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OPINIÃO

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Maurício é só mais um: o Brasil está cheio de atletas que correm descalços

Maurício dos Santos Oliveira, de 16 anos, venceu uma bateria descalço no Brasileiro sub-20 de atletismo - Reprodução/YouTube
Maurício dos Santos Oliveira, de 16 anos, venceu uma bateria descalço no Brasileiro sub-20 de atletismo Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

10/04/2023 13h55

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As condições "precárias" de treino de Darlan Romani, que viralizaram durante as Olimpíadas de Tóquio e não refletiam a realidade do campeão mundial do arremesso do peso, são, para mim, um símbolo de como o brasileiro médio se relaciona com o esporte olímpico.

Tanto ou mais do que estabelecer uma ligação com os vencedores, o brasileiro se conecta com histórias que mostram atletas passando dificuldades. É a chance de ir às redes sociais demonstrar revolta, culpar (qualquer) governo pela situação precária do esporte, enquanto ele "faz sua parte" compartilhando o link de uma vaquinha virtual.

É só ver o tanto que repercutiu, durante os Jogos de Tóquio, as tais condições de treinamento de Darlan Romani. O torcedor médio já estava sentindo-se mal de festejar a boa campanha brasileira sem um "apesar" — "apesar" da falta de apoio do governo, "apesar da estrutura precária". O boato de que Darlan não tinha apoio para treinar foi música para esses ouvidos, mesmo Darlan sendo um atleta muito bem assistido e muito bem-sucedido financeiramente.

Lembrei da história que envolveu Darlan em 2021 enquanto acompanhava a repercussão do relato de que um garoto correu os 400 m no Brasileiro sub-20 de atletismo porque não tinha sapatilhas tamanho 47. A família é humilde, mas a questão não é de que ele não tem condições financeiras de comprar uma sapatilha — teve duas de tamanho 45, que estouraram. O problema é que ele não encontra o produto, porque é extremamente específico, e que também o torna especialmente caro.

O problema do mato-grossense Maurício dos Santos Oliveira, porém, já está resolvido pelos salvadores da pátria. A Puma (patrocinadora da confederação) prometeu apoiá-lo. Paulo André apareceu vestindo roupas da Nike para oferecer ajuda, e mais de 100 pessoas participaram de uma vaquinha doando mais de 7,5 mil reais.

Acontece que calçar o pé 47 do garotão que foi 21º colocado na semifinal é só um band-aid para tapar uma cratera.

Da última vez em que estive em uma competição de atletismo, no ano passado, sentei para conversar com um atleta olímpico brasileiro e ele me contou que estava difícil conseguir sapatilhas. A grana é pouca, o produto é caro e de durabilidade reduzida, e o patrocinador que antes ajudava dezenas de atletas com material esportivo hoje investe pesado em um único garoto-propaganda no atletismo.

No caso do Brasileiro sub-20, o pé descalço de Maurício é só a face visível de um país que tem problemas muito mais graves do que não investir nas categorias de base, porque é econômica e socialmente desigual. Acompanhando o torneio pelo streaming, é possível ver um monte de gente sem vestimenta adequada. É comum equipes hospedadas em condições precárias, comendo pão com mortadela.

Enquanto o Brasil for um país extremamente desigual, os Maurícios sempre existirão. Nas pistas de atletismo, sem sapatilhas; nas escolas, sem cadernos; em suas casas, sem saneamento; nos hospitais, sem terem se alimentado adequadamente. Ao menos os Maurícios nos permitem mostrar, pelas redes sociais, que nós nos importamos, ainda que seja de vez em quando.

Polo aquático se classifica para o Mundial, mas não deve disputar o torneio

Seleção brasileira de polo aquático, vice-campeã pan-americana - Luiza Moraes/CBDA/PanAm - Luiza Moraes/CBDA/PanAm
Seleção brasileira de polo aquático, vice-campeã pan-americana
Imagem: Luiza Moraes/CBDA/PanAm

A seleção brasileira masculina de polo aquático venceu a Argentina por 14 a 12, e, assim como a equipe feminina, chegou ao vice do Campeonato Pan-Americano e conseguiu vaga no Mundial que será disputado em Fukuoka (Japão), em julho. O Canadá ficou com ambos os títulos.

Acontece que é bem possível que o Brasil não vá ao Mundial. Por mais que a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) seja a entidade com maior repasse do COB em 2023, ela tem que cuidar de cinco modalidades olímpicas e o cobertor é curto.

Se é para investir em polo aquático, melhor que seja com o objetivo de tentar a vaga olímpica pelos Jogos Pan-Americanos de Santiago. E, se a grana é pouca, é preferível investir em um bom camping de treinamento do que em uma viagem até o outro lado do mundo para possivelmente perder todos os jogos.

Entendo a lógica e concordo com ela. Mas é óbvio que é um cenário triste, causado pela falta de investimento privado. Até julho, não duvido que uma vaquinha seja lançada, alguma boa alma se ofereça para custear a viagem ou parte dela, e no fim as equipes joguem o Mundial. Mais um band-aid tapando uma cratera.

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