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Dardo de bambu e treinos na aldeia levam indígena ao Troféu Brasil
A lista de participantes do Troféu Brasil de Atletismo, que começa amanhã (6) em Cuiabá com transmissão do UOL, tem atletas de grandes clubes sociais como Pinheiros e Sogipa, de associações e institutos. Yuri Benites é o único que representa uma etnia. Ao lado do nome do atual campeão brasileiro sub-18 do lançamento do dardo aparece o nome da escola do seu povo: 'Guarani Kaiowá'.
Yuri mora na terra indígena Amambai, em município de mesmo nome, no Mato Grosso do Sul. Dos pouco mais de 8 mil guaranis kaiowás que constituem a segunda maior comunidade indígena do estado, ainda falantes do tupi-guarani como primeira língua, poucos tiveram a oportunidade de ir para a cidade e cursar uma faculdade.
Um deles é seu pai, Joselino, trabalhador rural, que agora, aos 42 anos, está fazendo faculdade de enfermagem. Outro, o educador físico Miller Borvão, que saiu da aldeia para estudar, e voltou em 2016 com a ideia de ensinar a garotada a praticar esportes no projeto Mbyjarã (Estrela do Futuro), ligado à escola do polo indígena Guarani Kaiowá.
"Na faculdade, conheci várias áreas, vários esportes, e vi que o atletismo tem um gosto a mais. Quando voltei para a comunidade, já existia um projeto iniciado, e eu dei continuidade. Logo no primeiro ano surgiu o Yuri", conta o técnico.
Ainda que as casas da aldeia sejam de alvenaria e haja uma estrada asfaltada de cerca de cinco quilômetros ligando onde eles moram à escola, a estrutura para a prática esportiva no local é precária — ao menos para o esporte olímpico de elite.
Próximo à escola, há uma grande área coberta de terra, com duas traves, que funciona como campo de futebol. E, ao redor dele, um espaço gramado ainda maior. Ali, os treinos acontecem de forma inversa ao atletismo tradicional. As corridas são no centro do campo. Os arremessos e lançamentos, no entorno.
Até o começo deste ano, os implementos (o peso da prova de peso, o disco da prova de disco...) eram improvisados. Os dardos, por exemplo, eram varas bambu e tinham peso e envergadura diferente do dardo usado no atletismo. "A primeira vez que eu peguei em um dardo oficial, nem parecia que era a mesma coisa, era muito mais pesado", conta Yuri.
Ele chegou à escolinha de atletismo aos 11 anos e sempre mostrou talento. Filho de uma professora, pediu para a mãe para que deixasse se juntar ao grupo de jovens atletas e, logo na estreia, viajou a uma cidade vizinha para ganhar nos 100m e no arremesso de peso. Chegou a ser campeão escolar do estado nessas provas, mas pediu para mudar. Gostava do dardo.
"Comecei a treinar com os caras que faziam dardo e, em dois meses, já estava melhor que eles. Na minha primeira competição, bati o recorde estadual sub-16. Foi aí que eu vi que era bom nisso", relembra. Desde então, coleciona medalhas importantes. Foi primeiro campeão brasileiro no sub-20, em 2021, e só depois no sub-18, em 2022. Se antes mal saía da aldeia, hoje já tem no passaporte viagens para o vizinho Paraguai, o Peru e a Colômbia.
Este ano, foi para o Sul-Americano Sub-20, em Bogotá, mesmo machucado. "Fui porque queria que meu povo se espelhasse em mim, soubesse que eu não desisto fácil. Eu vejo uma molecada que fala que eu sou exemplo para eles, que eles querem ser iguais a mim, usar a camisa do Brasil também".
Por causa dos resultados dele, a estrutura de treinamento para o projeto Mbyjarã tem melhorado. Em 2021, quando Yuri, então com 16 anos, já era campeão brasileiro sub-20, o comentarista de atletismo e treinador Cleberson Yamada doou os primeiros dardos oficiais para a escolinha. Este ano, o governo estadual doou implementos oficiais: pesos, discos, dardos e até martelos. Na semana passada, a comunidade recebeu o presidente da federação estadual de atletismo, para medir a área onde futuramente, promete a entidade, será construída uma pista de atletismo.
Apesar desses avanços, a realidade ainda é dura. No seu primeiro Troféu Brasil, Yuri não estará com seu treinador em Cuiabá, na prova que acontece domingo. A passagem aérea desde Campo Grande está custando mais de R$ 2 mil e, como professor da rede municipal, Miller não tem dinheiro para fazer tal investimento.
Ainda sem conseguir lançar o dardo além de 60 metros este ano, com resultados distantes dos 71,18m que o fizeram campeão brasileiro sub-18 no ano passado, Yuri tem como meta terminar entre os oito primeiros. Com mais um ano de categoria júnior, ele tem planos ousados para o futuro. "Eu tenho vontade de sair daqui, treinar em um lugar maior, com mais estrutura, e levar o nome dos povos indígenas para um Mundial, para as Olimpíadas."
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