Pista do RJ avança, mas o que isso quer dizer para futuro do GP do Brasil?
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O projeto para construir um autódromo no Rio de Janeiro e levar a Fórmula 1 e outros eventos para a capital fluminense deu mais um passo com a aprovação da continuidade do licenciamento ambiental apresentado pelo consórcio Rio Motorpark. O projeto é visto com bons olhos pelos chefões da categoria mas, a seis meses do calendário de 2021 ser fechado, uma série de fatores faz com que a etapa brasileira não esteja garantida para além desde ano, quando acaba o contrato atual com o circuito de Interlagos, em São Paulo.
Conforme apurou a coluna Pole Position, a Liberty Media, empresa que detém os direitos comerciais da Fórmula 1, trabalha com três cenários para o GP Brasil: correr em um circuito que ainda não começou a ser construído no Rio de Janeiro, renovar o contrato e permanecer em São Paulo, ou deixar o Brasil caso não chegue a um acordo financeiramente vantajoso.
O grupo norte-americano assumiu o controle da categoria após comprá-la por 4.4 bilhões de dólares, em janeiro de 2017. No dia anterior, o então chefão do esporte, Bernie Ecclestone, fechou um acordo especial para assegurar a etapa brasileira de 2017 até 2020, dispensando o país de pagar a taxa de realização da prova, cobrada de todos os demais GPs, exceto Mônaco pelo seu valor histórico.
Em seu modelo de negócio, Ecclestone fechou acordos milionários com TVs a cabo na Europa logo antes de vender a Fórmula 1, mas isso, em médio prazo, acabou corroendo a audiência da categoria e, hoje em dia, são os promotores de corridas os responsáveis pela maior parte da receita do esporte. Sabendo que a tendência de perda de valor dos contratos de TV e também da audiência é irreversível para todos os esportes, a Liberty Media vem sendo mais dura nos contratos com os promotores. Dentro deste novo cenário, foi necessário renegociar a posição do Brasil.
No modelo dos norte-americanos, não vale a pena correr fora da Europa recebendo menos de 30 milhões de dólares por etapa, além de ter a possibilidade de explorar outras formas de receita, como vender suas próprias placas de publicidade e parte das vagas de Paddock Club, ingresso mais caro da F-1, pelo qual a Liberty cobra 6.000 dólares.
Também não há a necessidade de correr "a qualquer custo" no Brasil. Há uma fila de interessados a entrar no campeonato pagando bem mais que os 30 milhões de 'piso': a F-1 negocia com a Arábia Saudita, com uma segunda prova na China e também tem outra localidade na América Latina interessada, além de estar tentando emplacar uma segunda corrida nos EUA. Por conta disso, a posição da categoria é: se São Paulo não melhorar sua proposta e o Rio não conseguir tirar a pista do papel, a F-1 sai do Brasil a partir de 2021, mesmo que não em definitivo.
As propostas
Segundo apurou o UOL Esporte, a proposta financeira colocada na mesa em maio do ano passado pela Rio Motorsports contempla o modelo preferido atualmente pela Liberty: foram oferecidos 35 milhões de dólares por etapa mais a possibilidade de vender 5.000 lugares no Paddock Club, totalizando 65 milhões, além da exploração de algumas das placas de publicidade. Estes 35 milhões de taxa de realização seriam pagos por meio de incentivos fiscais, justificado pela injeção de dinheiro do evento na economia, mesmo modelo de outras corridas da temporada, como o GP dos Estados Unidos e o GP da Holanda, que volta ao calendário neste formato em 2020.
Já a proposta apresentada por São Paulo é menor que a do Rio pela taxa de realização e também uma oferta reduzida em termos de Paddock Club e placas de publicidade. Hoje em dia, 100% do lucro de ambas fica com a Interpub, atual promotora da prova, também dentro do acordo fechado por Ecclestone. No caso de uma renovação, a Liberty Media negocia oficialmente com uma nova promotora, a IMM, que realiza o Rio Open. Procurada pela coluna, a Interpub afirmou que "tudo indica que o contrato entre São Paulo e a F-1 será renovado. As negociações estão avançadas e caminham bem."
A prova paulistana também conta com dinheiro público para ser realizada anualmente: a Prefeitura de São Paulo, que é dona do terreno - que vive um entrave no processo de concessão, como apurou o Blog Olhar Olímpico - coloca de 40 a 60 milhões de reais na prova anualmente, por julgar que o retorno para a cidade supera, com folgas, esse número. A Prefeitura calcula que o GP movimente mais de 300 milhões de reais por ano. Porém, adotar um sistema de isenção como no Rio é mais complicado em São Paulo devido ao fato das leis estaduais serem diferentes. O governador João Doria Jr. está empenhado no projeto, mas o fato dos governos federal, estadual e municipal estarem alinhados a favor do Rio de Janeiro é visto como um entrave.
Mas e se não tiver pista?
O grande trunfo de São Paulo, obviamente, é o fato do circuito de Interlagos estar pronto e inclusive ter sido amplamente reformado recentemente, com financiamento do PAC do Governo Federal. A pista é uma das melhores do campeonato e costuma ser palco de corridas emocionantes. Porém, a área do autódromo é muito menor que em outros lugares por que a F-1 passa, e o GP paulistano não tem ativações de marketing como uma fan zone ou área para os pilotos darem autógrafos e falarem com o público, como ocorre nas outras etapas. Por conta disso e pela dificuldade de fazer outros tipos de ativações na cidade de São Paulo, a F-1 entende que existe um limite do que pode ser explorado em termos de marketing na capital paulistana.
O Rio, além de ser uma cidade mais turística - e isso faz parte do plano de expansão da Liberty Media, que quer levar a F-1 para lugares como Miami, Las Vegas e vai estrear uma prova em Hanói, no Vietnã - o projeto contempla atividades na Zona Sul, além da pista em Deodoro, na Zona Norte da cidade.
Apesar da proposta financeira do Rio ser melhor do ponto de vista da Liberty, a série de problemas que a Rio Motorsports vem enfrentando para tirar o projeto do papel é algo que a F-1 acompanha de perto. Após a aprovação do estudo de impacto ambiental, na última quinta-feira, a avaliação do consórcio vencedor é de que, embora ainda possam ser feitas audiências públicas, o processo de construção pode começar, o que está programado para o mês de abril.
Como o projeto de construção da pista de Deodoro aposta em estruturas pré-moldadas, a Rio Motorsports defende que é possível diminuir consideravelmente o prazo de construção para até 14 meses, algo próximo do que foi feito no Vietnã, embora com uma diferença importante: apesar do asfalto ter sido todo refeito, dois terços da pista usa ruas já existentes.
As duas corridas programadas para estrear neste ano, inclusive, mostram o tanto que a Liberty Media vem se dispondo a se arriscar no caso de negócios vantajosos financeiramente: no Vietnã, a etapa foi confirmada em novembro de 2018 para acontecer pela primeira vez em abril de 2020, mas as construções tiveram que diminuir bastante o ritmo na época de chuvas, especialmente de junho a agosto. Já na Holanda, uma série de questões ambientais foram levantadas e demorou mais de um ano para os organizadores conseguirem passar pelas audiências públicas, o que também atrasou o projeto de melhorias do entorno da pista de Zandvoort e modernização do circuito, que volta ao calendário no início de maio.
Ao assumir esse tipo de risco, a F-1 estabelece no contrato mini metas para os promotores cumprirem. Caso isso não aconteça, o acordo corre risco. Hoje mais dependente do dinheiro dos promotores que no passado, a categoria prefere esse tipo de risco do que fechar contratos menos vantajosos.
Outra vantagem dos novos circuitos é o fato deles serem desenvolvidos com um software que a F-1 criou especialmente para desenhar traçados que provoquem corridas mais emocionantes. As mudanças em Zandvoort, como a curva com inclinação que será única no calendário, foram feitas com base nestas simulações, ainda que o primeiro grande teste seja a pista do Vietnã. E o autódromo do Rio também foi projetado com o auxílio deste software, feito pela equipe comandada por Ross Brawn, diretor da parte técnica da F-1.
Outra questão importante nessa negociação é a renovação do contrato dos direitos de TV, que também vai até o final de 2020. A Liberty Media não chegou a um acordo comercial com a TV Globo, e existe a possibilidade da Fórmula 1 ser transmitida pela TV Record ou mesmo sair da TV aberta no Brasil. Isso traria um impacto importante para a audiência mundial, uma vez que o país responde por quase 20% do total de telespectadores. Fora da TV aberta, a captação de recursos dos promotores tanto de São Paulo, quanto do Rio, para a realização da prova no Brasil também fica comprometida.
O calendário de 2020 foi finalizado no final de agosto deste ano e ratificado apenas em outubro. A indefinição sobre a continuidade da etapa brasileira, portanto, deve se arrastar pelos próximos meses.
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