótese extremamente improvável".

Mas os processos nos TJDAD são sigilosos e, por isso, não envolvem as farmácias citadas, que ficam impossibilitadas de exporem essa impossibilidade de contaminação. Com o processo na Justiça Civil também correndo em segredo, os tribunais não trocam informações.

Depois que a coluna deu visibilidade aos detalhes do caso Tandara, ela foi julgada pelo TJDAD e condenada a quatro anos de suspensão, pena máxima. Mas um remador conseguiu pena branda convencendo o tribunal de que consumiu suplemento contaminado vendido por uma das mais premiadas farmácias de manipulação do Rio. O tribunal não levou em conta que o suplemento comprado e a substância para qual ele testou positivo são manipulados em laboratórios diferentes.

E a ABCD, pouco depois, mudou sua política para suplementos. Desde agosto, não são mais aceitos produtos abertos como prova de defensa em infrações antidoping. "Não podemos assegurar a integralidade do conteúdo de produtos abertos, o que, por consequência, dá margem a questionamento sobre a real fonte do resultado analítico adverso", diz a decisão.

O que Tandara tem feito?

Suspensa, Tandara saiu candidata a deputada federal pelo MDB, convidada pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e pelo então governador Rodrigo Garcia (DEM). Ao longo da campanha, ela tentou colar sua imagem com a de Jair Bolsonaro, a quem declarou "apoio incondicional".

Tandara adotou o slogan "em defesa do Brasil" e passou a apresentar como principal pauta o combate às mulheres trans no esporte. Com 7.412 votos, Tandara não conseguiu se eleger — foi só a 26ª mais votada do MDB em São Paulo.

Paralelamente, também passou a se dedicar a uma ONG própria, o Instituto Tandara. A entidade recebeu uma emenda de R$ 150 mil da senadora Leila do Vôlei (PDT), liberada no fim do ano passado.