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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Ana Moser vai de liderança a vilã com vetos à Lei Geral do Esporte

Ana Moser, Lula e Leila Barros - Ricardo Stuckert/Presidência da República
Ana Moser, Lula e Leila Barros Imagem: Ricardo Stuckert/Presidência da República

15/06/2023 19h05

De principal articuladora da Lei Geral do Esporte (LGE) no Congresso enquanto líder da Atletas Pelo Brasil, a agora ministra do Esporte Ana Moser está sendo tratada como vilã. O texto final sofreu 134 vetos presidenciais e não atingiu seu objetivo de reunir em uma só lei todo o arcabouço legal do esporte. Entidades esportivas e velhos aliados passaram o dia reclamando da ex-jogadora de vôlei. Procurado, o ministério não quis comentar.

"Não estou entendendo como a Câmara dos Deputados errou tanto. Se teve aprovação da própria base do governo, como pode ter tanto veto? Antes de vetar não teve nenhum tipo de diálogo com gente da base", reclamou o deputado Felipe Carreras, líder do PSB, relator da Lei Geral do Esporte na Câmara e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Esporte.

Pessoas que acompanharam de perto a tramitação da LGE ao longo dos últimos oito anos, e que estiveram ao lado dela na trincheira durante este período, disseram à coluna que perderam a confiança em Ana. "Em nenhum momento ela chamou a comunidade esportiva para dialogar. Fomos todos pegos de surpresa com a maioria dos vetos", reclamou um dirigente de uma grande entidade esportiva. Antes elogiada pela capacidade de diálogo e liderança, a ex-jogadora agora é criticada pelo oposto.

O Olhar Olímpico apurou que o Ministério do Esporte apresentou inicialmente dezenas de sugestões de vetos, o que surpreendeu inclusive membros do governo. O natural é que o ministério mais diretamente envolvido em uma lei encampada pelo governo trabalhe internamente para que ela seja sancionada na íntegra, liderando o diálogo os demais ministérios. O Esporte não teria cumprido esse papel. Pelo contrário: criou desgaste para o Planalto.

Percebendo que os vetos poderiam gerar mal-estar, a secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República chamou as sete entidades que gerem o esporte no país, incluindo COB e CPB, para conversar, na segunda (12). De lá, os dirigentes foram para o prédio do Ministério do Esporte, onde tiveram uma reunião tensa com Ana Moser, que se negou a apresentar as sugestões dela de veto.

Como o Olhar Olímpico contou ontem, a discussão acontecia em torno de três artigos que tratam da autonomia dessas entidades. Ana Moser queria o veto, que comitês e confederações tratavam como prioridade manter. O Comitê Brasileiro de Clube (CBC) pediu que seus associados, com urgência, se mobilizassem pela internet contra os vetos, utilizando seus "principais atletas" para convencer a opinião pública.

Nem deu tempo. Ontem à noite, o Ministério do Esporte tuitou uma foto de Lula, Ana Moser e a senadora Leila Barros (PDT-DF) celebrando a sanção da lei, o que todos esperavam que só aconteceria na sexta. Só de madrugada, com a publicação no Diário Oficial, as entidades ficaram sabendo que os artigos não haviam sido vetados, após articulação de Carreras e da própria Leila.

A subseção sobre autonomia foi mantida, com o veto a um único dispositivo, mas a lei, de 218 artigos, teve 134 vetos, um número considerado excessivo. Alguns, como da isenção de impostos para importar equipamentos esportivos e da institucionalização da Lei de Incentivo ao Esporte (que segue com data para acabar), entraram na conta do Ministério da Fazenda. Outros, da Justiça. Mas muitos tratam apenas de questões esportivas, e foram para a conta de Ana Moser.

"A atitude dela foi muito ruim, o símbolo da atitude foi muito ruim. Não estou entendendo o que o governo está querendo. A construção da lei foi a mais democrática possível, a mais transparente possível, porque ela se deu através de audiências públicas que todo mundo pôde acompanhar. Qual o recado que o governo passa com esse tanto de veto?", questiona Carreras.

O texto que sofreu 143 vetos havia sido aprovado por unanimidade no Senado, com apoio do governo. Antes, passara pela Câmara com ampla maioria, graças principalmente à articulação do PT e do PSB, partidos do presidente Lula e do vice Alckmin. Agora, volta ao Congresso para deputados e senadores decidirem se mantêm ou derrubam o veto.

Entidades esperavam que a sanção da lei, depois de oito anos de discussão, uma vitória do esporte, fosse transformada em ato de governo na sexta (16), quando imaginavam que Lula sancionaria o texto. O melhor sintoma do clima de velório foi a assinatura a portas fechadas, antes do imaginado. Ainda que a LGE tenha trazido novidades importantes, muita coisa foi perdida. Nem a Lei Pelé foi revogada, o que significa que o Brasil hoje tem dois sistemas nacionais do esporte, concorrentes e muitas vezes contraditórios.

A lei sancionada não cria nem o Fundo Nacional do Esporte, nem o Plano Nacional do Esporte, dois pilares do projeto. Também foi vetada, por vício de iniciativa, a criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte

Tudo isso ainda pode acontecer por outros caminhos, já que, também ontem, Lula despachou que o Esporte tem 90 dias para "coordenar, em articulação com os demais Ministérios com competências relacionadas ao tema, a apresentação de sugestões com vistas a preencher eventuais lacunas normativas e suprir dúvidas interpretativas" relativas à LGE.