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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Casal formado na seleção volta ao Mundial 3x3, agora como família

Sassá, Nallu e Lays com a camisa da seleção brasileira de basquete - Arquivo pessoal
Sassá, Nallu e Lays com a camisa da seleção brasileira de basquete Imagem: Arquivo pessoal

29/05/2023 09h29

Basta ganhar um pouco de confiança com alguém que conheceu, e Nallu cochicha uma grande revelação: "Vou te contar um segredo: a mamãe e a tia Lays são namoradas".

Aos 5 anos, a filha da pivô Sassá já entendeu que a armadora Lays, a quem chama de tia, é sua madrasta. E, aos poucos, está percebendo que, na verdade, isso não é segredo para ninguém.

O amor que nasceu durante o Mundial de Basquete 3x3 de 2021, em Miami (EUA), nunca foi um tabu. Dois anos depois, o casal volta à competição dividindo quarto na concentração, alegrias, angústias, e, agora, uma família.

O velho preconceito

Se dependesse da aceitação do basquete feminino brasileiro a uma atleta que também é mãe, as duas jogadoras da seleção brasileira nunca teriam se encontrado. Destaque na base, Vanessa 'Sassá' foi compulsoriamente aposentada em 2017, aos 23 anos, depois que teve bebê.

"O Santo André continuou me pagando até depois que a bebê nasceu, me ajudou — tem clube que nem faria isso —, só que eles acharam que eu não estava preparada para voltar depois de ser mãe", conta Sassá. E o clube do ABC, o mais tradicional do basquete brasileiro, não estava sozinho nessa. Por três anos, ninguém quis a pivô que, na temporada antes de engravidar, havia tido boa média de 8,6 pontos por jogo.

Muito mais do que frustrada, Sassá ficou "puta". "Eu jogo na seleção desde os meus 15 anos. Não sou uma Damiris, uma Erika, mas ajudei muito. Fiquei puta de perceber como o mundo é. Eles acham que a gente que é mãe não vai priorizar o trabalho porque a gente tem uma criança. Pelo contrário! A gente quer muito mais pelos filhos", continua.

Durante três anos, teve que se virar para criar uma filha sem a ajuda do ex-companheiro e sem receber oportunidades na carreira que escolheu seguir. "Fiquei três anos como autônoma, como massoterapeuta. Minha mãe era diarista. Quando ela podia ficar um pouco mais em casa com a Nallu, eu podia trabalhar um pouco mais. Quem me ajudava mais era a madrinha da minha filha, inclusive financeiramente. O pai dela, zero."

Mas Sassá não desistiu do sonho. Para manter a forma física, corria empurrando o carrinho de bebê que ficava na beira da quadra, com Nallu, para ela treinar com bola. "Foi um tempo muito difícil, mas foi essencial para mim", diz a pivô. Lays completa: "Ela valorizou mais essa volta para tentar ser atleta. Ela é capitã do nosso time, e sempre tenta falar sobre isso. Vocês não sabem quanto é difícil a vida sem ser atleta, valorizem isso daqui que o basquete dá."

Sassá só foi aceita de volta no basquete feminino quando provou que ser mãe não a impediria de voltar a jogar como sempre. Defendeu um clube de fim de semana no Paraná, o NBPG Ponta Grossa, e se reencontrou no 3x3. "Aí o Santo André falou: é, dá para voltar".

Amor na seleção

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Aqui começa a história do casal. No retorno para Santo André, em 2021, Sassá conheceu Lays, armadora que só estreou na LBF quando a pivô já estava afastada. Viraram amigas, confidentes, e, convocadas juntas à seleção de 3x3, também colegas de quarto. Uma hora a amizade virou paixão.

"Quando eu me apaixonei pela Lays, eu falei para ela: Aproveita sua vida agora, porque a gente vai ficar junta para sempre", conta Sassá, que se assumia bissexual. Lays, por sua vez, não escondia ser homossexual.

O casal manda os tabus às favas para contar que o primeiro beijo aconteceu durante a concentração para o Mundial de 3x3, quando elas dividiam quartos e desabafaram, uma com a outra, sobre relacionamentos frustrados. Elas nem precisaram sair contando que estavam namorando. Aos poucos, todo mundo percebeu.

Não teve aquilo de: 'Será que a gente pode andar de mãos dadas? Será que a gente pode dar um beijo quando quiser dar um beijo?' Essas coisas realmente não tem com a gente. Foi muito natural e, depois de a gente assumir, outras pessoas também passaram a se assumir", afirma Lays.

"As pessoas falam: por causa de vocês a gente teve coragem", continua Sassá. "Não sei como é nos outros esportes, mas no basquete tem sido cada vez mais aberto. As pessoas conseguem se entregar mais, ser quem elas quiserem. Na seleção mesmo todo mundo apoia, dizem que somos um casalzão." Diferente do basquete de quadra, no 3x3 as competições masculinas e femininas são concomitantes e as seleções viajam juntas.

Família e Mundial

Nallu gostou de saber que Lays, que até então dividia uma república com outras jogadoras do time, e passava algumas noites na casa de Sassá, passaria a morar com elas. "Acho legal, ela tem videogame e a gente vai poder jogar videogame", opinou, quando consultada pela mãe.

Aos poucos, ela foi entendendo que a "tia" era também sua madrasta, não sem antes se assegurar que Lays não era seria uma "madrasta má", como aquelas dos filmes de princesa.

Hoje, as três dividem mais do que uma casa. Dormem inclusive no mesmo quarto. "Eu sou um pouco nova, mas eu sempre quis ter uma família. Não me intrometo na criação dela, até porque quando ela for mais velha a gente vai se dar muito melhor do que ela vai se dar com a Vanessa", diverte-se a madrasta. "Mas é uma coisa legal que eu tô aprendendo.

Para que elas pudessem participar de dois estágios curtos de treinamento e viajassem à Áustria, onde acontece o Mundial, Nallu ficou com a avó. Vai acompanhar pela internet a campanha do time que tem, além de Sassá, outra mãe: Thayná, de 25 anos.

A ala estreou na LBF com uma temporada espetacular pelo São Bernardo em 2018, contratada por sugestão da própria Lays, mas engravidou na sequência. Apoiada pela direção da LSB, equipe do Rio hoje conhecida como Sodiê/Mesquita, voltou já temporada seguinte, de 2021, como cestinha do torneio. Repetiu o feito em 2022, e lidera a estatístico da novo em 2023. A filha dela, Aylla, tem três anos.

O Brasil, que ainda conta com a pivô Luana, do Sesi/Araraquara, caiu em um grupo duríssimo contra a Áustria, dona da casa, e três das quatro primeiras colocadas do último Europeu. A estreia é amanhã, contra a França, atual campeã mundial. Também amanhã, as brasileiras ainda enfrentam as holandesas, vice-campeãs europeias.

"O Brasil não tem essa estrutura de fazer a gente viver só de 3x3, e precisamos jogar o cinco [basquete de quadra]. Lá fora a realidade é outra, elas vivem disso, de 3x3, jogam o ano todo. Por isso, saem na frente, mas a gente está muito confiante, de verdade. No cinco tem as preferidas [do treinador], uma precisa da outra. No 3x3 é você e você. A gente está com esperança de dar bom. O time é alto, é forte, é rápido", opina Sassá.

Ao fim do Mundial, o casal volta a se dedicar ao Santo André, que é vice-líder da LBF. O próximo jogo da equipe é no dia 8, contra o BAX Catanduva. Todas as partidas são exibidas pelo UOL.