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Russo tenta fisgar boxeadores pelo bolso e evitar que COI expulse federação
Amanhã (22) deve ser um dia histórico no movimento olímpico. A assembleia geral do Comitê Olímpico Internacional (COI) vai atender uma convocação urgente e votar a recomendação para que a IBA, antiga AIBA, a Federação Internacional de Boxe Amador, seja desfilada. Será a primeira vez na história contemporânea que o movimento olímpico vai expulsar uma entidade.
"Vamos provar que somos a melhor federação internacional. Nós não perdemos nada, eles é que perdem. Eles perdem a cultura do esporte, da Carta [Olímpica] que foi escrita há séculos. Eles que a criaram e perdem a essência", afirmou ao Olhar Olímpico o russo Umar Kremlev, presidente da IBA.
Ele veio de jatinho particular ao Brasil na semana passada, como parte do seu tour mundial tentando fisgar atletas e dirigentes pelo bolso. Em São Paulo, hospedou-se com sua equipe no Palácio Tangará, onde uma diária custa pelo menos R$ 15 mil, e trouxe consigo 500 pares de luvas, que doou a jovens de equipes da região metropolitana durante um evento no CT da Confederação Brasileira de Boxe, em Santo Amaro.
Ali, discursou em russo, com auxílio de um tradutor, diante da elite da seleção brasileira. Prometeu que, nos Mundiais do ano que vem, vai pagar US$ 400 mil para o campeão, o dobro da premiação do torneio masculino deste ano. O valor é muito diferente da realidade do esporte olímpico internacional. O campeão mundial de judô, por exemplo, recebe cerca de US$ 20 mil, vinte vezes menos.
De São Paulo, Kremlev voou para Brasília para encontrar os presidentes das federações do continente e prometer um auxílio financeiro para cada uma delas. Também foi ao Ministério do Esporte, onde se comprometeu a trazer eventos para o Brasil — naturalmente, bancando tudo.
"Para mim isso não é trabalho, para mim é minha vida, e eu coloco todas as minhas forças nisso, mesmo meu próprio dinheiro. Faço por amor. Eu quero, primeiramente, que todos os atletas sejam pessoas sem problemas sociais, sem falta de dinheiro, e por isso fazemos fundos monetários para nossos campeonatos. Queremos dar independência financeira a eles", justifica.
Por mais que Kremlev diga que a IBA vende ingressos e diversos diretos relativos às competições, a conta não fecha. Sem receber recursos do COI, já que está suspensa, a entidade tinha orçamento de US$ 12 milhões para o ano fiscal que termina este mês e despesas que somavam muito perto disso. Mesmo assim, promete US$ 20 milhões em prêmios só para os dois Campeonatos Mundiais — há um masculino e outro feminino —, e pagar prêmios expressivos também em competições continentais.
Kremlev foi funcionário do governo russo e, por mais que tenha lutado boxe na juventude, só ganhou destaque no cenário político da modalidade em 2017, quando virou secretário-geral da federação da Rússia. No ano seguinte, chegou ao mesmo cargo na IBA, sendo eleito presidente em 2020 com declarado apoio do Kremlin.
Com ele no cargo, a entidade ganhou o patrocínio da Gazprom, a gigante estatal russa de gás, que virou a fonte de ouro do boxe e de Kremlev. As vontades de Putin passaram, então, a prevalecer. A sede da IBA foi transferida da Suíça para Moscou e a Ucrânia foi suspensa, em movimento contrário ao restante do esporte, que puniu a Rússia pela guerra.
Histórico de problemas
Quando o russo se tornou secretário-geral da IBA, em 2018, a entidade já estava enroscada até o pescoço e suspensa pelo COI. A história é longa, mas, em resumo, a gestão do chinês Wu Ching-kuo, no cargo desde 2006, foi acusada de desviar recursos e de usar árbitros para manipular resultados de diversas competições, inclusive as Olimpíadas do Rio. Em 2021, um relatório confirmou essas acusações — leia mais sobre ele aqui.
Quando a IBA já estava sob risco de ser suspensa pelo COI, a modalidade elegeu o uzbeque Gafur Rakhimov como presidente. Ele consta em uma lista do governo norte-americano como um dos maiores narcotraficantes do mundo, especializado em heroína, e por isso não podia pisar em diversos países, sob risco de ser preso.
Rakhimov falhou em realizar as reformas solicitadas pelo COI e a IBA perdeu o direito de organizar o torneio olímpico de Tóquio-2020, que foi administrado por uma força-tarefa do comitê olímpico. Pressionado, ele renunciou em 2020, quando já estava claro que o russo Kremlev seria seu sucessor.
Agora, Kremlev aponta o dedo para Wu e para o COI para explicar os problemas de sua entidade. "Não devemos esquecer que o membro do COI senhor Wu Ching-kuo foi presidente de IBA. O que ele trouxe? Corrupção e falência. Nós salvamos a federação e fizemos ela ser independente", justificou o dirigente.
Na reunião com federações do continente em Brasília, Kremlev foi ainda mais duro. "Não vou usar o termo mister porque para nós ele não é um mister, é um criminoso que estava matando o boxe. Essas pessoas devem ser fuziladas, porque roubaram as federações nacionais, os boxeadores, e o COI está em silêncio sobre isso, embora essa pessoa (Wu) tenha sido membro do COI por muito tempo, é gente deles", afirmou. Wu concorreu à presidência do COI em 2013, perdendo a eleição para Thomas Bach, e depois do escândalo, deixou de ser membro da entidade e de seu conselho executivo.
Próximos passos
O movimento olímpico usa a sigla IF (international federation) para fugir de traduções e mudanças de nome para descrever quem manda em cada modalidade. A IF do futebol é a Fifa. A IF do vôlei, a FIVB. A quinta-feira será o último dia da IBA como IF do boxe. Mas isso não significa que a entidade vá acabar. "Nós vamos continuar a fazer os melhores eventos", comentou Kremlev.
Organizando torneios que distribuem dinheiro aos vencedores, a IBA se tornaria mais uma das várias federações internacionais de boxe profissional que coexistem fora do movimento olímpico, ainda que mantenha o 'amador' no nome. Pagando premiações altíssimas (Bia Ferreira ganharia R$ 2 milhões por um eventual tricampeonato), pode se tornar uma nova concorrente para o boxe olímpico.
O presidente da Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe), Marcos Brito, lembra que a modalidade já está acostumada. "A gente enfrenta isso desde sempre. Vamos tirar o exemplo de 2012 [das Olimpíadas], que tivemos três medalhistas. Acabou e foram para o profissional. Tivemos o Robson [Conceição, ouro no Rio], e na semana seguinte ele estava viajando para os EUA. Tivemos o Hebert [Conceição, ouro em Tóquio], em 15 dias ele estava indo para o profissional. Um amigo meu que é agente falou: 'Por que o cara vai para o profissional, se tem a IBA? É uma visão de business diferente, mas é o que a gente já está acostumada, não muda muito."
Caso a assembleia do COI siga a recomendação recebida, o boxe continuará a ter um torneio em Paris-2024, organizado de novo pela força-tarefa. Depois disso, a tendência é uma nova entidade ser aceita como a nova "IF do boxe", já pensando em Los Angeles-2028. A candidata é a World Boxing, recém-criada pelos Estados Unidos e pelo grupo de oposição a Kremlev, encabeçado por Boris van der Vorst, holandês que teve sua candidatura impugnada na última eleição da IBA, que reelegeu o russo.
Marcos Brito diz que a CBBoxe vai para onde o COI determinar. "O boxe brasileiro, a CBBoxe, é eminentemente olímpico. Nosso interesse é estar no olimpismo. Se a IBA tiver uma decisão contrária e for necessário que a gente faça uma alteração de rumo, nós vamos fazer", afirmou à coluna, enquanto estava a um passo do presidente da IBA.
Cabe à IF da modalidade filiar as NF (federações nacionais), uma de cada país. Depois, o NOC (comitê olímpico nacional, o COB no caso do Brasil) também a incorpora. Se a CBBoxe não se filiar à World Boxing, outra entidade o fará, e passará a ser a NF do boxe no Brasil, fazendo jus a receber recursos das Loterias.
A novela, porém, ainda está longe de terminar. A IBA já apresentou recurso à Corte Arbitral do Esporte (CAS) e promete ir às últimas consequências para não ser punida.
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