Senna ganhou 1ª há 35 anos com time médio. Por que isso não acontece mais?
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O mundo da Fórmula 1 já tinha recebido o cartão de visitas de Ayrton Senna pilotando sob chuva na grande performance que por pouco não lhe deu a vitória logo em seu primeiro GP de Mônaco da carreira, e ainda por cima andando com o carro da Toleman. A primeira conquista, no entanto, sairia no ano seguinte, também sob chuva, e de forma extremamente dominante, fazendo o que é chamado grand chelem: com pole position, melhor volta da prova e liderando todos os giros da corrida.
O feito foi obtido por Senna há exatos 35 anos, no dia 21 de abril de 1985, no GP de Portugal, com o carro da Lotus. O time inglês, que dominou os anos 60 e parte dos 70, poderia ser considerado uma equipe média na época: seus pilotos não disputavam o título, mas frequentavam a zona de pontuação, que na época ia até o sexto lugar.
Comparando com os tempos atuais, seria algo como ver a McLaren ou a Renault vencendo alguma prova, ou seja, alguma equipe que costuma ser a quarta ou a quinta força dentro do campeonato. Isso se tornou raridade neste milênio na Fórmula 1, não coincidentemente depois que os gastos aumentaram exponencialmente, assim como a desigualdade entre as equipes. A última vez que um piloto do quarto melhor time no campeonato ganhou uma corrida foi em 2012, com Kimi Raikkonen, em um ano que também teve Pastor Maldonado ganhando de Williams. Antes disso, é preciso voltar para 2008 para relembrar uma zebra ainda maior, quando Sebastian Vettel ganhou com a Toro Rosso e o time foi sexto naquele ano.
Voltando a 85, Senna ganharia duas vezes naquele ano, seu companheiro Elio de Angelis também seria primeiro colocado em um GP e Nelson Piquet com a Brabham, quinta no campeonato, seria outro vencedor na temporada.
Mas por que se tornou tão raro ter vencedores de fora das três melhores equipes?
Orçamentos (e desigualdades) são maiores
Na época que Senna estreou na F-1, os gastos começando a aumentar exponencialmente devido aos acordos de TV lucrativos fechados por Bernie Ecclestone. Mas, ainda assim, as equipes não gastavam mais de 50 milhões de dólares por ano, praticamente 10% do orçamento de um time grande atualmente. E uma equipe como a McLaren, que terminou em quarto ano passado, gasta cerca de 250 milhões, então quase a metade de Mercedes ou Ferrari. É por isso que a F-1 vai adotar um teto orçamentário a partir do ano que vem, ainda que o valor não esteja fechado. Ele será de, no máximo, 150 milhões de dólares, descontando os maiores salários (incluindo pilotos) e marketing, entre outros itens.
O que também não aumentou de forma igual foi o dinheiro vindo da divisão do bolo dos direitos comerciais. Os contratos feitos por Ecclestone antes de sua saída, em 2016, seguem válidos até o final deste ano, e significam que a Ferrari, mesmo sem ser campeã desde 2008, é quem ganha mais, entre outras discrepâncias.
Carros mudavam entre classificação e corrida
Um motivo técnico que serve como parte da explicação das vitórias da Lotus entre 85 e 87 era a força em classificação, podendo usar o fato de largar na frente como arma em circuitos mais travados e, no caso daquela corrida do Estoril, com forte chuva, o que beneficia o piloto com melhor visibilidade. Hoje é muito mais difícil que um carro seja "especialista" em classificação por dois motivos principais: não são permitidas mudanças entre a classificação e a corrida, e há limites no número de motores usados no ano, medida tomada para diminuir os gastos. Na década de 1980, era normal as fornecedoras terem um motor específico para a classificação.
Pneus diferentes
Também era comum usar pneus de classificação, desenvolvidos especialmente para serem muito rápidos e pouco duráveis, então o comportamento do carro podia variar do sábado para o domingo, quando seriam usados compostos mais duros. Outro fator muito importante era a chamada guerra de pneus: quando havia fornecedores diferentes e, dependendo do circuito ou das condições climáticas, um deles se sobressaía. Hoje, somente a Pirelli fornece pneus para a F-1, mesmo tendo havido tentativas de adicionar uma concorrente. O problema, novamente, é a escalada de gastos, o que afasta possíveis candidatas.
Os carros quebravam mais
Ver todos os carros que largaram terminarem uma corrida foi algo que só aconteceu pela primeira vez na história da F-1 na última década, mas desde então se tornou frequente. A evolução mecânica, as áreas de escape asfaltadas em nome da segurança, o maior controle de telemetria, permitindo que os engenheiros avisem os pilotos quando há algum problema no carro e até mesmo o ritmo relativamente lento das corridas em relação à classificação devido à necessidade de poupar pneus projetados para se degradarem fazem com que terminar uma corrida não seja mais um desafio, diferentemente do que acontecia nos anos 1980. Com menos abandonos, diminui também a chance de uma surpresa.
Mais chances para o piloto
Juntando todos os fatores anteriores, dá para perceber que o piloto nos anos 1980 tinha mais chances de fazer a diferença, seja pela maior variabilidade de resultados, seja se mantendo na pista e evitando quebras. Ainda assim, volta e meia a Fórmula 1 tem corridas mais abertas, como o GP do Brasil do ano passado, quando Pierre Gasly, de Toro Rosso, foi segundo, e Carlos Sainz deu o primeiro pódio em seis anos para a McLaren.
Como foi a primeira vitória de Senna
O GP de Portugal de 1985 ficou marcado pelas péssimas condições de pista devido à chuva, o que pegou vários pilotos de surpresa. Era a segunda corrida do campeonato - e a segunda prova de Senna pela Lotus, depois de ter feito sua temporada de estreia na Toleman.
Ayrton largava pela primeira vez na pole position (o que se tornaria comum naquele ano, em que foi o primeiro na classificação em sete oportunidades) e a chuva começou a cair ainda antes da largada, após todas as sessões anteriores serem disputadas com pista seca. "Nos tempos de hoje as condições eram tão ruins que a corrida provavelmente começaria com Safety Car, mas na época nem se pensava nisso", comparou o jornalista inglês Nigel Roebuck, que estava cobrindo aquela corrida no Estoril, em entrevista ao UOL Esporte em 2015. "Quando perguntei a Ayrton se a vitória de Donington [em que foi de quinto a primeiro na primeira volta e venceu com 1min23 para o segundo colocado] havia sido sua melhor, ele disse: 'Não! Claro que aquela foi boa, e não foi fácil - mas não foi como Portugal em 1985. Em Donington eu tinha um [motor] Cosworth, mas em Estoril tinha o Renault turbo - era muito mais potência! Mas a maior diferença é que agora [em 93] temos controle de tração, e naquela época não'", lembrou o jornalista.
De fato, em determinado momento, até Senna passou a gesticular no carro, pedindo o fim da prova devido à chuva. Ele havia conseguido largar bem e pulou na frente com facilidade. No final da segunda volta, já tinha 3s de distância para o segundo colocado. A água era tanta que, depois de 16 voltas, Jacques Laffite parou sua Ligier dizendo que o carro era inguiável em tais condições, e Nelson Piquet chegou a parar no box para colocar um macacão seco antes de também abandonar: os pneus Pirelli da Brabham do brasileiro não tinham um bom rendimento na pista.
De pneus Goodyear, Senna foi abrindo e seus rivais foram ficando pelo caminho. Keke Rosberg, da Williams, e Alain Prost, da McLaren, bateram na caça ao brasileiro, que venceu a prova encerrada no limite de 2h duas voltas antes do fim, batendo Michele Alboreto, da Ferrari, por 1min02s978.
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