Bipolar, nadador brasileiro se expressa nas unhas após luta para sobreviver
"Se a gente está na guerra, é para ganhar", diz Felipe Ribeiro, batendo no peito, ao me responder sobre as chances de o revezamento 4x100m do Brasil vencer os EUA na final desta tarde, no Pan. Reparo que as unhas estão pintadas de preto. Exceto as dos anelares, com um esmalte pink.
O que será que elas significam, pergunto. "É o rockstar", brinca um colega de equipe. Mas é mais do que isso. As unhas coloridas são uma das formas encontradas por Felipe para expressar uma condição que faz dele um atleta incomum. O nadador, que chegou a tentar tirar a própria vida há menos de um ano, descobriu que é portador do transtorno bipolar.
"Eu sou bipolar e o bipolar tem dessas. Quando ele tá em fase de mania, ele decide alguma coisa, vai lá e faz. Fui lá e fiz, tô a fim de pintar a unha, fui lá e fiz. Toco guitarra, acho maneiro", me explica. A unha acabaria apresentando um assunto muito mais sério.
Sem controlar a própria mente
Felipe só havia falado publicamente sobre ser bipolar em um post, no Instagram, depois do Troféu Maria Lenk, que foi seletiva tanto para o Mundial quanto para o Pan. Até receber o diagnóstico, semanas antes, viveu os piores momentos da vida.
"Eu descobri porque eu estava tendo crise de ansiedade. Elas faziam eu crer que eu estava ficando louco. Eu ficava com medo de esquizofrenia, pensava: 'acho que vou dar um filho esquizofrênico pros meus pais'. Fiquei de novembro a fevereiro trancado em casa, com pensamentos suicidas. Eu falava para minha mãe: 'já viu alguém com pensamentos suicidas sem estar depressivo? Eu não estava depressivo, mas eu não aguentava minha cabeça pensando sozinha."
Como assim? "É difícil dizer, é como se fosse um sentimento. Não tinha um pensamento especifico. Isso de eu não conseguir controlar meu sentimento, daqui para lá, daqui para lá, era aterrorizante. Tinha crise de pânico. Eu dormia no quarto da minha irmã e deixava a guitarra do lado da cama, levava o videogame para o quarto dela. Acordava e tocava por 30 segundos, deixava a guitarra de lado, e jogava, voltava para a guitarra, depois para o videogame..."
"Eu me lembro de chorar constantemente e perguntar se eu nunca mais seria o mesmo, era desesperador. Minha cabeça pensava sozinha e eu não conseguia controlar nada que passava por ela", contou pelo Instagram. O começo da crise foi nos Estados Unidos, onde ele estudava na Universidade do Estado da Flórida. Felipe chegou a ficar internado em um hospital lá antes de voltar ao Brasil e ser acolhido pelos pais e pela irmã.
Depressão foi o primeiro sintoma
"Quando eu tinha 15 anos, eu fui diagnosticado com depressão. Só que quando você é muto jovem e tem depressão, é uma bandeira vermelha. Lá na frente o jovem vai descobrir que é bipolar. Eu tive com 15 anos, tomava medicamento para depressão, mas não funciona para o bipolar, porque te joga pra cima. E o que precisa é um estabilizador de humor", ele começa a explicar.
"Ou você tá na depressão ou tá na mania. E tem a hipomania, que eu acho que é o ideal. Eu sempre fui [bipolar] e ninguém percebia. O bipolar é um cara que fala com todo mundo, não para quieto. Esses caras se dão bem porque acreditam muito nas coisas, eles se acham incríveis. E eu me acho incrível, não vou negar". Além das unhas coloridas, Felipe estava de bigode, o que em tese atrapalha a performance de um velocista. Na natação, disputar uma grande competição de bigode é um recado: "eu sou incrível".
Vaga mesmo sem a preparação adequada
Como o diagnóstico demorou, o tratamento também. Felipe só voltou a conseguir treinar em março, e a seletiva começava no fim de maio. Apesar do pouco tempo de preparação, foi quarto colocado nos 100m livre, o que valeu a ele um lugar no 4x100m livre tanto no Mundial quanto aqui no Pan.
"[Eu me acho incrível] e por isso eu nado, por isso eu estou aqui, mesmo tendo perdido a base. Eu acreditei que eu fazia parte de estar aqui. Não gosto da fase equilibrada", diz Felipe, que usa medicamentos de forma contínua para estabilizar o humor. Está no Pan "medicado", nas palavras dele.
Felipe foi o terceiro a nadar as eliminatórias do 4x100m pelo Brasil e completou a parcial em 49s05. Ele, Guilherme Caribé e Victor Alcará, agora acompanhados de Marcelo Chierighini, voltam à piscina para a final às 17h48.
Procure ajuda
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.
O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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