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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Filhos da geração de ouro chegam à elite do vôlei e buscam história própria

Gabriel, Pietra e Giulia são filhos de campeões olímpicos do vôlei - UOL
Gabriel, Pietra e Giulia são filhos de campeões olímpicos do vôlei Imagem: UOL

Colunista do UOL

23/04/2023 04h00

Giulia Gávio demorou a se interessar pelo vôlei porque tinha medo das comparações com o pai. Pietra Jukoski aprendeu com o irmão que o sobrenome é uma honra, mas não constrói uma história. Gabriel Negrão foi descobrir que o pai era herói de um país inteiro, não só dentro de casa, quando já era jogador de vôlei.

Nenhum dos três havia nascido quando seus pais foram protagonistas de um dos momentos mais marcantes da história do esporte brasileiro: o primeiro ouro olímpico do vôlei, em Barcelona-1992. Mais de três décadas depois, eles cavam espaço na elite da modalidade para terem, eles também, uma história vitoriosa.

"Meu objetivo é ser a Pietra. Ser filha do Paulão não me traz garantia de nada, não me traz contrato, não me traz garantia de jogar", diz a ponteira de 24 anos, que foi titular durante grande parte da boa campanha do Fluminense na Superliga Feminina.

Ela aprendeu a lição desde cedo. Ainda era uma criança quando ouviu da mãe de uma colega de time no Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, que ela só jogava porque era a "filha do Paulão".

Lembro de chegar em casa chorando, dizendo que eu não queria mais jogar. Meu pai conseguiu me acalmar, dizendo que as pessoas sempre iam falar isso, mas que eu tinha que ressignificar."
PIETRA JUKOSKI

Pietra Jukoski, jogadora do Fluminense - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Pietra Jukoski, jogadora do Fluminense
Imagem: Reprodução/Instagram

Giulia tinha sensação parecida. Fez todos os esportes possíveis antes de dar uma chance ao vôlei, aos 13 anos. Temia passar pelo que então passava o levantador Bruninho, que tinha sua presença na seleção brasileira questionada pelo fato de ser filho do treinador da equipe, Bernardinho, que liderava o time na ocasião.

Por um bom tempo ela se perguntou se suas conquistas eram consequência de ser a filha do bicampeão Giovane Gávio.

"Achava que estava ali por causa dele, mas não. Pode ser que portas tenham sido abertas por causa dele, mas eu só me mantive por mérito meu", afirma a jogadora de 26 anos, que recentemente disputou seu primeiro torneio nacional na elite do vôlei de praia.

Mais jovem, Gabriel Negrão, de 18 anos, nunca teve medo de ser comparado ao pai porque, até começar a frequentar campeonatos de vôlei, não entendia a importância do pai Marcelo Negrão.

Eu sabia que ele era campeão olímpico, mas não tinha uma dimensão de quão famoso ele era. Por isso eu não tinha pressão no início. Só fui me tocar quando vi Lipe, Bruninho, William, os caras em quem eu me inspirava, irem cumprimentar meu pai, porque eles se inspiravam nele."
GABRIEL NEGRÃO

Do Egito ao Laranjeiras

Para Pietra, ajudou o fato de ela não ser a primeira da família a seguir os passos do pai. Pedro, de 27 anos, foi levantador de equipes como Taubaté e Sesc-RJ, e está desde 2018 na Europa, atualmente no Castellana Grotte, da segunda divisão italiana. "O Pedro foi minha maior inspiração. Foi vendo ele jogar, a energia dele, que me acendeu a vontade de jogar. A história do meu pai incentivou muito, mas foi ver meu irmão que me fez querer experimentar".

Destaque no RS, Pietra era capitã da seleção sub-17 quando veio a São Paulo para ganhar experiência no time adulto do Osasco antes do Mundial. Os planos, porém, foram frustrados por uma cirurgia no joelho. No primeiro ano de adulto, estava penando para achar um time no Brasil quando recebeu uma proposta do Egito. Foi para lá mais pela "experiência pessoal" do que pelo vôlei.

Voltou por causa da pandemia, defendeu o Curitiba e teve a primeira experiência na Europa pelo LKS, da Polônia. Há um ano no Fluminense, já renovou para a próxima temporada. "Acho que nosso time teve altos e baixos, mas a gente conseguiu nos altos colocar um passo na frente", diz, em referência à campanha que fez o Flu ficar em quinto da fase de classificação.

Aos 24 anos, ela sonha com a seleção brasileira, mas não se pressiona. "Eu comigo mesma já tive muito mais de tentar provar algo para os outros. Ao longo do tempo, o pensamento era esse: corresponder a quê? O que as pessoas esperam? Eu passei a focar no que preciso para mim, o que posso evoluir. Chegar à seleção é um sonho, mas seria minha história."

Giulia Gávio, jogadora de vôlei de praia - Divulgação/CBV - Divulgação/CBV
Imagem: Divulgação/CBV

Da quadra à praia

Giulia Gávio chegou a ser campeã sul-americana sub-17, mas abriu mão de uma carreira como jogadora profissional de vôlei quando aceitou convite para estudar e jogar pela San Jose State University, nos EUA. "Eu sabia que a questão de ser atleta profissional ficaria de lado, mas eu teria um diploma", conta. A ideia era levar a vida de atleta e estudante até o fim da faculdade e, depois, ficar nos EUA. "Não tinha vontade de voltar ao Brasil".

As coisas mudaram depois que ela rompeu todos os ligamentos do joelho. Afastada do vôlei, descobriu a validade do tal "só dá importância quando perde". Quando terminou também a pós em moda, voltou para o Brasil, mas com um novo plano: jogar na areia. "Perdi completamente a confiança na quadra, não tive mais vontade de jogar. Na areia você tem menos lesão", contou ela, que está com o braço esquerdo quebrado em cinco partes, mas por um acaso do esporte.

O início no vôlei de praia foi junto com a pandemia e as coisas foram acontecendo aos poucos. No ano passado, começou a rodar o circuito brasileiro, ainda em eventos menores. Este ano, foi contratada pelo Sesc-RJ/Botafogo, projeto que inverte a lógica do vôlei de praia, oferecendo estrutura e comissão técnica aos atletas, que costumam ter de pagar por isso. Na primeira etapa, atingiu a meta para a temporada: uma vaga no top-12.

Comparada ao pai pelo braço rápido, Giulia quer disputar as Olimpíadas, mas não vive por esse objetivo. "Não fico procurando pensar lá na frente, não. Se eu falar que não penso em Olimpíadas é mentira, mas quero fazer o meu bem feito a cada dia. Se eu fizer isso, pode ser uma boa meta. Só não é algo que eu acordo todo dia pensando".

Gabriel Negrão, jogador de vôlei - Divulgação/Joinville Vôlei - Divulgação/Joinville Vôlei
Imagem: Divulgação/Joinville Vôlei

Primeiras chances

Dos três personagens desta reportagem, Gabriel Negrão é o mais novo. Na semana passada, esteve pela primeira vez em uma seleção brasileira de base, sub-21. Ficou poucos dias em Saquarema (RJ) até ser cortado. "Por causa da altura, eu tenho de matar um leão por dia", diz.

Diferente do pai, Marcelo Negrão, que tem mais de 2 metros de altura e era oposto, Gabriel é um ponteiro de 1,90m. "Eu salto muito bem, saio bastante do chão, tenho braço muito forte, mas na base se prioriza muito a altura. E eu entendo. É como meu pai diz: é mais fácil ensinar o grande a jogar do que o baixinho a crescer".

Os dois trabalharam juntos na base do Sesi, onde Gabriel começou a carreira e o pai foi treinador. O garoto passou pelo Centro Olímpico, também em São Paulo, e jogou na última temporada pelo time de Giovane, o Joinville. Aos 18, quase não entrou em quadra, mas ganhou experiência e o título da Superliga B.

O pai fez caminho contrário como técnico do Rede Cuca, que foi rebaixado na Superliga. Gabriel até poderia acompanhar Marcelo em Fortaleza, mas sabe que o momento é de construir a própria história. "Acho que ainda não estou no momento de jogar com meu pai como técnico. Preciso ter mais rodagem para chegar mais pronto. Preciso passar por outras experiências para a gente se encontrar mais para frente", diz Gabriel, que já está fechado para defender o São José/Farma Conde.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, Gabriel Negrão joga com ponteiro, e não como oposto. O erro foi corrigido.