Leandro Guilheiro transforma matemática em arma do judô brasileiro

Um matemático, mestrando em matemática pura aplicada, aceita ser o técnico principal de uma das vitoriosas equipes esportivas do país. Só que, como ele não tem formação em educação física, a confederação o impede de assumir o cargo. Graças a uma decisão do STJ, porém, ele consegue a autorização e, aplicando os fundamentos da matemática, começa a inovar no comando do time, que ganha duas medalhas no Campeonato Mundial.

A história parece ficcional, mas é real, e tem como protagonista um dos maiores judocas da nossa história: Leandro Guilheiro. Aos 39 anos, o dono de duas medalhas olímpicas está fazendo mestrado no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), no Rio, ao mesmo tempo em que trabalha como head coach da equipe do Pinheiros, time de Baby e Bia Souza, medalhistas de bronze no último Mundial de Judô.

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"Eu faço matemática todo dia", diz ele. "Umas das coisas que a matemática pura tem é que você não faz conta; você demonstra. Minha cabeça ficou muito mais lógica. Eu penso de forma matemática todos os dias, do ponto de vista estratégico. Do ponto de vista mais abstrato, eu faço matemática todos os dias", continua.

A contradição entre a formação em matemática e o cargo que Guilheiro ocupa chegou a ser problema. Aposentado como atleta depois de uma carreira inteira como judoca do Pinheiros, ele inicialmente foi contratado como "consultor" da equipe, uma vez que não poderia ser "treinador" por não ser inscrito no Conselho Regional de Educação Física (CREF).

O entrave só foi solucionado quando o medalhista olímpico conseguiu convencer a CBJ da validade de uma decisão do STJ que rejeita a obrigatoriedade de CREF para ministrar aulas de judô e outras artes marciais, prevalecendo a graduação de faixa — e ele é sexto dan.

Agora, essa contradição é solução, porque o matemático traz ao judô um olhar novo. "Quando a gente pega a literatura de performance no judô, ele é feito por pessoas que vieram da educação física. Tem um viés mais acadêmico, de educação física, que não tem o treinamento quantitativo, estatístico, matemático. Tem muita coisa publicada de performance que não te diz muita coisa. Então comecei a fazer contas", relata.

Na falta de dados disponíveis, começou a criar os dele, inclusive um ranking mundial próprio, que leva em consideração o resultado dos confrontos diretos entre atletas, quem perde de quem, o que permite a ele ver tendências. Durante o Mundial de Judô, desenvolveu um código de programação para fazer scouts de lutas. Ele e Maria Suelen Altheman, treinadora da equipe feminina do Pinheiros, combinaram de assistir a todas as lutas do Mundial para fazer uma modelagem.

Como é isso exatamente? Guilheiro não diz. "Isso faz parte da nossa inteligência aqui do Pinheiros, coisa que a gente não publica. Faz parte da nossa vantagem competitiva", justifica. "Quero dar um salto para a gente ter algumas coisas que não tem no treinamento de ninguém, coisas que vão deixar a gente na frente."

De dentro para fora do tatame

Guilheiro não tinha planos de ser treinador de judô até receber uma proposta quase irrecusável: ser técnico da seleção masculina da França, país campeão olímpico em Tóquio-2020 nas equipes mistas. Ele chegou a viajar a Paris, palco da próxima Olimpíadas, mas não se viu lá.

"Eu ficava me imaginando lá como técnico, com um francês lutando contra o William [Lima], que tinha lutado naquela semana contra um francês. A decisão acabou sendo fácil. Eu nunca tinha pensado em ser treinador, então, se fosse para eu ajudar alguém, que fosse o meu país."

Contratado depois como head coach do Pinheiros, voltou a trabalhar com seus antigos colegas de clube, como Rafael Silva. Mas não se afastou dos estudos, pelo contrário. Passou a unir as duas coisas. Tanto que a dissertação dele está caminhando para ser o estudo de dados de lutas de MMA — "já que o único que vai se interessar por judô sou eu".

"Estou aprendendo muito em como modelar as variáveis. Por exemplo: será que quem entra mais golpes ganha a luta? Enquanto as pessoas pensam muito em médias, média de tempo de luta, por exemplo, eu tenho uma visão mais completa, de como a luta funciona. A gente pode pensar em luta como diversas sublutas, que duram do hajime (começar) o comando de matte (esperar). Se a gente souber quanto tempo tem a subluta, a gente consegue fazer um treino físico para isso", ele explica.

No cargo há um ano, Guilheiro diz que já vê resultados desse trabalho, mas entende que o caminho é longo, e passa por um choque cultural dentro da estrutura de trabalho no clube. "É outra forma de trabalhar."