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Olhar Olímpico

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Atletismo impulsiona brasileiros até universidades nos EUA

Alan de Falchi, atleta do lançamento do disco - Divulgação
Alan de Falchi, atleta do lançamento do disco Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

06/07/2023 04h00

O primeiro dia de competições do Troféu Brasil de Atletismo, que vai até domingo em Cuiabá (MT) com transmissão do UOL, tem entre seus protagonistas três atletas que só receberam a oportunidade inesperada de cursar uma universidade nos EUA porque foram catapultados pelo atletismo.

Alan de Falchi é o líder do ranking nacional do lançamento do disco, Ana Caroline a melhor do país neste ano no martelo e no peso, e Miriele Estaili é a segunda no salto em distância.

Não que brasileiros competindo por universidades norte-americanas seja uma novidade. Joaquim Cruz foi lapidado pela Universidade do Oregon para ser campeão olímpico em 1984. Mas, ao longo das últimas décadas, isso deixou de ser uma constância, em parte por um fator sócio-cultural.

Se a natação tem diversos bons atletas vindos da classe média e alta, com acesso desde cedo a cursos de inglês, no atletismo a realidade é outra. "Quando eu treinava em São Caetano, eu precisava pegar um ônibus, um trem e outro ônibus para treinar. Quando me transferi para São Bernardo, passou a ser um ônibus, um trólebus e 2 km andando. Hoje eu ando cinco minutos para chegar no local de treinamento", conta Alan de Falchi, da Universidade do Alabama.

Ele não sabia falar inglês quando se destacou em competições de base no disco e foi convidado para estudar na Universidade de Nebraska. Como não havia tempo hábil para passar nas provas de proficiência na língua, foi para os EUA mesmo assim, mas para estudar em um Junior College, como são chamadas as faculdades comunitárias, com infraestrutura incomparavelmente pior do que as da elite da NCAA.

"Tem quem ache que é o paraíso, mas não é nem de perto. Passei por muito perrengue. Tive que trabalhar cortando grama, limpando piscina, tirando galho. Quando estava no Junior College, trabalhei um ano em cafeteria. Tinha bolsa integral, mas precisava pagar o seguro saúde", explica.

Ana Caroline Silva tem trajetória parecida. Natural de Belo Horizonte, trabalhava para pagar a faculdade no Brasil quando foi convidada para estudar nos EUA. Praticamente sem saber falar inglês, não conseguiu estudar a tempo de ser aprovada no exame de proficiência e mudou-se para a América do Norte inicialmente para fazer um Junior College.

"O atletismo foi sem dúvida a chave de abertura de todas as portas, não só para estudo, mas como pessoa, para aprender uma língua nova, conhecer culturas, pessoas", diz. Já treinando e competindo pela Universidade da Georgia, estava fora do radar da área técnica da CBAt quando, há um ano, assumiu o terceiro lugar do ranking brasileiro de todos os tempos no peso, atrás apenas de Elisângela Adriano e Geisa Arcanjo.

Neste ano, repetiu a dose no martelo, prova em que também lidera o ranking nacional. "Peso sempre foi a prova principal, e o martelo uma complementar, mas hoje em dia estou fazendo as duas, ainda que com um pouco mais de foco no peso", explica.

Comunidade

Ela, Alan e outros atletas brasileiros nos EUA têm um grupo de WhatsApp com uma dúzia de participantes. Três deles bateram na trave para serem "all-American" nesta temporada — ou seja, terminarem entre os oito primeiros o torneio final da NCAA. Ele e Alencar Pereira, do dardo, foram nono colocados. Ana Caroline foi décima no martelo e 14ª no peso.

É uma comunidade que está crescendo. Samory Uiki não chegou a se destacar no NCAA (se despediu como 15º no salto em distância), mas, quando voltou ao Brasil, conseguiu uma surpreendente classificação às Olimpíadas de Tóquio. Depois dele, Vitória Sena, dos 100m com barreiras, e Mirieli Estaili, do triplo, receberam oportunidade.

"Recebi o convite de umas sete faculdades depois de ganhar o Mundial Escolar. Só que eu não falava inglês, e tive que correr atrás. Tive que fazer o Toefl [exame de proficiência] três vezes para passar. Mas valeu muito à pena. Eu nunca tinha pensado em fazer faculdade nos EUA. Se não tivesse acontecido essa oportunidade, eu não sei como eu continuaria no atletismo", conta Mirieli.

Natural de Sorriso, no Mato Grosso, ela estreou na NCAA com um expressivo sexto lugar no campeonato nacional de 2019 pela Universidade do Missouri. Depois disso, sofreu com duas lesões de ligamento cruzado anterior (LCA) e quase não competiu mais. Só voltou este ano, saltando 13,44m no campeonato da conferência, marca que a deixa em segundo do ranking brasileiro.

Com mais um ano de elegibildiade na NCAA, vai se formar na universidade no fim de 2023 e já engatar um mestrado ou um MBA. Uma história que serve de inspiração para outras duas garotas de Sorriso, que também já têm convite para estudar nos EUA. "Fico contente de ser inspiração. Esse sonho nunca havia cruzado a minha mente até vir o convite. Foi uma possibilidade lá atrás e hoje está surgindo também para outras pessoas", comenta.