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Paulo Anshowinhas

REPORTAGEM

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Skate street é 'coisa de prego': nome olímpico vira polêmica para skatistas

Rayssa Leal executa manobra na final do street feminino nas Olimpíadas de Tóquio - Jeff PACHOUD / AFP
Rayssa Leal executa manobra na final do street feminino nas Olimpíadas de Tóquio Imagem: Jeff PACHOUD / AFP

05/09/2021 04h00

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A grande popularização do skate no Brasil, com excelentes resultados olímpicos, trouxeram à tona uma questão mal resolvida. Seria correto falar skate street? Especialistas ouvidos pelo UOL Esporte afirmaram que embora o termo skate street tenha se propagado rapidamente pela mídia não especializada, principalmente durante as Olimpíadas de Tóquio-2020, não existe razão aparente para se falar o nome da modalidade de skate de rua dessa forma. Fala-se street skate ou apenas street, como em inglês.

"Isso é coisa de prego, de outsiders", diz Flávio Ascânio, professor, especialista em Fisiologia do Exercício, mestre em reabilitação, skatista profissional e comentarista de skate e snowboard da ESPN Brasil. "São pessoas que não conhecem a cultura e fazem traduções ou adequações sem saber da história. Agora tem muita gente que nunca pisou em um skate, assistem alguns vídeos, leêm algumas reportagens e já se consideram experts. É a mídia não especializada tentando aproximar os leigos do skate e acaba por cometer erros. Como skate street foi veiculado em mídias de grande alcance, a informação errada ou mal interpretada se disseminou. São fake infos", explica.

Outro que também discorda do uso do termo skate street é Leonardo Brandão, pós-doutor em Estudos do Lazer (UFMG) e doutor em História Social pela PUC/SP, onde pesquisa e escreve sobre a prática do skate há mais de 20 anos, tendo livros e inúmeros artigos científicos publicados. Para ele, "o termo veiculado nas revistas especializadas sempre foi street skate e não skate street; entretanto, é importante notar que essa modalidade diz respeito ao uso do skate nos espaços urbanos, especialmente em praças, ruas e demais equipamentos, tais como escadas, paredes, bancos etc. Quando tais equipamentos são reproduzidos numa pista para fins de competição, temos aí um simulacro, para o qual o termo mais correto seria street style, ou seja, estilo de rua", ensina.

"Da minha parte, para fazer referência ao uso do skate na cidade, eu venho utilizando o termo skate urbano, que é mais amplo que street skate e traz o vocábulo para o português", ensina.

A mesma opinião vem do editor da revista Cemporcento Skate, Douglas Prieto, skatista desde 1988. Ele lembra que o próprio Leonardo Brandão escreveu recentemente um artigo para sua revista com o tema: street skate ou street style. "Eu mesmo sempre usei só street, tanto para falar como para escrever, e acho que o certo é falar street skate, afinal em inglês a ordem certa seria essa", diz Marcelo Mug, editor da Black Media. Segundo ele, o problema "está na tentativa de se querer traduzir, ou 'abrasileirar' um nome em inglês e invertem a ordem correta", fala Mug, conhecido profissional da imprensa especializada.

"Acho que só no Brasil se fala skate street, né? Acho até normal já que brasileiros não sabem falar inglês. Na verdade, eu nunca tinha parado para pensar nisso", diz Roberto Teixeira Oliveira, diretor da Escola Brasileira de Skate e da produtora TX Filmes, que produz séries de skate para o canal Off, e foi pego de surpresa com a questão.

Já para o doutor em Antropologia Social pela USP e professor de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros Giancarlo Machado, esta é uma boa questão levantada e "nesta análise de nomenclatura nacional, vejo que é uma tentativa de diferenciação entre skate de rua que vira esporte do skate de rua propriamente dito, mas acho que vão falar que é sinônimo, não vão se ater ao impacto dos termos em si", analisa. Machado também é autor do livro "De carrinho pela cidade: a prática do skate em São Paulo".

Apesar dessa opinião, ele levanta uma hipótese: "Skate street envolveria, grosso modo, uma modalidade que esportiviza aquilo que se passa nas ruas (as pistas seriam como ruas artificiais). O protagonista é o skatista e suas manobras. Contudo, a outra vertente, a street skate (que, em minhas pesquisas, é nomeada de skate citadino), ocorre no cotidiano das ruas de muitas cidades, o que implica subversões dos espaços e conflitos e sociabilidade entre skatistas e demais pessoas", esclarece.

Para a tradutora e intérprete Simone de Paula, que está envolvida com skate desde 1977, quando tinha 10 anos de idade, "eu sempre ouvi falar street skate pelos próprios skatistas desde a infância, skate street parece coisa de leigo", insinua. "Em inglês, street skate significa skate de rua, enquanto skate street seria a rua dos skates, que soa ridículo."

CBSK não utiliza o termo

Na opinião do presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), Eduardo Musa, o que deve ter ocorrido é que parte da grande mídia começou a utilizar a palavra skate em primeiro plano para diferenciar e padronizar o street do park.

"Na comunicação da CBSK nós utilizamos apenas street e park", esclarecendo que nem o órgão máximo do skate no Brasil determinou uma alteração oficial no nome das duas modalidades, nem mesmo para os Jogos Olímpicos, mas que vem sendo empregada em vários veículos de imprensa nacional atualmente. O mesmo se verifica no site oficial da World Skate, entidade responsável pelo skate nas Olimpíadas, que, assim como a CBSK, também não alterou essa forma de nomear as modalidades, sendo que em inglês costuma ser chamada de street skateboarding.

"Ainda bem que ainda temos três anos pela frente para ir corrigindo esse erro", ironiza o 'team manager' da marca Vans e comentarista do skate nas Olimpíadas no Band Sports, Rodrigo Kbeça Lima, 34 anos de skate, que junto de Sandro Dias, o Mineirinho, utilizaram apenas street e park em seus comentários durante as transmissões.

Kbeça pode ser um dos poucos que se recordam de quanto tudo isso começou, e talvez tenha encontrado o fio da meada: "A primeira vez que ouvi a expressão skate park foi durante uma transmissão de TV do Vans Park Series em São Paulo. Depois, passaram a chamar todos os eventos da modalidade de skate park", lembra. "Minha vida toda foi street skate...Skate street surgiu como modalidade olímpica, assim como o skate park. Por que não chamar só park ou street as modalidades?", questiona. "Para quem sabe do que se trata não precisa colocar skate na frente", define.

Para fechar, a voz das ruas vem de um dos skatistas mais icônicos e conhecidos do Anhangabaú, Marcelo Formiguinha: "Skate street não, né? Pára. É street skate. É nóis", resume.