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Paulo Anshowinhas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que o mito de Sísifo tem a ver com o skate moderno

O mito de Sísifo - Reprodução
O mito de Sísifo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/12/2021 10h58

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Errar, errar, errar até acertar. Depois de acertar, errar, errar e errar de novo até acertar novamente.

Essa rotina exaustiva dos skatistas, de se fazer diversas tentativas para se obter o êxito na realização de uma manobra, pode ser vista por alguns como uma ferramenta masoquista de buscar se machucar para obter o sucesso.

Para outros, pode ser uma representação moderna do mito de Sísifo.

Escrita pelo ensaísta e filósofo francês Albert Camus em 1941, a história vem da mitologia grega e conta sobre o castigo de Sísifo, que foi condenado por Zeus para todo o sempre a empurrar uma pedra até o cume de um monte e vê-la rolar de volta até a planície - em um trabalho árduo e eterno.

O significado desse conceito está relacionado com a ideia de que por mais trabalho e esforço que se faça em relação a algo, os resultados são sempre infrutíferos, irrelevantes e frustrantes.

Seria algo como aquele famoso termo "enxugar gelo", que por maior sejam os esforços, o resultado sempre terá sido inútil.

Mas no caso do skate, outras variantes devem ser levadas em consideração.

A modalidade esportiva - e agora olímpica - cresce a cada dia, e acertar uma manobra não significa o fim de um objetivo, mas o início de uma nova série de tentativas de evolução técnica e ponto de partida para manobras ainda mais complicadas e arriscadas.

Essa busca pela inovação, o skatista gera uma sequência de tentativas e erros repetitivos, até se atingir o seu propósito, de conseguir realizar uma manobra com perfeição em um nível de dificuldade acima da versão anterior.

Manobras simples como ollie flips, se transformam em heel flips, heel flip indy, hell flip 360, hard flips, cabalerials, big spins, com novos "flips", giros e assim por diante, e a cada nova variante - mais complicada, vem a certeza inevitável de erros, e os tombos são consequência desse aprimoramento contínuo.

Para o expectador - que está de fora - essas tentativas em sequência sem êxito e com quedas cada vez mais surpreendentes não fazem sentido, parecem ser uma grande perda de tempo e enorme risco (desnecessário) para quem pratica.

Motivação, perseverança, resilência são atributos do skatista moderno

A filósofa americana Susan Wolf, em seu livro The Meaning of Life and Why It Matters (O Significado da Vida e Porque Isto Importa, em tradução livre), de 2010, em trecho publicado pela revista americana Psique, argumenta que no caso de Sísifo, atingir um determinado objetivo não era necessariamente algo bom, nem prazeroso, mas o cumprimento de uma obrigação.

Por isso, para quem está assistindo a um skatista arriscar diversas vezes uma mesma manobra sem conseguir acerta-la pode parecer algo sem sentido, o que poderia colaborar com a tese Sisifiana, se assim podemos dizer.

Mas para o skatista, a perseverança é um atributo natural e altamente positivo, e a busca pela perfeição é sempre mais recompensadora, o que invalidaria o conceito de Sísifo, de se fazer tarefas repetidas que não fazem sentido, nem trazem satisfação.

Ao contrário de ações Sisifianas, que rementem simplesmente a atividades repetitivas por obrigação, o skate como prática esportiva requer atenção, foco e um pensamento complexo baseado na prática constante, não apenas em movimentos reprisados.

Isso significa que o praticante precisa estar motivado para se calcular a velocidade a ser empregada, o tempo exato do posicionamento do corpo na hora da execução da manobra, para onde olhar nos momentos mais cruciais, e o orgulho e satisfação em se completar o movimento com perfeição sem colocar os pés no chão - o momento de êxtase.

Todo esse processo de prática exaustiva para criar manobras cada vez mais complexas e arriscadas gera um risco natural.

Mas os frutos destas conquistas animam e incentivam não apenas o skatista, como toda sua comunidade, e que estimula formas ilimitadas de criatividade e perspicácia cada vez maiores entre seus praticantes e entusiastas.

Por isso para quem não anda de skate, ver pessoas insistindo no erro e caindo sem parar por tempo indefinido pode de fato ser vista como uma tarefa Sisifiana. Como se fosse um autoflagelo.

Mas como diria a escritora e dramaturga Agatha Christie, "a evolução é um processo lento", e essas fases de treinamento dos skatistas até se obter a perfeição leva tempo.

Assim, os praticantes de skate compreendem bem esse processo, mas não desanimam com a experiência, com a demora em se obter resultados, nem mesmo com os tombos, o que aparenta os tornar ainda mais destemidos e resilientes.

Remete a uma frase conhecida do compositor Paulo Vanzolini, que até parece que foi feita sob medida para os skatistas: "Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima".