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Vôlei: Bia ajudou órfãos e vítimas no epicentro do terremoto turco

A vice-campeã olímpica do vôlei, Ana Beatriz Correa, a Bia, ajudou vítimas dos terremotos na Turquia - Reprodução/Instagram
A vice-campeã olímpica do vôlei, Ana Beatriz Correa, a Bia, ajudou vítimas dos terremotos na Turquia Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

27/02/2023 04h00Atualizada em 27/02/2023 06h14

Ana Beatriz Correa, a Bia, não teve mais uma noite inteira de sono desde que o chão debaixo da cama onde dormia tremeu no dia 6 de fevereiro. O apartamento em Aksaray, na região central da Turquia, sofreu danos estruturais, mas ninguém morreu ou se feriu gravemente por ali durante um dos terremotos que já mataram mais de 50 mil pessoas no país e na Síria.

A vice-campeã olímpica com o vôlei brasileiro em 2020 mantém vivas na memória as imagens de dor e destruição que viu de perto ao longo de mais de uma semana. Bia se juntou a um batalhão de voluntários que foi às regiões mais atingidas pelo terremoto para levar doações, solidariedade, e um pouco de amor a pessoas que perderam familiares, bens materiais e esperança.

Ainda em sua primeira temporada no vôlei turco — atualmente a liga feminina mais forte do mundo—, Bia não tinha grandes laços com o país. O dia seguinte à manhã mais assustadora da sua vida era também seu aniversário e foi celebrado em um hotel em Ancara, capital do país, para onde o elenco inteiro do Kuzeyboru se mudou por medo de um novo terremoto.

Naquela noite, falou com os pais que estava disposta a ajudar as vítimas de alguma forma e foi dormir. Quando acordou, viu uma mensagem do pai, contando que havia tomado a liberdade de passar os dados bancários da filha para uns amigos que porventura quisessem ajudar também. Não tinha mais volta.

Corrente do bem

"Eu comecei comprando as coisas e levando para os pontos de entrega. Um amigo falou que queria ver de perto tudo aquilo, e eu falei que então ia junto. Queria ajudar mais. Eu queria ver as pessoas, ter contato com elas, estar perto", contou ao Olhar Olímpico.

O amigo é outro atleta brasileiro, o jogador de futebol Souza, então capitão do Besiktas, um dos principais times turcos. Os dois se conheceram pelas redes sociais, quando ambos já lideravam correntes de solidariedade.

Com a verba arrecadada, cada um encheu um carro com compras e juntos pegaram a estrada rumo a Hatay, província onde 10 mil prédios foram destruídos e as listas de corpos retirados dos escombros não parece estar perto de chegar ao fim.

Conversando aqui e ali, eles entenderam que as vítimas do terremoto até estavam recebendo alimentação, fornecida por batalhões do Exército, mas havia outras carências. "As pessoas não estão conseguindo sair de lá. Algumas porque não têm dinheiro, e algumas porque estão esperando noticias de quem está soterrado. A pessoa fica lá o dia inteiro esperando notícias para, ao menos, se despedir".

Bia não tem ideia de quantas calcinhas e cuecas comprou para doar aos que perderam tudo. Outras peças são doadas usadas. "Quando o terremoto aconteceu, muita gente acabou se urinando. E elas estavam com as mesmas roupas até então", relata.

Diariamente, ela e Souza juntavam a verba arrecadada, iam até uma loja de departamento, enchiam o carro com roupas íntimas, produtos de higiene e outros itens, e partiam para distribuir diretamente às pessoas na cidade de Hatay.

Ali, eles deixavam de ser a medalhista olímpica e o capitão do Besiktas para serem Bia e Souza.

A partir do momento que saí do time, me tornei a Bia pessoa. A atleta ficou na cidade que eu jogava. As pessoas que perguntavam, por eu ser alta, se eu jogava, eu só falava que jogo vôlei. Nesse momento, não ia interferir nem se eu fosse a mais famosa do mundo. Com o Souza as pessoas que reconheciam tiravam foto, porque ele é muito famoso, mas a gente foi disposto a sermos só pessoas normais", Bia Correa.

Um abraço de amor

No caminho até Hatay, a dupla parou em Mersin, onde um único orfanato tinha cerca de 60 crianças que haviam perdido os pais na tragédia. São horas e olhares que Bia nunca mais irá esquecer. "As crianças perderam a base delas. Não tem como não pensar nisso. A gente foi lá para dar amor. É muito difícil para essas crianças. A gente vê algumas muito quietinhas, muito raladas, com trauma de dormir na cama".

Tudo que Bia poderia oferecer ali era amor, carinho e atenção. "A gente colocou na cabeça de oferecer amor. Como perderam as pessoas principais da vida delas, elas querem abraçar, ficar no colo, brincar. Se todo mundo fizer um pouco por eles, vai doer menos. Tinha recém-nascidos que sentem menos e crianças que já entendiam o que estava acontecendo", relata.

Segundo ela, os órfãos ficarão até três meses ali, aguardando parentes que, eventualmente, possam buscá-los. Caso isso não aconteça, eles serão colocados para adoção.

Volta para casa e crise de ansiedade

Duas semanas depois do terremoto, Bia pousou de novo no Brasil. Quando o clube questionou se ela preferia voltar para o mesmo apartamento onde estava quando o chão tremeu ou encerrar o contrato e voltar para Sorocaba (SP), ela não pensou duas vezes.

Eu sonho com o terremoto, sonho que estou ajudando, acordo ansiosa. Teve outro terremoto hoje [sexta], e já tive crise de ansiedade. É muita historia triste. Eu nunca fui muito chorona, então, eu saiba que ia entrar nas casas, escutar as histórias e ficar bem. Olhar para a pessoa e falar: 'vai dar certo'. Mas você vai sugando essa energia e quando vi que estava no meu limite, vi que era a hora de ir embora", Bia.

"Comecei a ter problema de ansiedade, parecia que eu sentia o terremoto toda hora. Quando vi que ia acontecer isso, falei: 'Vou voltar para casa'. Eu fico triste, lembro das coisas, mas tento pensar que em meio a esse caos, entreguei meu melhor a quem podia", completa.