Entenda por que adiar teste e esconder pênis podem causar gancho a Gabigol
O polêmico ex-boxeador Mike Tyson revelou em seu podcast, há três anos, que utilizava uma prótese peniana para burlar os exames antidoping. Colocava a urina de outra pessoa lá, normalmente da esposa ou da filha, preenchia o potinho com xixi "limpo", e nunca foi suspenso por doping. Lamar Odom, astro da NBA, contou em livro que foi além: comprou um pênis falso, de borracha, que tirou para fora da cueca, junto com a urina fornecida pelo treinador, quando passou por teste antidoping antes dos Jogos de Atenas-2004.
Esses dois casos ajudam a explicar por que o procedimento para colheita de urina para exames antidoping exige que o atleta faça xixi no potinho de frente para um oficial antidoping. Ao urinar "escondido", sem permitir que o fiscal visualizasse a urina saindo do seu pênis, Gabigol deu brecha para ser denunciado por tentativa de fraudar o antidoping. Acusado, ele pode ser suspenso por até quatro anos.
Entenda o caso
Todo o processo de combate ao doping é minucioso, e cheio de burocracias e procedimentos que visam resguardar o atleta e, ao mesmo tempo, garantir que não haja burla. Esse procedimento está em um manual, o Padrão Internacional de Testes e Investigação (PITI), que deve ser seguido sempre.
Quem consome uma substância proibida ou passa por um tratamento proibido com o objetivo de ter ganho de performance, via de regra, também é orientado sobre o que fazer para não ser pego. No caminho contrário, os órgãos de combate ao doping têm área de inteligência, para conseguir identificar o maior número de casos de doping possível realizando o menor número de exames. Como muitas substâncias aparecem mais frequentemente de manhã, os testes surpresa são quase sempre feitos nas primeiras horas do dia.
Logo ao amanhecer, é muito mais provável de o exame identificar, por exemplo, se um atleta fez uso de hormônio do crescimento, conhecido pela sigla GH, doping comum entre halterofilistas, fisiculturistas e lutadores de MMA. Como a meia-vida do GH é curta e os testes não podem acontecer à noite, quem utiliza essa forma de doping o faz, normalmente, antes de dormir. Os dois testes positivos do halterofilista olímpico Fernando Saraiva para GH, em 2021, foram colhidos por volta das 6h.
Quanto mais tarde, ao longo do dia, é feito o teste, mais ele se distancia da janela mais comum de consumo (de noite), e menos provável é que o teste dê positivo. Por isso é vista com desconfiança a postura de Gabigol, que se recusou a fazer o teste quando os fiscais chegaram ao CT do Flamengo, antes do treino da manhã do dia 8 de abril, e o adiou ao máximo. Treinou, almoçou e cogitou ir dormir antes de aceitar passar pelo exame.
Isso fere um princípio básico do teste surpresa: o atleta não ter conhecimento de que vai passar por um exame. Se os oficiais chegaram ao CT antes das 9h, e Gabigol só aceitou ser testado depois do almoço, ele não foi pego de surpresa, e pode ter tido tempo de se preparar para o exame. Os demais jogadores escolhidos pela Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) no mesmo teste fizeram sem problemas.
Não pode ser na hora que ele quer
O teste surpresa valia também para o chamado passaporte biológico, um histórico de exames que demonstra variações em determinados parâmetros, sem necessariamente apresentar teste positivo para uma substância proibida. Por isso, o exame precisava ser realizado no mínimo duas horas após a atividade física, para que as concentrações de determinadas substâncias, especialmente exógenas, pudessem ser corretamente identificadas. Mas Gabigol decidiu por conta própria quando faria o teste, após o treino.
De acordo com os oficiais que fizeram o controle em Gabigol, na primeira tentativa do exame, o atacante tomou por conta própria o vaso coletor, ignorando as instruções do oficial. Depois, foi ao banheiro, abriu a embalagem e virou de costas para oficial. Em seguida, jogou de volta o pote, sem amostra da urina.
Depois de reclamações, os oficiais de controle de dopagem conseguiram realizar a coleta, numa segunda tentativa. Mas consideram que os padrões nacionais e internacionais não foram seguidos por parte do jogador, que saiu do banheiro com o vaso coletor, deixando-o aberto sobre uma mesa. Depois, voltou para dentro do banheiro, deixando de acompanhar o fechamento.
O pote deve ser lacrado pelo atleta, para segurança do processo, inclusive do atleta, que pode, depois, alegar que um eventual teste positivo se deu porque o exame foi alterado.
Do que Gabigol é acusado?
A procuradoria do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) acusa Gabigol de violar o Padrão Internacional de Testes e Investigação (PITI), na medida em que houve "tentativa de interferência a qualquer aspecto relacionado ao controle de doping".
Era obrigação de Gabriel "permanecer sob contínua observação do oficial de controle de dopagem (OCD)", mas o jogador teria dificultado ao máximo a escolta. O atacante também não teria cumprido os procedimentos de coleta de amostra, mesmo depois de solicitação dos oficiais.
Por fim, ele não cumpriu a regra de "comparecer imediatamente para a coleta da amostra, a não ser que haja justificativa válida". O PITI autoriza que, em casos de testes surpresa, o atleta termine sua sessão de treinamento, mas o treino sequer havia iniciado quando os oficiais chegaram ao local.
Gabigol responde por infração ao artigo 122 do Código Brasileiro Antidopagem (CBA), que cita "fraude ou tentativa de fraude de qualquer parte do processo de controle de dopagem por um atleta ou por outra pessoa".
Em nota, a assessoria do jogador disse que o exame deu negativo. "Diante de tal informação, não há nada que possa ferir ou infringir as normas protocolares. Reiteramos que, em nenhum momento, o atleta tentou fraudar o exame."
Já a ABCD, organização nacional antidopagem, reforçou que "por sigilo, qualquer informação do caso não será divulgada e o atleta e seus representantes tomarão ciência dos próximos andamentos por meio oficial".
"Tomando conhecimento das notícias veiculadas na mídia e em relação a nota oficial publicada pelo atleta, nesta sexta-feira, dia 22, esclarecemos que no Código Mundial estão previstas 11 violações à regra antidopagem, que não se restringem à presença de substâncias proibidas na amostra do atleta", disse a ABCD.
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