Mulher desafia estereótipos e comanda o futebol americano no Brasil
Profissionalmente, o futebol americano é um esporte exclusivamente masculino. Mas, no Brasil, quem o comanda é uma mulher. Cris Kajiwara está em seu primeiro mandato como presidente da Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA) e logo vai se juntar a um grupo restritíssimo de somente três (com ela) mulheres à frente de uma confederação olímpica.
"Quando chego em reuniões tem sempre um estranhamento. Você que é a presidente da confederação de futebol americano? Acham que é um ex-jogador, um cara gigante. Sou mulher, bem baixinha, tenho 1,47m. Então bem oposto a qualquer estereótipo de jogador de futebol americano. Enfrento até hoje um pouco desse preconceito e prejulgamento", contou ao Olhar Olímpico.
A forma com que ela chegou ao futebol americano também difere muito da base de fãs da modalidade no país, porque não envolve a NFL, e sim o Corinthians. Foi no começo da década passada, quando o Twitter (agora X) começava a se popularizar.
"Eu era torcedora fanática do Corinthians, entrei no Twitter, e segui um monte de conta de Corinthians. Um dia, naquelas de 'quem tá online dá um salve', eu respondi uma conta @corinthiansfa e eles me responderam. Achei que era um perfil do Corinthians para fã, alguma coisa assim, fiquei toda feliz. Só depois vi que o fa era de futebol americano, e comecei a interagir com eles", lembra.
Até então, ela tinha uma relação platônica com o esporte, e com o Corinthians. Nascida e criada em uma família de descendentes japoneses em Suzano, na grande São Paulo, colecionava recortes de jornais e revistas, idolatrou Marcelinho Carioca e Viola, mas nunca frequentou estádios. Por formação e por falta de grana. Até que o Corinthians fez um jogo no Ìcaro de Castro Mello, o estádio do Ibirapuera.
Não era O Corinthians, mas o Corinthians Steamrollers, time de futebol americano, que disputaria a final de um embrião do que viria a ser o campeonato brasileiro. Ingresso gratuito, fácil acesso, Corinthians em campo, por que não?
"Eu não entendia nada do jogo, mas achei bacana, bem diferente. Tinha muita família, criança, ambiente legal. No jogo, fiz amizade com o pessoal da diretoria do Corinthians, e eles precisavam de pessoas como voluntárias para ajudar na parte administrativa. Eu sou formada em administração de empresas, trabalhava como gerente de operações de uma empresa, e estava super disposta a ajudar."
Do Corinthians à confederação
A paixão pelo Corinthians fez Cris se envolver com o dia a dia do futebol americano. Primeiro, no time de Parque São Jorge. Depois, com a criação da Federação Paulista, no órgão estadual. Se a maior parte dos envolvidos na organização de campeonatos era ex-jogadores sem qualificação para ocupar postos de gestão, ela, com formação na área e disposição a ajudar, tinha sempre espaço.
Foi assim que chegou à CBFA, ainda na gestão de Ítalo Mingoni, que renunciou em 2021, deixando uma dívida de cerca de R$ 200 mil. Sem acesso a dinheiro das Loterias, exclusivo dos esportes olímpicos e paralímpicos, e sem grandes patrocinadores, a CBFA vivia no sufoco. Há 10 anos nos bastidores da modalidade, Cris achou que tinha a experiência para encarar aquele desafio, e foi a única a apresentar chapa nas eleições.
"Eu não era uma figurinha muito carimbada, então não tinha muita rejeição. Juntei-me com outros colegas que tinham experiência, faziam parte da confederação, montamos chapa, e, desde então conseguimos mudar muitas coisas. A gente pegou uma confederação bem desacreditada, com dividas, e buscamos ganhar a confiança dos atletas, da comunidade em si, e pouco a pouco trazer apoiadores, empresas em geral. Negociamos muitas dívidas, e fizemos outras também. Estamos conseguindo liquidar, e fazer a modalidade girar. Antes tinha dívidas, mas não tinha ativos, nem eventos. Agora, a confederação funciona", argumenta.
O fato de ser mulher, no entender de Cris, faz toda a diferença para ela seguir no cargo até hoje. "Mulher tem a paciência e a resiliência para aguentar as dificuldades de estar nessa posição. Na eleição, muitos desconfiaram. Quem não me conhecia achava que estava sendo laranja de alguém, que outras pessoas comandariam a confederação. Outros acharam que eu não daria continuidade, não chegaria ao fim do mandato. Mas estou aí até hoje", diz ela, que mantém a carreira profissional. Atualmente, atende executivos e administradores de mercado, em home office.
Esporte olímpico
Até aqui, todo o trabalho de Cris no futebol americano nunca foi remunerado. Nem dela, nem de (quase) ninguém. Mas a situação está prestes a mudar. Uma versão mais acessível da modalidade, o flag football, foi incluído no programa dos Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles, muito por causa do interesse dos donos da casa, e isso vai mudar, ao menos por um ciclo olímpico, a realidade do futebol americano no Brasil.
A CBFA vai fazer parte do COB, ter direito a verbas das Loterias, e a remunerar seus dirigentes. Os atletas, hoje quase todos amadores, terão acesso a Bolsa Atleta, e a treinamento de alto nível. Uma mudança da água para o vinho, que já começou.
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Quero receber"A gente percebeu, quase que instantaneamente depois que foi anunciado, a diferença no tratamento. Se a gente vai falar com uma secretaria de esporte, falando que é uma modalidade olímpica já olham com outros olhos. Pelo COB, a gente vai começar a receber investimentos. Deixa de ser patinho feio para ter mais receitas, mais chances de dar melhores condições para os nossos atletas, nossas seleções. Nosso trabalho dobra, quadruplica."
Se até aqui o desafio era como conseguir fazer um mínimo com quase nada de dinheiro, a partir de agora a CBFA passa a pensar onde investir e quais as prioridades para o dinheiro que vai entrar. No feminino, a seleção de flag foi quarta colocada do último Mundial, em 2021. O masculino vem de um 17º lugar, mas desde então montou uma comissão técnica permanente e tende a apresentar evolução na próxima edição, em agosto.
Como até lá a CBFA não estará oficialmente filiada ao COB, em tese a equipe terá de fazer como sempre fez para disputar competições assim: cada atleta paga a sua viagem, e o que vier de fora, de eventos, vaquinhas e rifas, complementa. Como o Mundial pode definir ranqueamento e fazer diferença no processo de classificação para Los Angeles, a CBFA tenta convencer o COB a ajudar na conta, pensando no futuro.
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