Vida no circo ajudou brasileiro de sangue parisiense a chegar às Olimpíadas
Ulan Galinski estará em casa nos Jogos Olímpicos de Paris. Representante do Brasil no mountain bike, competirá na cidade em que nasceu seu pai e boa parte dos seus familiares, que agora correm para conseguir ingresso para vê-lo.
Mas Ulan, 25, cresceu muito longe da Torre Eiffel, também em um local turístico, mas de perfil completamente diferente. Ele é cria do Vale do Capão, um dos cartões-postais da Chapada Diamantina, na Bahia. Até chegar à maioridade, viveu dentro de um circo.
"Comecei a me apresentar no circo com 3 ou 4 anos, e fui até os 13 anos. Eu fazia diabolô, que é um tipo de malabarismo, e arame, que é equilíbrio sobre um fio de ferro, tipo uma corda bamba, mais fina. Isso me ajuda muito até hoje, porque me ajuda a ter um posicionamento mais equilibrado na bike. Muita gente no mountain bike pratica slackline, mas eu fiz isso na minha infância", contou Ulan ao Olhar Olímpico.
O pai dele rodou o mundo como artista de circo até desembarcar no Brasil com um passaporte francês e o nome Jean Paul Galinski. Tinha como destino Salvador, onde queria aprender capoeira e ensinar circo. Conheceu a assistente social Maryanne Dultra Bastos, a Mary, se apaixonou, virou o "Paolo" e resolveu fincar raízes por aqui.
Mais especificamente no Vale do Capão. O primeiro filho já estava na barriga quando eles começaram a construir um polo cultural, o Circo do Capão, que dá aulas artísticas e se tornou uma organização familiar circense, como tantas outras pelo Brasil.
Foi nesse ambiente que Ulan cresceu. "Eu era de uma escola comunitária, a gente trazia bastante essa questão da arte de forma geral como forma de educação infantil. Sempre tive contrato com as artes, com música, teatro, circo. Tinha uma matéria que era 'quintal', a gente aprendia a fazer jardim, plantar. Sou muito grato pelo lugar que nasci e fui criado. Eu cheguei aonde cheguei pelo lugar onde vim."
Do circo ao circuito
No Capão, a bicicleta sempre foi o meio de transporte de Ulan. O esporte chegou só em 2014, quando ele já era um adolescente. Os dois melhores ciclistas de MTB eram da região, a modalidade virou febre entre a garotada, e pegou Ulan pelo coração.
"Eu sempre amei todos os esportes, mas me apaixonei pelo companheirismo, união, e pela adrenalina que aquela competição me fornecia", explica. No ano seguinte, já era campeão baiano.
Só que há uma diferença gritante entre andar de bicicleta e competir de bicicleta: a qualidade (e o preço) dela. Para começar no esporte, Ulan passou o chapéu nas famílias, a baiana e a francesa, mas para dar o passo a mais e chegar às competições nacionais era preciso um dinheirão a mais.
Paolo entrou na jogada. "Um amigo chamou meu pai para ajudar na montagem e desmontagem de um circo na Europa. Ele trabalhou durante um mês e meio nisso e quando acabou a gente estava na França, como sempre íamos nas férias. Ele recebeu o pagamento e foi direto comigo na loja para comprar a bicicleta. A bike, de carbono, era 80% da grana que ele ganhou, mas ele quis fazer isso por mim."
O pai ajudou o filho a realizar seu sonho, mas não poderá voltar para casa para vê-lo em Paris. Paolo tem esclerose múltipla e não consegue mais se locomover sozinho. Mary também ficará no Brasil, para cuidar do marido e companheiro de vida. Só a irmã Maria estará na França com Ulan.
Avançando
Ulan saiu de casa aos 19 anos, quando se tornou um atleta profissional. Mudou-se do Capão para um local também marcado pela imigração, mas no sentido contrário: Governador Valares (MG). "A vida na cidade é muito diferente do que eu estava acostumado, mas sempre aprendi a importância da adaptação. Você aprender a se adaptar fácil a diferentes situações é uma vantagem. Eu sabia que era importante para mim e eu precisaria me adaptar para viver meu sonho. Isso é o principal: lembrar que estava ali por uma escolha pessoal minha, estava buscando algo que eu queria viver."
Naquele momento, o MTB já vivia um boom no Brasil, que tinha nome e sobrenome: Henrique Avancini. Primeiro brasileiro a andar de igual para igual contra os melhores do mundo, Avança (como é conhecido) permitiu uma revolução no ciclismo de montanha no país, com mais fãs, mais empresas, mais dinheiro no mercado.
Ulan se aproveitou diretamente desse boom, porque Avancini também se tornou um player deste mercado, montando sua própria equipe em Petrópolis (RJ), sua terra natal, e apostando no baiano, que se mudou para lá..
"Eu acredito que nada acontece por acaso. Eu realmente acho que o destino uniu a gente por algo muito maior. O maior legado que ele deixou, além de todo sesse crescimento do MTB, foi a esperança nos atletas mais jovens, essa sementinha de que 'sim é possível sonhar e se tornar um dos mais fortes do mundo'."
Avancini virou uma espécie de mentor para Ulan, até hoje um atleta profissional da Caloi Henrique Avancini Racing. O veterano se aposentou no fim do ano passado, aos 34 anos, mas ajudou diretamente o Brasil a conquistar uma vaga em Paris, que será ocupada pelo ex-artista de circo.
O critério é um "ranking de países" que considera a pontuação dos três melhores ciclistas de cada país. Ulan era só o quarto na temporada 2022/2023, e não ajudou. Mas cresceu na hora certa, na temporada 2023/2024. Em março, assumiu o posto de melhor do país pelos critérios da CBC, que considerava os pontos ao longo de 24 meses.
A reta final foi eletrizante, com Ulan e Alex Malacarne, 22, que ainda compete no sub 23, disputando ponto a ponto. Juntos, poderiam levar o Brasil a uma segunda vaga. Mas, se houvesse só uma (como foi), seria um ou outro.
"Eu e o Alex temos uma relação muito boa, um respeito muito grande. A gente trabalhou para tentar conquistar a segunda vaga. As últimas Copas do Mundo valiam dobrado, e ele tirou muita diferença em Araxá (quando foi ao pódio), mas eu fiz um bom Pan e já tinha uma vantagem muito grande na República Checa. Ali eu admito que eu sequei ele, mas foi a única vez." Alex precisava ganhar a prova sub 23, o que não aconteceu. Ulan se classificou antes mesmo de disputar a última etapa da Copa.
Deixe seu comentário