Time Brasil sai de Santiago mais forte do que estava há quatro anos
Muito mais importante do que os números do quadro de medalhas é observar que o Time Brasil sai dos Jogos Pan-Americanos de Santiago mais forte do que estava há quatro anos, ao fim do Pan de Lima. As 66 medalhas de ouro, 205 no total, são, claro, um dos parâmetros para avaliar isso, mas é tentando entender o que cada um desses resultados significa que se percebe esse ganho de força.
Na maioria das modalidades, mesmo aquelas em que todos os melhores das Américas competem no Pan, o Brasil teve um desempenho melhor, em Santiago, do que em Lima. O boxe, em que o Pan era Pré-Olímpico, é o grande exemplo disso. Chegou a nove finais, ganhou quatro ouros e poderia ter vencido mais se não tivesse aberto mão de lutar duas finais, para poupar atletas.
Abner Teixeira foi prata, mas tinha boas chances de ouro se tivesse lutado. Keno Marley foi prata, mas lutou melhor do que o cubano Julio Cesar la Cruz, astro do boxe mundial, que ganhou pelo nome. O quadro de medalhas não mostra isso.
A ginástica fez uma campanha quase irretocável, beneficiada por um número de provas desproporcional ao programa olímpico, especialmente na ginástica rítmica. Pela primeira vez venceu no individual da GR, com Bárbara Domingos, apresentou o futuro através de Maria Eduarda Alexandre, e quebrou um jejum de 12 anos sem pódio no trampolim com Camilla Lopes e Rayan Castro ganhando prata, ambos com potencial para fazer final, no mínimo, no Mundial desta semana.
A artística, pelo contrário, veio de um Mundial histórico, e conseguiu sair do Pan ainda mais forte, porque Flavinha evoluiu, Rebeca fez saltos quase perfeitos e Jade Barbosa fez a melhor competição da carreira em anos. O masculino não brilhou tanto, mas, é preciso olhar além do quadro de medalhas: o desfalque de Caio Souza fez toda a diferença. Ainda assim, Arthur Nory mostrou que, pegando a vaga olímpica (e tem tudo para), vai brigar por medalhas em Paris.
No hipismo, o Brasil voltou a ganhar a prova individual de saltos e só ficou com bronze por equipes porque o cavalo de Marlon Zanotelli, campeão em 2019 e que então liderava, refugou num triplo. Pensando em Paris, as chances de medalha parecem maiores depois do Pan do que eram antes dele. Adestramento e CCE tiveram os melhores resultados da história. João Victor Oliva vai a Paris por um top10 antes impensável.
A esgrima ganhou seu segundo ouro em todos os tempos, o primeiro em 56 anos, com a equipe feminina de espada, que não vai às Olimpíadas como time. Mas Nathalie Moellhausen, que falhou no individual, voltou do Pan com um ouro mesmo assim, o que não teve em Toronto ou Lima. Ela é forte candidata ao título olímpico. Além disso, o time colocou dois novatos no pódio individual.
O wrestling fez incríveis três finais. Ganhou dois ouros (algo inédito), ambos no feminino, viu Joilson Junior colocar a greco-romana numa final, e confirmou o potencial de Igor Queiroz, que vinha de ouro no Pan Júnior e ganhou bronze. O triatlo viu Miguel Hidalgo confirmar que é nome forte já para Paris, e que o revezamento, com todo mundo em forma, pode sonhar com coisas grandes — mas, no feminino, não repetiu o ouro de Lima.
Na natação e no atletismo, é preciso considerar a ausência dos melhores do continente, e o momento da temporada. Neste caso, o número de medalhas pouco importa (foram 27 na natação e 23 no atletismo, com sete de ouro para cada). Pensando em Olimpíadas, relevante é quem ganhou, e como. Guilherme Costa, o Cachorrão, ganhou três provas individuais e ainda ajudou no 4x200m. O cara é ele.
Guilherme Caribé trocou o time dos meninos pelo dos adultos, o 4x200m masculino fez a parte dele, e Fernando Scheffer saiu de cabeça erguida com o bom desempenho nesse revezamento. Mas a grande notícia da natação foi o time feminino, puxado por Maria Fernanda Costa e Gabrielle Roncatto.
Nada que permita, ainda, pensar em medalha olímpica, mas que depois se refletiu no Finkel: dos sete atletas que fizeram índice individual pro Mundial do ano que vem, cinco são mulheres. Em 2019, com outros critérios, a proporção era duas mulheres e 22 homens. Claro que isso também é um ponto de atenção: a natação masculina piorou muito nas provas de medley e de 100m e 200m estilos.
No atletismo, três ouros vieram com atletas jovens e promissores: Renan Gallina, Lucas Vilar e Izabela Silva. Portos seguros do time, Darlan foi ouro e Caio Bonfim prata individual e bronze na nova prova de revezamento da marcha, onde o Brasil pode se dar bem em Paris. Outras pratas são importantes: Almir Jr saltou bem, Matheus Lima subiu ao pódio dos 400m com barreiras aos 19 anos, e Pedro Henrique Rodrigues ganhou sua primeira medalha importante no dardo.
O ciclismo não entra na lista de quem evoluiu, porque o BMX Racing, que havia conquistado duas pratas com jovens em Lima, desta vez nem chegou na final masculina. Mas há pontos a se comemorar: chegar com o pelotão na estrada, tanto masculina quanto feminina, com atletas de bom potencial internacional, ganhar dois bronze no MTB, apesar da aposentadoria de Avancini, e debutar no pódio do BMX Freestyle com o jovem Gustavo Balaloka.
Nos coletivos o vôlei masculino afastou o fantasma Argentina e ganhou confiança em Darlan e Judson, especialmente, o feminino chegou onde poderia chegar, o basquete feminino foi ouro sem sustos, e o masculino sofreu com lesões — e até nisso há uma boa notícia, porque só de chegar como favorito já é um avanço na comparação com nem ir a Lima.
Beisebol (prata), polo (prata) e hóquei (5º lugar) masculinos foram mais longe do que o esperado, mas o rúgbi feminino decepcionou com o bronze — de qualquer forma, segue longe da elite mundial. O handebol feminino fez o que se esperava e faturou o hepta, mas o masculino precisa urgentemente repensar o trabalho. Assim, nem adianta jogar o Pré-Olímpico.
O judô teve uma campanha recorde, mas com poréns. Tem como lado positivo as medalhas de jovens e os ouros no ligeiro. Mas, na outra ponta, perder no pesado e por equipes para Cuba, em disputas em que o Brasil é candidato ao pódio olímpico, é preocupante.
Hugo Calderano sobrou no tênis de mesa, até aí nenhuma novidade. Mas a dupla masculina ficou mais fraca do que era há quatro anos, e isso atrapalha as chances de sonhar com pódio olímpico por equipes. Ana Marcela não ganhou na maratona aquática, mas Vivi Jungblut conseguiu nadar perto dela, e ter duas candidatas é melhor do que uma. No remo, ouro e prata no individual, e a certeza de que o trabalho é ruim nos barcos de mais de uma pessoa, que demandam trabalho da confederação.
A vela ganhou três ouros, dois deles em provas que entram agora no programa olímpico (Bruno Lobo e Matheus Isaac), mas deixou de conseguir vaga olímpica até na Laser, onde sempre brilhou. Ter só quatro barcos classificados às Olimpíadas é muito preocupante. Para Tóquio, classificou oito, sendo que nesta fase da campanha já tinha sete garantidos. É um retrocesso gritante, ainda que as chances de pódio até tenham aumentado.
A grande decepção foi o taekwondo. Ouro só na prova por equipes, que não é olímpica. Os homens foram muito mal, e, no feminino, Maria Clara Pacheco foi prata e Carol 'Juma', outra candidata forte ao pódio, se machucou. Ao menos há a consolação de que Netinho (oitavo), Ícaro (nono) ou Maicon (décimo), Juma (sexta) ou Milena (oitava) seguem podendo se classificar a Paris pelo ranking, e o Pan não influenciava.
Também foram bem ruins as campanhas nos saltos ornamentais (que pode argumentar que o Pan desta vez valia menos, porque Ingrid e Isaac já estavam classificados às Olimpíadas), do tiro esportivo (que só foi uma vez ao pódio, mas ao menos colocou gente nova em finais), do levantamento de peso (um bronze é pouco para o tanto que a modalidade cresce no país), do pentatlo moderno (levou a vaga olímpica, mas por um nono lugar, e o continente nem é forte) e no nado artístico (ganhou um bronze, porque Canadá bobeou, mas a desvantagem para o top 3 aumentou).
A canoagem velocidade é um grande problema. Até fez duas pratas com a canoa masculina, apesar de Isaquias não estar em forma, mas nas demais provas foi de seis medalhas em Toronto-2015 para nenhuma em Santiago-2023. Tudo que não é canoa masculina foi deixado de lado. No slalom, perdeu um ouro na comparação com 2019, mas colocou três nomes novos no pódio.
Das modalidades novas, no skate o Brasil foi muito bem, com dois ouros, duas pratas, e quatro atletas mostrando que podem disputar medalha em Paris, mas no breaking e na escalada ainda não compete internacionalmente. Para o tênis o Pan não é parâmetro, mas a dedicação do time todo, incluindo as medalhistas olímpicas Luisa e Laura, é incrível. Paris promete!
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