Entrevista: À sombra de antecessores, Radamés pacifica a CBV
Ao longo de quase meio século, a cadeira de presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) só foi ocupada por três homens. Todos a transformaram num trono.
Carlos Arthur Nuzman (1975 a 1997) saiu de lá para comandar o COB por outras duas décadas. Ary Graça Filho (1997 a 2014) passou a liderar o vôlei mundial. Mais discreto, Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca, foi um ás político, "quem sempre teve voto". Entre vice e presidente, passou décadas na CBV, deixando o filho em seu lugar, como vice.
Na presidência desde a morte de Toroca, há um ano, Radamés Lattari vive sob a constante sombra dos seus três antecessores. E sabe que não há como fugir disso, "É covardia você ser presidente depois do Nuzman, do Ary e do Toroca. Cada um, dentro das suas características, foram pessoas vitoriosas, e cada um investiu em alguma coisa fazendo com que a CBV se tornasse grande. Quem quiser comparar, eu vou perder sempre, porque eles fizeram muito", diz.
Depois de uma década de forte turbulência na confederação, a entidade parece pacificada. Se antes havia ego demais para CBV de menos, com Radamés os conflitos esfriaram, a ponto de Serginho 'Escadinha', candidato a vice-presidente da oposição na eleição passada, se tornar assistente técnico da seleção masculina.
"Faço o possível para ter o voleibol o mais unido possível. O Serginho e vários atletas que não estavam apoiando a gente na eleição fazem parte da história do voleibol e nenhum presidente vai apagar essa história", assegurou Radamés em entrevista que você pode ler abaixo.
O Toroca [que faleceu em maio do ano passado] tinha um perfil político, vinha de um estado sem vôlei profissional e lidava bem com as federações menores, que têm grande peso na eleição. Você veio do Rio, do alto rendimento, tem outro perfil. O que mudou com a mudança na cabeça da confederação?
Muda muito pouco, porque o Toroca, tanto na gestão do Nuzman e do Ary quanto na dele, sempre foi uma pessoa que contribuiu demais para a união do vôlei brasileiro. Isso fazia com que eu pudesse estar mais preocupado com o dia a dia da parte técnica, administrativa, financeira, a manutenção da CBV. E com isso eu me tornei um presidente com essas características. Com a morte do Toroca, foi eleito como vice o Gustavo [Toroca] que eu conheço desde que nasceu e acompanhava o pai no dia a dia. Ele tem muito disso de agregar as federações. Eu continuei me preocupando com a gestão e o Gustavo é quem cuida do dia a dia com as federações.
Vocês vão buscar a reeleição?
Vou me candidatar com o Gustavo de vice. A gente há pouco tempo, durante a VNL, recebeu um documento assinado por 22 federações elogiando a gestão e pedindo que a gente fosse candidato. A gente assumiu esse compromisso com 22 federações.
Com 22 federações apoiando a chapa, vocês na prática estão reeleitos, independente de como votarem os atletas. Na eleição passada, eles foram representados pela figura do Serginho, candidato à vice e seu adversário direto. Três anos depois, ele está trabalhando na sua gestão. Ela é mais agregadora do que as últimas?
Eu nunca falei de parte política com o Serginho após a eleição. Eu posso garantir a você o seguinte: vou querer sempre o que for melhor para o vôlei brasileiro, independente se for a meu favor ou não. Estou preocupado com o que for bom para o vôlei brasileiro. Faço o possível para ter o voleibol o mais unido possível. O Serginho e vários atletas que não estavam apoiando a gente na eleição fazem parte da história do voleibol e nenhum presidente vai apagar essa história. Pelo contrário: eu talvez seja o presidente que mais esteja tentando preservar a história do vôlei brasileiro.
Você vive à sombra de dois ex-presidentes. Qualquer gestão vai ser sempre comparada com a gestão do Nuzman e com a gestão do Ary, que continua presidente da FIVB. Como lidar com isso?
No dia que eu apresentei o Renan como substituto do Bernardinho, eu falei que se o Renan ganhar muito, muito, muito, ele tem chance de empatar com o Bernardinho. Ganhar ele não vai nunca. É covardia você ser presidente depois do Nuzman, do Ary e do Toroca. Cada um dentro das suas características foram pessoas vitoriosas e cada um investiu em alguma coisa fazendo com que a CBV se tornasse grande. Se quiser comparar, eu vou perder sempre, porque eles fizeram muito.
O que eu posso é tentar fazer o máximo para manter a tradição de bons resultados. Sair da posição inferior e chegar à superior é menos difícil do que se manter na posição superior, mas a minha missão é tentar fazer com que o voleibol possa crescer por todo o país, possa cada vez mais ter os clubes autossuficientes, as competições de vôlei de praia cada vez em maior número. Tenho que fazer crescer e manter os resultados que eles conseguiram. Minha missão vai ser muito difícil, porque no máximo eu vou poder empatar com eles.
Como é sua relação com o Ary? Ele tinha péssima relação com o Toroca, e isso influenciava a relação CBV/FIVB. No seu caso, existe uma relação pessoal com ele?
Eu acho que a minha relação com o Ary é de gratidão, porque foi ele quem me deu a chance de ser treinador de seleção brasileira. Todas as relações da CBV com qualquer entidade vão estar acima do meu relacionamento pessoal. O relacionamento da CBV com a FIVB é normal. O meu relacionamento com o Ary já foi muito bom, hoje é presidente da CBV e da internacional, cada um querendo o melhor para a entidade que dirige, com o máximo respeito possível.
Já o Nuzman teve suas sentenças anuladas e, se quiser, pode voltar à política esportiva. É alguém que você quer como aliado?
Eu gostaria muito de ter a inteligência do Nuzman, o dom administrativo do Ary e de ter o poder de conciliação do Toroca. Queria ter tudo isso para evoluir. A experiência dessas pessoas que passaram pela CBV é fundamental para a gente continuar crescendo.
A gestão Toroca trouxe a Adriana Behar para dentro da CBV, uma ídola do vôlei de praia como CEO, mas a tirou em um momento de pressão política. Olhando para trás, como você vê esse momento? A confederação errou? Tem espaço para colocar mais mulheres em cargos de comando na confederação?
Eu dividi a CBV em quatro setores, e nosso setor administrativo e financeiro é onde a gente reúne 50, 60 dos nossos 124 funcionários e quem comanda é uma mulher, a Luciana Oliveira. É o cargo de diretor com mais funcionários. Hoje na CBV temos mais mulheres que homens trabalhando lá dentro.
Quanto ao caso da Adriana Behar, logo que aconteceu a eleição para presidente e vice-presidente, me sugeriram nomes para me substituir como CEO, e eu disse que o nome que eu gostaria de ter era da Adriana. Mas acho que pelo fato de a Adriana estar fora e vindo para o Brasil e não estar no dia a dia da CBV, ela teve um grande azar, que foi minha covid. Eu era a pessoa que tinha que estar do lado dela para dar toda a sustentação no cargo e orientá-la. Eu deixei ela entrar muito sozinha na situação. E lamento muito, porque fui eu quem indicou ela para o cargo.
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