Revelação em Tóquio, Kawan abandona o esporte após final olímpica
Uma das grandes revelações do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, quando foi finalista nos saltos ornamentais, Kawan Pereira abandonou o esporte. Dois anos após ser campeão mundial júnior, o garoto de 21 anos atualmente trabalha em uma loja no Distrito Federal, com salário insuficiente para cuidar de si, da esposa e de uma filha de cinco meses.
Por enquanto, ele não pode nem sequer voltar a ser atleta. Está suspenso pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) até fevereiro, como punição por não ter sido encontrado quatro vezes para exames surpresa. Na época das falhas, já não comparecia com regularidade aos treinos. Procurado pelo Olhar Olímpico, não quis dar entrevistas.
Nascido em Parnaíba, no Piauí, Kawan vive desde os oito anos em Brasília, criado pela mãe. A família sempre passou dificuldades financeiras, como contou em uma entrevista ao Globo Esporte em 2021. "Minha mãe não tinha condição de comprar uma mochila. Aí, para ir ao treino, eu pegava uma sacola de mercado, colocava uma toalhinha, e a sunga eu tinha conseguido emprestada com um treinador meu."
Os saltos ornamentais, que ele começou a praticar aos 10 anos, acabaram sendo um caminho para mudar de vida. Bronze no Pan de Lima-2019 na plataforma sincronizada, finalista olímpico na plataforma individual em Tóquio-2020, e quatro vezes medalhista no Mundial Júnior de 2021, incluindo o título do trampolim, era o principal saltador do país no início de 2022 e ganhava algum dinheiro quando começou a se afastar.
A situação se agravou quando ele se machucou na etapa de Montreal (Canadá) do Grand Prix, em junho. Dias depois, testou positivo para covid e foi impedido de viajar com o grupo ao Mundial de Esportes Aquáticos de Budapeste (Hungria). Quando chegou à Europa, estava havia três semanas sem treinar. Foi 20º, ficando muito perto da semifinal, mas em um resultado abaixo do potencial de Kawan, o que só agravou um quadro depressivo.
A partir dali, as aparições nos treinos foram ficando cada vez mais raras, apesar do acompanhamento psicológico oferecido pelo Instituto Pro Brasil, clube dele. "Eu não sei o que poderia ter sido feito diferente. A gente sempre deu toda a estrutura, todo o apoio, condição, tudo que a gente pensava que fosse ajudá-lo. Não sei o que poderia ser diferente. Às vezes a vida segue um caminho diferente do que a gente espera. Acho que o Kawan precisava passar por tudo isso, para poder crescer como pessoa, pra poder amadurecer, adquirir a responsabilidade que ele precisa", diz o técnico Ricardo Moreira, que segue acompanhando Kawan de perto e é padrinho da filha do saltador.
Como estratégia para incentivar Kawan a voltar a treinar, Ricardo conseguiu aprovar junto ao COB uma bolsa para o saltador, com a condição de que ele comparecesse aos treinos. Sem cumprir com o combinado, não recebeu o auxílio. Também não foi à sede do Ministério do Esporte para assinar o termo de compromisso para receber R$ 8 mil mensais do Bolsa Pódio a que tinha direito. Sem a assinatura, ficou sem a grana.
"Ele é muito talentoso, não tiro todo o esforço, dedicação dele, mas o talento que ele tem contribuiu muito para o crescimento dele. Ele poderia chegar mais longe se tivesse mais responsabilidade, se dedicasse mais. Não foi falta de apoio. Talvez ele precise passar por isso para ter uma consciência maior do que é responsabilidade, o que é compromisso, para chegar onde quer chegar", continua Ricardo.
Com Kawan ausente dos treinos, em três oportunidades os oficiais antidoping não encontraram o saltador no local indicado por ele para testes surpresa. Três 'no show' geram uma suspensão automática, e o clube chegou a contratar um advogado para tentar livrar o saltador de uma pena mais dura. Mas aí veio uma quarta falha, e qualquer defesa seria inócua.
Kawan aceitou um acordo e foi suspenso por um ano. Na prática, ele pode voltar a treinar e competir em fevereiro, mas, fora de forma, nem se quisesse ele conseguiria voltar a participar de torneios antes das Olimpíadas. O treinador, porém, tem esperanças de que o garoto um dia volte a ser um atleta profissional.
"O que a gente quer é continuar dando todo o suporte, não só psicológico, mas um suporte social para ele. A gente sabe que ele é uma pessoa que precisa disso. E o que estiver ao nosso alcance para a gente fazer e ter o Kawan bem como pessoa e como atleta, a gente vai fazer. A gente acredita que ele pode voltar a competir e brilhar e que ele vai passar por isso e voltar fortalecido."
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