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Futuro do handebol brasileiro, Kelly pegava estrada por 24h para jogar

Kelly Rosa tinha nove anos quando disse aos pais, na mesa de jantar, que já sabia o que queria fazer da vida: jogar handebol profissionalmente, na Europa, chegar à seleção. Aos 20, a meta já foi atingida. Mas o futuro no esporte, para ela, ainda promete muitos passos além.

A garota de Caldas Novas (GO), meia esquerda como Duda Amorim, parceira de clube de Alexandra Nascimento na Espanha, tem o porte físico e o talento para ser a próxima a chegar ao grupo das melhores do mundo. Por enquanto, chega à sua primeira Olimpíada.

"Eu sou muito grata à comissão técnica de estar apostando em meninas mais jovens, de estar pensando nessa renovação, porque a gente sabe o quanto é difícil disputar com outros times tão fortes no mundo. Eu vejo que essa crescente de meninas mais jovens ganhando experiência com as mais experientes, é uma bagagem muito boa para nós, mais novas", disse ela ao Olhar Olímpico.

Quem a ouve não diz que ela tem só 20 anos. Kelly tem uma empolgação serena, uma consciência rara do que é a própria carreira, de onde quer chegar, e como. É assim desde o começo no handebol, nas aulas de educação física na escola, em que o professor era seu próprio pai.

Foi paixão à primeira vista, pelo que conta. O problema é que Caldas Novas não é exatamente um polo do handebol. Também não fica perto de um. E, em um esporte coletivo, jogar com e contra os melhores é fundamental para evoluir. A solução estava mais de um dia inteiro de viagem de carro, ida e volta.

"Minha primeira experiência fora do estado foi em São Paulo, na Metodista. Fiz uma seletiva para o infantil e passei, mesmo sendo mirim. Tinha 11 anos, era nova para sair de casa, mas o técnico disse que a gente poderia ir só para os jogos. Então nós viajávamos. Foram 17 jogos no ano, e minha mãe e meu pai viajando de madrugada, dirigindo a noite toda, 12 ou 13 horas de viagem, só para ir, e mais o mesmo tanto para voltar. Eu de boa, dormindo, mas eles ali. Meu pai chegou a parar no pedágio e correr na estraada, a pé, para ficar esperto."

Se Kelly chegou à Europa, à seleção, à Olimpíada, muito é graças aos pais, que fizeram sacrifícios. Continuar viajando de fim de semana se mostrou inviável, mas o handebol estava em São Paulo e lá é que Kelly precisava estar. Quando a jogadora tinha 13 anos, todos entraram em um carro e seguiram para Jundiaí, em uma viagem só de ida.

Eu era muito nova para morar sozinha, e meus pais se mudaram comigo. Fomos sustentados por Deus, na cara e na coragem. Meu pai não tinha emprego, minha mãe não tinha emprego. Ela só conseguiu emprego no final do ano. Meu pai, no outro ano. Ele pegava uma arbitragem aqui, outra ali, nossa família ajudava com dinheiro. Eu consegui bolsa na escola, mas meu irmão foi estudar em escola pública", relembra.

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De Jundiaí, tradicional base do handebol, Kelly seguiu para o Pinheiros, já sem os pais, e já cotada para um futuro brilhante no handebol. Aos 18, já estava na Europa, primeiro no Sporting La Rioja, da Espanha, e agora no Elche, do mesmo país, onde é companheira da veterana Alexandra Nascimento, 22 anos mais velha.

"Eu cheguei no time novo, cidade nova, tudo novo, e ela me ajudou demais, me ajuda até hoje, a gente mantém contato, então foi para mim incrível. Ela era minha dupla de passe, e eu só pensava: 'Estou fazendo passe com nada menos que uma melhor do mundo, campeã mundial'. Ficava lisonjeada de poder compartilhar essa experiência com ela", diz Kelly, que segue no Elche por mais uma temporada, enquanto Alexandra vai para outro clube.

Se no masculino o handebol espanhol de clubes é forte (o Barcelona é o atual campeão da Champions League), no feminino nem tanto. A Espanha é so a porta de entrada para as brasileiras na Europa, e o caminho para as melhores costuma ser mais para o leste. Kelly sabe disso, mas quer dar um passo de cada vez, sempre com cautela.

"Eu almejo crescer cada vez mais no handebol e chegar a nível de Champions League, que é a maior competição de clubes atualmente na modalidade. Mas eu também entendo que eu sou nova e a gente não pode pular etapas. Então não adianta eu me colocar em um time top de linha do mundo se eu ainda não tenho maturidade suficiente nem a nível técnico e talvez nem a nível físico. A Espanha foi uma opção boa, porque foi um país que é um pouco parecido com o Brasil no quesito de cultura, tem muitas brasileiras lá, é uma porta de entrada para a Europa e me ajudou a crescer. Mas tenho sim a vontade de ir para outros países com ligas mais fortes, em times que joguem a Champions League."

Mas isso é plano para o futuro. O presente é a Olimpíada e a Kelly acredita que o Brasil está na briga por medalhas.

"Se nós não acreditarmos que a gente tem nível para chegar numa medalha, a gente não vai chegar nunca. Então o Brasil já provou que é capaz em 2013, sendo campeã mundial. E a gente vem numa crescente em cada Mundial, em cada jogo que a gente está fazendo de amistoso. A gente está evoluindo como grupo, está ganhando entrosamento. A Olimpíada só tem times seletos, mas acho que a gente tem que ir com essa cabeça aí de que dá pra brigar sim."

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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