Pan organizado com atraso coleciona falhas, mas deixa grande legado
Há muito o que se ver em um jogo de tênis. O atleta observa que o saibro está solto, atrapalha o jogo. O jornalista, que as tribunas são poucas e, a área de entrevistas, distante e descoberta. O telespectador reclama que só há câmeras em uma quadra. O público não se importa que o nível dos atletas não seja de Grand Slam, desde que deem tudo na quadra. A criança só guarda para sempre na lembrança aquele momento mágico.
A experiência dos Jogos Pan-Americanos, ou de qualquer megaevento, depende muito de quem a vive. E por isso não há uma resposta definitiva sobre como foi o Pan de Santiago. Do ponto de vista de organização, começou muito ruim, e melhorou. Mas o legado deixado para o Chile e para os chilenos, apesar dos muitos problemas, é fantástico.
Nas ruas de Santiago, é como se não houvesse Pan. O evento foi muito mal divulgado e, quem passava pelo centro ou pela Providência, bairro turístico, não sabia que a cidade estava recebendo um evento deste porte. Com as competições muito concentradas na área urbana de Santiago, no enorme complexo do Estádio Nacional e em dois parques, só quem entrava nessas áreas vivia o Pan.
E este é um erro primário: só se podia entrar no Estádio Nacional, uma espécie de parque olímpico onde foram disputadas quase 20 modalidades, quem tinha comprado ingresso. E, como as arenas não são enormes, o parque, gigantesco, ficou ocioso na primeira semana. Na segunda, com as competições de atletismo no estádio em si, onde cabem quase 50 mil torcedores, aí sim o entorno ganhou calor humano.
Impressionou a quantidade de crianças de até 10 anos, muitas acompanhadas somente das mães em dias de semana. São jovens que provavelmente tiveram o primeiro contato com o esporte de alto rendimento, uma vez que o Chile, exceto um Jogos Sul-Americanos em 2014, não tem tradição de organizar eventos internacionais.
E essa falta de expertise ficou clara em um Pan organizado com muito atraso, em ritmo combinado com as obras que também atrasaram. No tênis, exemplo que abre o texto, a quadra central, de saibro, foi estreada no Pan. Isso significa que a terra ainda não estava assentada durante o torneio, o que atrapalha o desempenho esportivo. O ideal era ao menos um mês de uso da quadra antes dos Jogos.
Brasileiros que têm como carreira trabalhar em grandes eventos assim, e que estão em Santiago, relataram dificuldades das mais diversas em suas áreas. Problemas internos que muitas vezes não chegam ao público ou ao espectador, que no máximo percebe a falta de comunicação visual. Entender por onde se entra, como se chega, em que ginásio acontece o que, foi uma enorme dor de cabeça.
De início, o transporte oficial foi enorme problema. Os ônibus não cumpriam horários e, muitas vezes, deixaram atletas e jornalistas na mão. Um colega precisava ir a uma prova fora de Santiago, o ônibus não apareceu, e ele conseguiu que a organização o mandasse buscar com um carro. Só que o motorista nunca havia dirigido numa estrada.
Como as eliminatórias da natação terminavam perto do meio-dia e as finais começavam às 16h, muitos nadadores, para terem mais tempo para descansar, abriram mão desses ônibus oficiais e passaram a ir e voltar do complexo do Estádio Nacional de metrô. Com o passar dos dias, o sistema de transporte melhorou e deixou de ser razão de queixas.
Da parte da missão brasileira, o que irritou muito foi o roubo à tenda, dentro da Vila Pan-Americana, onde eram distribuídos uniformes para os atletas que chegavam a Santiago. Com a segurança falha, permitindo a entrada de pessoas sem credencial, apenas por estarem vestindo a roupa do Time Brasil, a missão entendeu que estava desprotegida.
O assalto em si já poderia ter causado graves danos, já que os bandidos portavam canivetes, mas as consequências dele também preocuparam os dirigentes brasileiros, que cobraram a PanAm Sports. E não ouviram nem um pedido de desculpas por parte de Neven Ilic, o chileno que preside a entidade.
E isso não foi uma exclusividade do Brasil. Em tudo que pôde, e PanAm tirou o dela da reta. Quando o circuito da marcha foi menor do que deveria, ela não demorou em soltar nota apontando o dedo para um funcionário indicado pela federação pan-americana de atletismo. Quando o ginásio de Viña Del Mar apresentou goteiras, que adiaram jogos de handebol, a nota culpava a prefeitura daquela cidade, como se a PanAm, que marcou os jogos para um ginásio com goteiras, não tivesse nada a ver com isso.
Apesar dessas falhas estruturais, Santiago tem um belíssimo legado do Pan. No complexo do estádio nacional se pode treinar quase de tudo, e daqui (estou nele enquanto escrevo) podem sair gerações e gerações de atletas chilenos. Mas será preciso mais organização, e mais dinheiro, para fazer essa enorme estrutura funcionar.
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