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ReportagemEsporte

Exército barra contratação de medalhista do Pan que tem deficiência física

Uma das melhores velocistas do país, Anny Bassi se vê no limbo. É uma pessoa com deficiência, mas não é apta a ser uma corredora paralímpica. Construiu, ainda assim, uma carreira de destaque no atletismo olímpico, mas sofre por falta de apoio. Tinha todos os requisitos esportivos para ser contratada pelo Exército, mas foi rejeitada por causa da deficiência.

"O que me incomoda é eu ser considerada deficiente para algumas coisas, não para outras. É como se eu não me encaixasse. Quando tento entrar em uma coisa, sou barrada por não ter deficiência. Quando tento entrar na outra, sou barrada porque tenho deficiência. Sou barrada duas vezes, dos dois lados", diz a velocista catarinense de 26 anos.

Ela foi a única atleta reprovada no exame de saúde no edital de 2024 do badalado Programa Atleta de Alto Rendimento (PAAR) do Exército, que todo ano contrata esportistas para ingressarem como cabos e sargentos temporários das Forças Armadas. É por causa desse vínculo que atletas se tornam militares e prestam continência no pódio de grandes competições.

Procurado na semana passada, o Exército só se posicionou após a publicação da reportagem. Em nota, disse que "as exigências da inspeção de saúde não são arbitrárias, mas sim fundamentadas na necessidade de garantir que os militares estejam preparados para enfrentar os desafios inerentes às suas funções específicas e militares." Leia a íntegra do posicionamento ao final da reportagem.

Como funciona o edital?

A cada edital, Exército, Marinha e Aeronáutica listam o tipo de atleta que procuram e os critérios para escolha. Para atletas de provas olímpicas, são pontuadas participações e resultados recentes em Campeonatos Mundiais e posição no ranking mundial. A contratação é por um ano, renovável anualmente por até oito anos.

Como a dedicação é pouca (basicamente participação em um torneio militar internacional e um curso de reciclagem por ano), mas a grana é boa (soldo de R$ 3,8 mil), o edital costuma atrair os melhores de cada prova no país. Para a vaga aberta nos 100m, no edital do Exército deste ano, se inscreveram Anny, que foi sexta colocada do ranking brasileiro de 2023, Bárbara Leôncio, sétima, e Suellen Vitória, oitava.

As três foram chamadas para o exame médico, com Anny e Bárbara empatadas pela análise curricular. "Quando vai fazer a entrevista, eles falam que a gente está entrando para ser atleta, mas que está lá para essa função [ser sargento] caso seja necessário. Eles consideram que eu sou inapta nesse sentido. Está mais do que provado que consigo correr", diz.

Inapta para ser atleta militar

Durante a inspeção médica, ela não foi informada que não havia sido aprovada, só quando o Exército publicou os resultados. Única reprovada entre mais de 60 atletas que chegaram a esta etapa, optou por não recorrer. "Eu sabia da possibilidade, porque o edital especifica, mas fiquei chateada. É aquilo de ser barrada dos dois lados."

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O edital fala que o atleta deve "gozar de boa saúde física e mental e não ser portador de deficiência incompatível com o exercício das funções atinentes ao cargo a que concorre, bem como, as atividades inerentes ao serviço militar".

Anny nasceu com a Síndrome de Poland, uma deformidade que afeta a região do peito e que, em alguns casos, como o dela, causa malformação de membro superior. Anny não tem os dedos e a maior parte da mão esquerda, que só vai até até a articulação do dedão. A deficiência a atrapalha no atletismo convencional, mas não é limitadora o suficiente para que ela seja aceita na classe mais alta do atletismo paralímpico.

Como a mão gera maior impacto na natação, pela puxada da água, Anny seria elegível no movimento paralímpico, entre outras modalidades, na natação. Ela até chegou a tentar a sorte no novo esporte, mas percebeu que seu lugar é o atletismo. "Não tenho que aceitar onde as pessoas querem que eu esteja, mas estar onde eu quero estar. Eu poderia fazer outros esportes, mas tem que ter o dom", contou Anny à coluna, durante os Jogos Pan-Americanos de Santiago, quando foi bronze com o revezamento 4x400m feminino Ela também correu o 4x100m, que, bastante desfalcado, terminou em quinto.

Apoio do Exército viria em boa hora

Anny busca o índice olímpico nos 100m e vagas nos dois revezamentos em Paris. Antes, quer estar nas equipes que vão ao Mundial de Revezamentos, em maio, nas Bahamas. Quase todas suas concorrentes na prova mais veloz são ou foram atletas militares, incluindo agora Bárbara Leôncio, selecionada no último edital.

Sem essa possibilidade, Anny tem que se virar com o pouco apoio que tem. Recebe o Bolsa Atleta internacional, de R$ 1,8 mil, e deve ser contemplada com uma bolsa de cerca de R$ 1 mil da prefeitura de Balneário Camboriú (SC), sua cidade. O plano é que o clube local que ela defende passe a pagar também um salário, que ainda não começou a cair na conta.

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A prefeitura ao menos topou pagar uma passagem de ida e volta para a Europa, onde Anny vai ficar durante quase um mês, entre maio e junho, disputando o maior número de competições possíveis em busca do índice ou de pontos no ranking mundial que também classifica a Paris.

"Eu estou bem animada com o ano, treinando muito bem. Quando teve a negativa do Exército, era uma coisa que eu queria, e eu fiquei chateada por um momento, mas sabia que não poderia me abalar. Não poderia perder tempo ficando chateada com isso. Eu estou com expectativa alta, treinando muito bem, melhor do que nos anos anteriores. Acredito que vou estar entre as top 5 das duas provas, dos 100m e dos 400m, e vou representar o Brasil nas Olimpíadas."

Outro lado

Confira a nota enviada pelo Exército após a publicação da reportagem:

É fundamental, inicialmente, compreender a importância da inspeção de saúde no contexto militar, uma vez que todos os militares, independentemente da especialização, devem ser capazes de cumprir tarefas fundamentais para o emprego militar, incluindo a instrução individual básica.

A inspeção de saúde desempenha um papel crucial na garantia da aptidão física e mental dos militares, visando assegurar que eles estejam em condições ideais para desempenhar suas responsabilidades. No âmbito das Forças Armadas, as tarefas militares exigem habilidades específicas que variam de acordo com as diferentes especializações, mas existe uma base comum de competências que todos os militares devem possuir.

Ainda que possa parecer que os atletas pertencentes ao Programa de Alto Rendimento do Exército (PAAR) não fazem parte do contexto operacional de emprego terrestre, todo e qualquer militar do serviço ativo e nossa reserva mobilizável pode e deve ser empregado, em caso de uma convocação.

A exigência de ter ambas as mãos funcionalmente aptas é uma consideração relevante, pois diversas atividades essenciais no serviço militar, como o manuseio de armas de fogo, a subida em cordas e outras atividades que envolvem destreza manual, são cruciais para o desempenho eficaz das funções militares. A capacidade de atirar de fuzil, por exemplo, é uma habilidade fundamental que não apenas faz parte do treinamento básico, mas também é essencial em muitas situações operacionais.

Basta lembrar que todos os integrantes do PAAR passam pela instrução individual básica com tiro de fuzil, rappel, pista de cordas, pistas de transposição de obstáculos, pista de orientação, maneabilidade, transporte de feridos e primeiros socorros, dentre muitas outras.

É importante ressaltar que as exigências da inspeção de saúde não são arbitrárias, mas sim fundamentadas na necessidade de garantir que os militares estejam preparados para enfrentar os desafios inerentes às suas funções específicas e militares. A segurança e a eficácia nas operações militares dependem da capacidade de cada soldado cumprir tarefas específicas de maneira competente, e as restrições físicas podem limitar a execução adequada dessas atividades, além de colocar em risco a vida do militar e de seus pares.

É crucial equilibrar essas considerações com a necessidade de garantir a eficácia operacional e a segurança das Forças Armadas. A busca por soluções que permitam a inclusão de pessoas com deficiência sem comprometer a capacidade operacional é um desafio constante, e o diálogo aberto sobre essas questões é fundamental para o progresso nesse sentido.

Ainda que a atleta seja uma referência nacional e mundial do desporto olímpico, o Programa de Atletas de Alto Rendimento não é um programa de patrocínio ou um clube onde as contratações são baseadas apenas no desempenho desportivo. As exigências aos candidatos do PAAR são as mesmas que qualquer militar, independentemente de sua área de atuação.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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