União, confiança e um pouco de sorte: como boxe virou carro-chefe do Brasil
Judô ganhando um caminhão de medalhas nos Jogos Pan-Americanos não é novidade. A ginástica artística, também não. Mas ninguém, nem mesmo a comissão técnica da seleção brasileira de boxe, esperava uma campanha tão avassaladora no Pan de Santiago, das melhores já feitas por uma delegação brasileira em um Pan.
Hoje (27), em duas sessões, que começam às 11h e às 17h, nove brasileiros sobem ao ringue para lutar finais, todos já classificados a Paris-2024. Dos 13 que viajaram a Santiago, 12 chegaram às semifinais, ontem (26), e três deles, derrotados, ficaram com a medalha de bronze. É uma campanha comparável à melhor da história do judô brasileiro — em 2011, nove judocas chegaram à final de um torneio com 14 categorias.
Ouro e prata ainda serão decididos, mas já dá para dizer que o boxe virou um "carro-chefe" do Time Brasil. "Quando eu cheguei na CBBoxe, eu tinha o judô como referência. Sempre fui fã do trabalho do judô brasileiro. Me perguntava: 'Se o judô pode, por que o boxe não pode'. Acho que estamos nos aproximando", diz o técnico Mateus Alves, head coach da seleção.
Antes do Pan começar, o Olhar Olímpico conversou com um dos técnicos que o auxiliam, Leonardo Macedo, e ouviu dele que a expectativa era de cinco ou seis vagas olímpicas. Sete seria excelente. Nove nem estava no radar, mas foi o que o Brasil alcançou, se tornando o país com mais classificados a Paris no boxe no mundo todo, seja no masculino (quatro), no feminino (cinco) ou no total (nove).
"Cuba e EUA não vieram como a gente achava, e a gente teve um bom sorteio. Esses são fatores que nos ajudaram, mas nós tivemos competência para chegar e confirmar. A gente esperava cinco ou seis aqui, e uma ou duas nos Pré-Olímpicos Mundiais, para levar sete ou oito a Paris", ele explica.
O fator sorte se explica: em Paris, assim como foi em Tóquio, a competição de boxe será organizada pelo COI. Na falta de uma federação internacional, também não há um ranking mundial reconhecido, e por isso o sorteio do Pan, um Pré-Olímpico, foi sem cabeças de chave, absolutamente aleatório. E, mesmo assim, só Wanderley 'Shuga' pegou um favorito logo de cara, um equatoriano, de quem perdeu — o rival está na final.
Outros brasileiros só foram enfrentar favoritos mais adiante na chave, como Carol 'Naka', que encarou, na semi, medalhista olímpica Ingrit Valencia, da Colômbia. E venceu. "A gente treinou muito bem. A equipe do Brasil do boxe é extremamente unida. A gente se ajuda demais e treina como ninguém. A gente treina no sol, na chuva, na rua. O nosso treinador, que é Mateus Alves, deixa a gente sempre fora da zona de conforto. Ele é chato, a gente reclama muito, mas é ele que faz a gente conquistar isso daqui", explica Carol.
O Olhar Olímpico perguntou a todos os nove brasileiros que se classificaram às finais, ontem, sobre o que fez o boxe brasileiro se tornar um carro-chefe de medalhas. E todos citaram a união do grupo e a confiança no trabalho de Mateus.
"A gente vem trabalhando muito a questão da equipe, muito junta, muito unida. Todas as bases que a gente vai, campeonatos, os técnicos dos outros países percebem isso e comentam. Ajuda muito e está fazendo total diferença. Os treinamentos intensos, um puxando outro, a força que a gente tem, faz muita diferença. A gente tem o mesmo treino e as mesmas condições de chegar onde os outros estão chegando", diz Jucielen Romeu, que já tem uma prata em Pan, mas ainda não é medalhista mundial.
Diferente do judô e do taekwondo, por exemplo, o boxe tem uma seleção permanente, formada por em média dois atletas por categoria, e que treina e mora em São Paulo. "A gente está dia e noite junto, a gente passa o ano todo colado. A gente cria uma conexão muito boa", afirma Abner Teixeira, medalhista olímpico em Tóquio.
De todos os 13 brasileiros que vieram ao Pan, só Shuga, já eliminado, não lutou ontem. E, dos 12 que subiram ao ringue, nove já saíram com o compromisso de voltar para a final de hoje. Ainda assim, eles se revezaram na arquibancada, apoiando os colegas com um megafone, onde davam gritos de apoio e de orientação.
Mas o grito que importa é o de Mateus Alves, que já foi operado nas cordas vocais duas vezes, está pensando na terceira, e ontem saiu, claro, rouco do ginásio. As instruções dele, porém, são fundamentais. "É como se eu tivesse uma linha direta com ele. Tudo que ele manda fazer a gente faz, cegamente. Por isso a gente está em nove finais", continua Abner.
"Ele de fora tem a visão muito melhor que a nossa. A energia que ele injeta na gente funciona", diz Bárbara Santos, que já foi medalhista no Mundial e, agora, no primeiro Pan, vai atrás do ouro.
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