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'O álcool não me define', diz 1º brasileiro campeão mundial de skate
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Aos 45 anos de idade, 33 dedicados ao skate, o paulistano Rodrigo "Digo" de Menezes, primeiro brasileiro campeão mundial da modalidade, em 1995, na Alemanha, falou ao UOL Esporte sobre os bastidores do primeiro Mundial. Digo relembrou a vida na Califórnia, falou sobre dinheiro, X-Games, anos 80, desilusões e sobre como conseguiu vencer o vício em álcool, que o tirou das pistas por mais de uma década.
A história vitoriosa do skatista Digo começou na década de 80. Aos 10 anos, já andava e vencia campeonatos de dowhill slide (descida de ladeira), como a Ladeira da Morte, no Sumaré.
"Eu sou da época onde o skate era marginalizado, quando os adesivos nos shapes eram Skateboarding Is Not a Crime (andar de skate não é crime), e Skate Direito do Cidadão e Dever do Estado", recorda.
Nos anos 80 e 90, Digo foi um dos mais completos skatistas "overall" do Brasil. Competia e vencia na maioria das modalidades em que participava —dowhill slide, mini ramp, banks, bowl, Mega Rampa, street e principalmente vertical.
Digo foi tricampeão brasileiro de downhill slide, pentacampeão brasileiro de vertical e, depois do primeiro título mundial para o Brasil, foi campeão europeu em 2004, skatista do ano em 2005 e melhor skatista de vertical em 2006.
Antes de ser campeão mundial, Digo dormiu na rua na Alemanha para economizar
Em 1995, o skatista brasileiro Bob Burnquist venceu o torneio Slam City Jam, em Vancouver no Canadá, feito inédito e abriu caminho para novos títulos para o Brasil.
Mas para Digo, que na época estava literalmente "voando", participar dessas competições internacionais, não era tão simples assim.
Apesar da grande quantidade de troféus na estante, Digo não tinha grandes patrocinadores nos anos 90, e para viajar ao exterior dependeu do esforço dos parentes e familiares.
"Eu sou de origem humilde. Em 1993, eu tinha 16 anos e minha família não tinha condições de pagar uma viagem para a Alemanha. Tiveram de fazer uma vaquinha para eu ir", lembra.
Nessa primeira experiência internacional dormiu em carros e na rua, e mal tinha dinheiro para comer.
Foi assim também no ano seguinte, até que em 1995, entrou para a equipe americana da Think Skateboards, ficou hospedado em um hotel bacana e venceu o Munster Monster Mastership, na cidade de Munster, na Alemanha, primeiro título mundial do Brasil.
"Quando eu estava no pódio, passou um filme na minha cabeça: meu pai me levando para treinar, minha mãe lavando minhas roupas e colocando os equipamentos para secar, meu pai me acordando cedo para treinar."
"Depois dessa vitória ficou um vazio, do tipo: cheguei até aqui e agora? Mas na sequência surgiu os Extreme Games, no mesmo ano, em Rhode Island, e aí eu entendi que o skate começava a tomar rumos muito maiores", recordou.
"Para mim, o Extreme Games [hoje conhecido como X-Games] foi um divisor de águas em termos de dinheiro. As câmeras de TV da ESPN no ar atravessando a pista, o schedule [cronograma], tudo em um patamar tão avançado, com o Bob, o Piolho e o Ferrugem como estrelas, parecia uma verdadeira Olimpíada, com medalhas de ouro, prata e bronze."
O título mundial de Digo motivou a criação da Lei Municipal e Estadual do Dia do Skate de São Paulo, comemorado todo dia 3 de agosto. O Brasil foi o primeiro país do mundo a ter uma lei voltada a prestigiar o skate.
Dinheiro, vida no exterior e banho gelado nos anos 2000
Perguntamos se com o título mundial, Digo conseguiu ficar rico com skate, mas de acordo com ele, não foi bem assim.
"Essa foi uma piada boa, hein? [sorri]. De fato, eu ganhei dinheiro, mas não dá para comparar com os skatistas que estão no topo hoje, mas cada um tem um estilo de vida. O que eu ganhei, ajudei com 90% a minha família e tenho muito orgulho disso", comentou.
"Não sou rico e continuo na mesma casa da Vila Madalena e, naquela época, mesmo que ganhasse um grande circuito não dava para ficar rico. No Mundial da Alemanha, eu ganhei cerca de 10 mil marcos (aproximadamente R$ 29 mil hoje). Era um valor bem baixo em relação aos prêmios de hoje em dia", disse.
Vida simples e com muita disciplina era a rotina de Digo enquanto morava na Costa Oeste americana nos anos 2000. Residente em Ocean Beach, na Califórnia, acordava pontualmente as 5h30 da manhã diariamente e, mesmo com frio, ia pegar onda sem roupas de proteção.
"Eu curto pegar onda, mas eu sou prego [sorri]. O objetivo era acordar cedo, ter uma regra, tomar café da manhã, cair no mar gelado, almoçar, dar uma cochilada e acordar no final da tarde para andar em Clairemont Skatepark onde eu treinava e estabelecia minhas metas diárias."
A pausa, o álcool, a depressão e as lições de vida
Em 2008, Digo recebe a notícia do falecimento do seu pai, o alfaiate Carlos Menezes, um grande choque para ele.
A carreira em evolução deu uma pausa em 2009, quando o Digo se machucou na Mega Rampa. Enquanto tratava do pé, se envolveu ainda mais com o alcoolismo, que o tirou das pistas e dos pódios. Ele só voltou às manchetes no final de 2015, ao desaparecer por uma semana. O episódio alertou a família e a mídia, devido ao súbito desaparecimento.
"Eu sumi por cinco dias no Natal, Réveillon, mas foi desespero da família. Eu estava bebendo na casa de uma mulher com quem eu estava ficando. Acabou a bateria do celular, e quando voltei estava esse alvoroço", minimiza.
"Alcoolismo faz parte da minha vida, não tenho como fugir disso. Tenho de acordar todos os dias e falar: hoje não vou beber. A depressão veio por conta do alcoolismo", analisa, lembrando que passou cinco meses em uma clinica de reabilitação em São João da Boa Vista e aprendeu sobre recaídas.
"Eu não julgo ninguém, quem bebe quem fuma maconha, mas, para mim, o álcool é a pior droga que existe, pois é o portal para drogas mais pesadas", diz, afirmando nunca ter feito uso de drogas ilícitas. "Não tem razão ou motivação para beber, tudo é pretexto para beber. Se está tudo bom, você bebe, se está ruim, também, se alguém nasce ou morre também" explica.
"Quando você é criança e está no Réveillon com a família, é meio tímido, e todos ao seu redor ficam 'lubrificando' o sangue com champagne e oferecem para o filho, ele acaba se sentindo melhor. Se era uma pessoa introvertida, vira extrovertida, e depois vai para o vinho, a cerveja e depois não para mais."
"O álcool não me define, mas hoje eu tenho orgulho de ser careta. Prefiro tomar um café e me divertir do que ficar chapado. Dizem que ser careta não tá na moda, mas se você anda de skate e é careta, no dia seguinte, acorda e anda bem [de skate], em vez de tomar todas e ficar 'zuado no dia seguinte."
De religião espírita, hoje em dia, Digo se reúne diariamente com a mãe às 16h, fazem uma prece, agradecem pelo que recebem e pedem mais orientações.
Dificuldades financeiras
Atualmente, Digo diz passar por dificuldades financeiras, dá aulas de skate para se manter, mas sente falta de apoio, estrutura e dinheiro para colocar novos planos em prática. "Será que a CBSK não teria a obrigação de ligar para saber como estão os skatistas que lutaram pela história do skate?", questiona. "Minha vida é voltada ao bem e à evolução. Não faço as coisas esperando nada em troca, espero, sim, respeito".
"O skate machuca, mas o skate salva. Eu não desisti de nada, posso cair, levantar, enquanto estiver respirando vou continuar tentando", finaliza.
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